Na
atualidade, discute-se, de forma acalorada, a continuidade ou não da tradicional
e secular vaquejada, que é normalmente praticada no Nordeste e se baseia originalmente
na disputa de vaqueiros do sertão, cujos eventos costumam durar até quatro
dias, onde cavaleiros têm a obrigação de derrubar os bois, em busca de prêmios
em dinheiro e de diversão para os participantes.
Há
notícias de que, no parque Alto Sereno, em Serrinha, cidade da Bahia, as
premiações podem atingir à cifra de R$ 50 mil, que são acompanhadas por competições
diversas, como leilões de animais, shows musicais, escolha do rei e da rainha
da vaquejada, entre outras atividades que rendem milionários lucros para os
organizadores.
Conforme
levantamento da Associação Brasileira de Vaquejadas (Abvaq), as atividades no
Nordeste movimentam o valor estimado de R$ 700 milhões por ano e geram 750 mil
empregos diretos e indiretos.
A
existência desses eventos vem sendo questionada e corre o risco de ser
proibida, em definitivo, por força da recente decisão do Supremo Tribunal
Federal, que julgou a vaquejada como crueldade contra os animais, ao analisar a
constitucionalidade de lei do Estado do Ceará, que versava sobre o reconhecimento
da vaquejada como atividade desportiva e cultural.
Com
base na mencionada decisão, o Ministério Público tem conseguido, na Justiça, a
proibição de algumas vaquejadas em estado do Nordeste.
À
vista do alcance protetor da vida animal, a decisão do Supremo também tem
contribuído para dificultar a realização outras manifestações denominadas culturais
que utilizam animais, a exemplo da Festa do Peão de Barretos (SP) e o Rodeio Crioulo,
evento tradicional no Sul do país.
Não
obstante, como a decisão do Supremo foi adotada em caso específico, a Justiça
tem interpretado o tema de forma diferenciada, como o que ocorreu com um juiz
que liberou a vaquejada em Campina Grande, na Paraíba.
Os
defensores da vaquejada demonstram temor de que essa prática seja resolvida nos
moldes das brigas de galo, no Rio de Janeiro, e da Farra do Boi de Santa
Catarina, que também foram envolvidas em demandas judiciais, cujas tentativas
de regulamentação acabaram sendo consideradas inconstitucionais pela Suprema
Corte de Justiça.
Uma
vereadora e advogada de Salvador (BA), a par da citação sobre participação de
animais em eventos culturais, disse que “Fizemos
vídeos, mostramos como os animais são tratados e a Justiça foi sensata em
proibir. E essa decisão do STF sobre a vaquejada foi uma vitória para todos
aqueles que cultuam a preservação da vida”.
No
entendimento da parlamentar, a vaquejada é um “instrumento de violência” porque, em sua opinião, “agir com violência é considerado uma coisa
normal” nesses eventos.
Presentemente,
o lobby em favor da vaquejada tem sido bastante ativo por parte de seus
defensores, principalmente do poder econômico, que já promoveram protestos em
diversas localidades, inclusive em Brasília, onde foi montado poderoso escritório
composto de advogados, políticos, empresários e organizadores de vaquejadas, na
tentativa da reversão do quadro desfavorável que se encontra a causa em apreço.
Um
deputado federal da Bahia, a par de classificar a decisão do Supremo de “ato de discriminação contra o Nordeste”,
ressaltou que “Estamos tendo reuniões
todos os dias e estudando medidas que podemos tomar para que a tradição da
vaquejada continue. É discriminação
porque o STF permite esportes de ricos que usam animais, como polo, turfe,
rodeio. Como a vaquejada é uma atividade de vaqueiros pobres, eles não permitem”.
Não
é correto se afirmar que “vaqueiros pobres” sejam os únicos que não se
beneficiam dessa “farra do boi”, porque o poder econômico é quem está bancando
tudo, em proveito próprio.
A
ação pró-vaquejada avança com celeridade no Senado Federal, onde uma comissão
aprovou projeto de lei, com pedido de urgência da sua análise pelo plenário da
Casa, que eleva a vaquejada e o rodeio à condição de manifestações da cultura
nacional e patrimônio cultural imaterial.
Um
senador do Nordeste disse, na ocasião, que “O
que se precisa é corrigir o que ainda é feito de forma errada, o que já vem
sendo feito há tempos. Há plantão de veterinários, não existe mais contato dos
animais com o metal e é utilizado um rabo artificial”.
Nenhum
ser humano se atreveu, ainda, a se colocar no lugar do boi, para fazer as vezes
de animal a ser derrubado, apesar da existência do plantão de veterinários, que
tem o condão de reafirmar a crueldade dos animais, à vista da sua existência.
É
bem de se ver que a importante decisão do Supremo contra a lei do Ceará se
baseou, entre outros elementos, em laudos elaborados sobre as vaquejadas, de
autoria de centros de pesquisa, sendo um deles da Universidade Federal de
Campina Grande (PB), que, entre outros dados técnicos, apontou “lesões e danos irreparáveis” em bois e
cavalos, como exostose (formação anormal de ossos ou cartilagens), miopatias
(doenças musculares) por esforço e fraturas.
O
advogado dos organizadores de vaquejadas disse que teria citado, em um recurso
na Justiça, o voto de um ministro do STF, onde está escrito que se deve proibir
os eventos “quando for impossível sua
regulamentação de modo suficiente para evitar práticas cruéis”.
À
toda evidência, essa frase é bastante genérica e imprecisa, não servindo de
base para caso concreto.
O
citado causídico disse que “Em Campina
Grande, o juiz nos deu a oportunidade de demonstrar o que estamos fazendo para
proteger os animais. Ao conhecer nossos argumentos, entendeu que realizávamos
uma vaquejada dentro dos princípios de respeito aos animais adotados nos dias
atuais”.
Os
casos de lesões e danos em animais continuam sendo irreparáveis, conforme
atestam os laudos técnicos de especialistas no assunto, fato que contradiz a
defesa do mencionado advogado.
A
promotora de Serrinha (BA) disse que “A
decisão (do Supremo) é conclusiva no
sentido de que a prática de vaquejada configura crime ambiental de maus-tratos
a animais, alcançando todos os Estados”. Ela disse que já constatou o “desenluvamento de cauda” de boi.
Na
cidade de Serrinha, de 82 mil habitantes, as vaquejadas vêm ocorrendo há 46 anos
e são o motor da economia local, segundo afirmação de seu prefeito, que disse:
“mais de mil casas são alugadas” e “hotéis daqui e de cidades próximas ficam
cheios” durante o evento. E concluiu: “Se
acabar (a vaquejada), será um grande
prejuízo para o povo do Nordeste.”.
Não
se pode negar que as vaquejadas são eventos tradicionais do Nordeste, de cunho
cultural de suma importância, com enorme aceitação e penetração, em especial,
no âmbito da população sertaneja, e são também motivo de orgulho para os seus
organizadores, ante o destaque proporcionado por sua participação nos festejos,
em que pese o enorme sacrifício para os animais neles envolvidos, chegando à
mutilação de órgãos e até mesmo à morte de alguns animais.
Trata-se,
indiscutivelmente, de gigantesca crueldade praticada contra animais, em
especial da raça bovina, que são usados para a satisfação do bicho-homem, que
apenas se beneficia do sucesso alcançado em cada evento, sendo sempre
estimulado à realização de mais atividades do gênero, sem olvidar-se que há, na
verdade, o fortíssimo sentimento da busca alucinada não somente da diversão,
porque isto faz parte do jogo, mas sim, especialmente, da fácil realização
econômica, do lucro faturado com o sacrifício de animais indefesos e
desprotegidos pelas pessoas e, em especial, pelos órgãos federais incumbidos de
proteger e defender a integridade dos animais.
É
induvidoso que a defesa das vaquejadas se insere em um capítulo triste e
lamentável ínsito do Homo sapiens, que não se sensibiliza com o sacrifício de
ninguém, quando há o envolvimento de seus interesses, como se verifica no caso
em comento, em que prefeitos, políticos e dirigentes de organizações afins
defendem a continuidade dos eventos, mas certamente com o pensamento na perda
do faturamento da comercialização que os envolve, ou seja, da atividade
econômica, cujos lucros são auferidos com o sacrifício de animais, sem os quais
não há festa.
No
passado, poder-se-ia até considerar normal que atividades dessa natureza
existissem, em razão própria do atraso científico e tecnológico, em que não
havia alternativa para suprir forma de diversão como a vaquejada, mas, agora,
em pleno século XXI, quando o homem alcançou outros mundos, com a descoberta e a
exploração do espaço sideral e foi capaz de revolucionar as ciências, não se
justifica mais, por qualquer argumento que seja, a realização de eventos de
pura irracionalidade, brutalidade e crueldade, tendo o bicho-homem como
principal mentor e executor, sobressaindo o ânimo exclusivamente econômico, à
vista da certeza do lucro, sob o desprezo da integridade física de animais.
Certamente
que, na possibilidade da transferência do sofrimento físico dos animais para os
executores das vaquejadas, o bicho-homem ainda assim continuaria defendendo
suas selvagerias como forma de diversão humana? Possivelmente que não, porque
ele tem o sentimento e a sensibilidade para sentir na pele quando a dor
acontece e não tem lucro algum que o faça defensor de atos desumanos e
irracionais quando ele é atingido diretamente.
A
importante decisão do Supremo sobre o término das vaquejadas no estado do Ceará
foi levada em conta que há “crueldade”
nesses eventos e que a proteção do meio ambiente sobrepõe-se aos valores
culturais, mas nem por isso o homem tem a dignidade de ponderar que isso
representa maus-tratos contra animais, dando a entender que o baixíssimo nível
de insensibilidade humana é incapaz de perceber que os brutos também sofrem e
precisam que seus direitos de integridade física sejam respeitados, do mesmo
modo que o homem se torna brutalizado quando é espezinhado e maltratado.
O
bicho-homem precisa se conscientizar de que a dor da mutilação não martiriza
somente o ser humano, mas também os animais irracionais, que não podem ser
sacrificados com a leniência das autoridades públicas, que precisam ser
urgentemente responsabilizadas por sua injustificável omissão, diante da
maldade e da crueldade contra os animais indefesos, que são explorados em nome
da ganância econômica do homem, conforme mostram os relatos da reportagem. Acorda,
Brasil!
ANTONIO
ADALMIR FERNANDES
Brasília,
em 05 de novembro de 2016
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