Foi apresentada, na Câmara dos Deputados, proposta certamente com
feição para lá de surrealista, ante os parâmetros dessa Casa Legislativa, fato
que a tornou inaceitável in limine, diante do distanciamento já
demonstrado, de maneira reiterada, pelos poderosos parlamentares aos saudáveis
princípios da moralidade.
Pois bem, a aludida proposta bastante contraditória aos costumes
do Parlamento brasileiro cinge-se na obrigatoriedade, pasmem, da amputação das
mãos de políticos, feita pelo Sistema Único de Saúde, que cometerem crimes de
corrupção, ou mais precisamente, nas palavras dele, pelos políticos que
praticarem, “abuso de poder econômico, improbidade administrativa que
importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a
condenação até o trânsito em julgado.”.
O parlamentar paranaense justifica a sua ousada proposta com base
em normas existentes, pasmem, na China, no Irã e na Coreia do Norte, países
tradicionalmente desconhecedores da exuberância dos princípios democráticos,
além de ignorarem os comezinhos direitos fundamentais da humanidade.
Em reforço à sua espetaculosa tese, o deputado alega ainda, na
justificativa, que “os políticos se aproveitam da boa-fé dos eleitores,
prometem tudo, não cumprem e nada lhe acontece (…), são inescrupulosos e
frios, pessoas más e desumanas”.
Não obstante, a proposta em apreço foi recebida pela Mesa Diretora
da Câmara e logo depois devolvida ao autor, diante da constatação de versar nela
medida que não se coaduna com o texto constitucional, como, por analogia, a
disposição insculpida no artigo 5º da Constituição, que, em seu inciso XLVII,
estabelece: “Não haverá penas: a) de morte, salvo em casa de guerra
declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; (...) e e)
cruéis”, o que significa dizer que amputação de membros humanos equivale a
morte de parte do corpo, que tem direito à sua integralidade, bem assim de
tratamento extremamente cruel e definitivo, perpétuo.
Agora, parece até paradoxal a presente proposta, porque o seu
autor, segundo a média, coleciona uma série de atos que até podem ser
considerados como corrupção, quando, por conduta contrária à ética parlamentar,
ele já teria sido afastado pelo Conselho de Ética da Câmara por “ataques a
colegas parlamentares, abuso de poder, invasão de hospitais para filmagens não
autorizadas e apresentação de documento falso ao STF.”.
Estudos realizados por pesquisadores mostram que a disseminação
das práticas corruptivas têm origem no Brasil Colônia, onde existia falta de
definição sobre o que eram bens públicos ou privados, nascendo aí muita
confusão e erradas ideias que terminaram se consolidando no sentido de que o
Brasil era nação própria para enriquecimento fácil, seguro e vertiginoso,
graças a esses costumes prejudiciais aos interesses nacionais.
Naquela época, também existia a concepção de que o Estado era
visto como inimigo da população, porque tinha o poder de cobrar muitos
tributos, exatamente como é hoje, os quais eram considerados forma de imposição
de entraves à iniciativa privada.
Diante disso e sem alternativa, as pessoas com maior criatividade
criminosa não tiveram a menor dificuldade em entender que a melhor saída era
roubar do erário, sob o entendimento que se tratava de ato normal e aceitável,
só que isso se tornou regra com o nome próprio de corrupção.
Não há a menor dúvida de que a proposta em causa representa
atitude que não passa de mero delírio, por evidenciar iniciativa muito longe do
razoável para se contribuir para a solução de grave problema enraizado na
cultura de um povo que precisa muito ser educado de berço sobre o tema da
moralidade, porque, do contrário, a desgraça da corrupção somente se ramifica e
cria raízes, no país tupiniquim.
É notório que, na Câmara dos Deputados, já passaram várias e
excelentes propostas com conteúdos extraordinários, visando exatamente à
implantação de mecanismos tendentes à moralização da administração pública, com
abrangência nas atividades pertinentes aos políticos, mas, não se sabe ainda
por qual motivo, nenhuma foi aceita pelos parlamentares, que preferiram
transformá-las em medida de proteção às atividades corruptivas, a exemplo da
Lei de Abuso de Autoridade, onde há dispositivo que pune investigações de
autoridades, o que disciplina a facilitação da roubalheira generalizada, com
maior poder para a impunidade.
Dificilmente surgirá
mecanismo capaz de eliminar a corrupção no Brasil, por mais que surjam
instrumentos com os propósitos de implacabilidade, como aconteceu recentemente,
com inicial força titânica da Operação Lava-Jato, mas seu ímpeto foi, aos
poucos, perdendo fôlego, esmorecendo, enfraquecendo e estando, nos dias atuais,
praticamente sumida, enquanto muitos corruptos envolvidos em falcatruas se
encontram distantes das investigações e sem perspectivas de julgamento por seus
atos delituosos, a exemplo dos criminosos de colarinho branco, que têm foro
privilegiado e estão na maior tranquilidade exercendo cargo político eletivo,
na certeza que jamais serão incomodados pelo Supremo Tribunal Federal.
Na verdade, a mudança de mentalidade e cultura tem sido o maior
obstáculo para se alcançar outro nível de modernidade social, com a aceitação
de que os corruptos pudessem ser exemplarmente punidos, sem dificuldade nem
demora, tendo por base legislação sob primor punitivo, sem qualquer forma de
alívio à impunidade.
De certa forma, ao contrário do que muitos pensam, a impunidade
quase generalizada não está na falta de leis, porque elas até existem, boas ou
ruins, o suficiente para o combate à corrupção, mas o grande problema é que não
são cumpridas por razões diversas, que ainda contam com o beneplácito da eterna
e perniciosa morosidade da Justiça brasileira, que se mostra altamente
ineficiente e incapaz de julgar com a necessária rapidez as ações penais, fato
que conspira contra a ansiada moralização da administração do Brasil.
A esperança derradeira fica por conta do interesse da sociedade,
que precisa se conscientizar no sentido de que depende exclusivamente dela para
se mudar todo sistema político eleitoral, com a modernização da legislação
pertinente, inclusive com a
possibilidade de recall automático para os políticos que deixarem de
corresponder às verdadeiras finalidades públicas, no caso da prática de
corrupção ou de outras quebras do decoro parlamentar ou político, em que a
punição, a nível cívico-eleitoral, independentemente das sanções cíveis e
penais, seria a perda do mandato pela quebra da confiança do eleitor.
Brasília,
em 13 de março de 2020
Nenhum comentário:
Postar um comentário