O presidente da República disse não achar "nada
de mais" que autoridade do Poder Executivo conceda carona em aeronave
da Força Aérea Brasileira, durante viagem oficial.
Em maio, como revelou o jornal Folha de S.Paulo,
a mulher do ministro das Relações Exteriores pegou carona para passar férias em Paris, na
França, onde o chanceler participou de encontro da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A aludida senhora, que foi e voltou, de carona, na
aeronave oficial, tendo ficado em Paris como turista, obviamente sem pagar
passagem e compartilhando o quarto com o marido, cuja hospedagem foi custeada
pelo governo, em se tratando que o esposo dela estava em missão oficial.
O presidente brasileiro disse que "Se um
avião presidencial nosso vai para algum lugar a serviço, não vejo nada demais
levar alguém no avião. Não vejo nada demais nisso aí. Agora, se está errado, se
tiver alguma norma dizendo o contrário, eu vou conversar com ele".
A propósito, bem próximo de assumir o Palácio do
Planalto, o presidente brasileiro distribuiu à sua equipe de governo manual
oficial, contendo normas e procedimentos éticos, que parece medida apenas com finalidade
proforma, ou seja, sem necessidade da sua observância, diante das suas
explicações levianas, com a indução da sua dispensabilidade.
No capítulo sobre voos oficiais, o documento
estabelece que somente “o ministro e a equipe que o acompanha no compromisso
podem utilizar as aeronaves.”.
O presidente lembrou que, em julho, helicóptero da
Presidência da República foi autorizado por ele a transportar seus parentes,
como irmãos, primos e sobrinhos, para o casamento de seu filho, que é deputado
federal, realizado no Rio de Janeiro.
Na tentativa de justificar o injustificável, o
presidente afirmou que "É a mesma coisa quando uma irmã minha, um
primo, uns três ou quatro entraram em um helicóptero no Rio de Janeiro. Eu
estava indo a um casamento e o helicóptero estava vazio. Eu apanhei para
caramba de vocês e o gasto ia ser feito".
O presidente disse ainda que, de vez em quando, dá
caronas no avião presidencial e ressaltou que "Você sabe o que é o
prazer de uma pessoa humilde, pobre, entrar em um helicóptero presidencial? Eu
tenho levado de vez em quando pessoas em carona no avião".
O Decreto nº 4.244/2002, que dispõe sobre os voos
da FAB, permite o uso da frota "somente para o transporte de
vice-presidente, ministros do Estado, chefes dos três Poderes e das Forças
Armadas, salvo nos casos em que há autorização especial do ministro da Defesa.”,
ou seja, a norma não autoriza expressamente o embarque de pessoas que
não ocupem cargo ou função pública.
O ministro do Itamaraty e a esposa ficaram hospedados
no Hotel Bedford, localizado no centro histórico de Paris, a menos de três
quilômetros da avenida mais famosa da cidade, a Champs-Élysées, cujo tradicional
hotel é conhecido por ter abrigado o imperador brasileiro Pedro 2º e o maestro
e compositor Heitor Villa-Lobos.
Segundo o site do aludido hotel, as diárias variam
de 160 euros (R$ 734) a 490 euros (R$ 2.250) mais taxas, que mudam de acordo
com o número de ocupantes.
A assessoria de imprensa do Itamaraty confirma que
a mulher do ministro foi para a França de férias, tendo se hospedado com o
marido, mas disse que os custos de alimentação foram bancados por ela.
O presidente do Brasil, no caso, não tem que
conversar com ninguém sobre o assunto, porque existem normas claras e objetivas
regulamentando a matéria, bastando tão somente que ele a cumpra e faça seus
assessores cumpri-las também, diante da sua plena vigência.
O presidente do país precisa se dignar a acatar a
norma em vigor, que estabelece, de forma clara, objetiva e indiscutível, que somente
as autoridades instituídas e nomeadas na norma podem fazer uso de aeronaves
oficiais, não cabendo a elasticidade de intepretação do tipo “acho” que pode,
porque isso simplesmente fere o sentido do espírito da regra, que precisa ser
observada com o devido rigor, sob pena de virar a República da esculhambação,
por se “achar” que tudo pode, mesmo havendo proibição normativa em plena
vigência.
O princípio moral da norma somente tem validade
quando ele é acatado, respeitado, observado, sob pena de virar bagunça e a regra
se tornar inócua, em estado de depravação que termina se estendendo para tudo
que acontece no governo, quando todo procedimento que tiver norma cogente possa
a ser também interpretado ao bel-prazer das autoridades da República, porquanto
é somente “achar” que pode ser diferente, mesmo estando escrito que tem que
funcionar segundo a regra, que, de repente, deixa de ter validade, diante do
entendimento da autoridade de plantão, à vista da necessidade do atendimento da
conveniência, quando se aplica, no caso, o vergonhoso jeitinho brasileiro de achar
normal desvio de conduta, inclusive partindo de quem precisa ser inflexível e
modelar na aplicação da lei.
Na verdade, tudo precisa funcionar com a rigidez da
República, evidentemente sob a égide das normas devidamente estabelecidas e
ponto final, mas, o que se vê é a supremacia da vontade da autoridade ditatorial,
que entende não ser preciso a observância da regra escrita, ficando entendido
que se “acha” que pode ser diferente, na forma escrachada e promíscua própria da
casa da mãe Joana.
Ou seja, mesmo tendo norma cogente, não precisa que
ela seja observada, mesmo porque o custo, as despesas vão para as contas dos
otários republicanos, i.e., os calejados contribuintes que já se conformaram
com a tristeza da desorganização da administração pública ineficiente e
irresponsável.
Ao defender interpretação diferente do que se
encontra escrito, o presidente do país põe em conflito a obrigatoriedade ou não
da norma e isso caracteriza péssimo exemplo, muito ruim para a segurança
jurídica, porque a autoridade presidencial não pode ser instrumento para
questionar a validade da norma jurídica.
Impende lembrar que a sua autoridade pode rever a
regra vigente, para aperfeiçoá-la e modernizá-la, estabelecendo a melhor redação
que possa satisfazer e agradar os desideratos da moralidade e do interesse
público, mas jamais pôr em dúvida a validade dela, ultrajando a sua função
normativa.
O presidente do país precisa se conscientizar, com
a máxima urgência, de que ele, na qualidade de principal homem público do país,
precisa ser espelho dos brasileiros, inclusive se policiando para que seus atos
sejam exemplos de austeridade, ética, moralidade, dignidade, atitudes de decência
e correção, mesmo que isso possa ferir a sua índole, como nesse caso, quando que
ele tem o dever de ser o primeiro a garantir a aplicabilidade da norma vigente
sobre o uso de aeronaves oficiais, não permitindo interpretação diferente sobre
o que está escrito, sob pena de desmoralização e descrédito da parte da
autoridade que tem obrigação de observar, cumprir e fazer cumprir as normas
jurídicas brasileira, na forma do seu compromisso de posse, perante a nação.
Brasil: apenas o ame!
Brasília, em 6 de setembro de 2019
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