quinta-feira, 21 de maio de 2020

A desaprovação da Cloroquina?


Diante da crônica intitulada “O estudo científico brasileiro”, versando sobre a desaprovação do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina, por três importantes entidades científicas representativas de classes médicas, tendo por base estudos realizados em hospitais brasileiros, um dos maiores defensores brasileiros desse remédio contra o Covid-19 se manifestou nestes termos: “Fácil de explicar a ausência de estudos acadêmicos randomizados sobre a Hidroxicloroquina: 1) Seus efeitos benéficos ou colaterais são conhecidos há décadas; 2) Custa pouco e não possui patente. Pode ser produzida livremente. 3) o mais importante: quem financiaria esses estudos sem retorno financeiro? No Brasil, a mais severa contra indicação para seu uso, é ter que concordar com Bolsonaro. As mortes de muitos são apenas notícias e estatísticas.”.
Em resposta ao aludido comentário, eu digo que o raciocínio ali exposto pode ter alguma pertinência acerca dos fatos referentes ao combate do coronavírus, que são consistentes com os tratamentos, remédios etc., mas as ações do governo carecem, urgentemente, passar pelo crivo da transparência, que é algo absolutamente inexistente, quando ela deveria vir na frente de tudo, à vista da reação avassaladora de profissionais da área da medicina, em  especial por parte de infectologistas, que convivem diretamente com pacientes infectados com vírus, conforme se aborda mais adiante.
Para se ter ideia, hoje mesmo o governo liberou geral o uso da cloroquina, mas com importante porém que me deixou bastante estarrecido, qual foi a sinalização de regra escrita, por meio dela condiciona a autorização do uso do remédio somente se o paciente assinar termo concordando e isentando o médico de responsabilidades, dando a entender, mais claro impossível, que há algo de risco, de complicador no tratamento, o que é muto grave, em termos de tratamento médico, embora não haja alternativa.
Certamente que, nas piores republiquetas, os tratamentos são administrados absolutamente sob a orientação das normas cientificamente aprovadas pelo conjunto da classe médica, em que as orientações são estabelecidas com base em estudos e experiências de conduta médica.
Há outros países que fogem a essa saudável e fundamental regra, dando a entender que tem algo estranho ou errado que não pode ser revelado, talvez a existência de algum entrave que divirja da normalidade e isso foge dos princípios da pureza perseguida pela civilidade da medicina moderna.
Em termos de competência gerencial, todo procedimento que envolva o tratamento da saúde do ser humano precisa haver licitude, transparência e respeito aos princípios éticos.
No caso específico do combate ao coronavírus, não se tem conhecimento de norma alguma produzida pelo governo brasileiro, no caso o Ministério da Saúde, mostrando, de maneira clara como estão sendo conduzidas as questões pertinentes à pandemia, justamente como forma primária de se mostrar à sociedade, repita-se, de forma transparente, como a equipe do governo vem trabalhando, de modo a transmitir transparência e segurança para a população.
A propósito da liberação do uso dos remédios em apreço, algumas entidades e profissionais se manifestaram em contrariedade à medida adotada pelo governo, conforme os textos transcritos a seguir, que foram publicados na imprensa escrita.
A Organização Mundial da Saúde disse que "Nem a cloroquina nem a hidroxicloroquina têm sido efetivas no tratamento da Covid-19 ou nas profilaxias contra a infecção pela doença. (...) Nós temos agora ensaios (clínicos - pesquisas) do Solidarity (iniciativa internacional em busca de tratamentos para a Covid-19) em vários países, nos quais a cloroquina e a hidroxicloroquina estão incluídas. Como OMS, nós recomendamos que, pra a Covid-19, essas drogas sejam reservadas para uso dentro desses ensaios.”, ou seja, com descarte do uso deles em tratamento médico-hospitalar.
Uma bióloga formada pela Universidade de São Paulo, PhD com pós-graduação em Microbiologia, afirmou que "Esta é uma situação absurda. A gente tem inúmeros trabalhos mostrando que a hidroxicloroquina não é eficiente no tratamento em nenhuma etapa da Covid-19. Essa mudança de protocolo vai trazer um uso precoce do medicamento sem nenhuma fundamentação científica. Nós temos trabalhos em modelo animal, e é assim que se testa um medicamento. Devido ao hype e à pressão da população pela droga, as pessoas começaram a testar em humanos, e foi passada uma impressão errada de que o medicamento pudesse funcionar. Primeiro testaram em células, células genéricas, uma linhagem fácil de manipular em laboratório, e funcionou a cloroquina, mas isso não quer dizer que funcionaria em outras células e em animais. E foi exatamente isso que os outros testes mostraram: que não funciona. Você passa a testar em animais e a hidroxicloroquina não funciona. Inclusive, quando passa a ser usada em animais ela aumentou a replicação (do coronavírus). Também testaram em células-alvo, células do trato respiratório, e também não funcionou. Foi testado em macacos, camundongos, em todos os estágios da doença. Não foi capaz de reduzir a carga viral".
Um especialista da sociedade Brasileira de Infectologia, em São Paulo, disse que "Logo no começo do documento tem um 'considerando que não tem evidência científica para o tratamento específico da cloroquina'. Esse 'considerando que não tem evidência científica' já mostra que não tem sentido nenhum usar nenhum tipo de medicação. Ele é um documento político. Só para dizer que tem um protocolo. E coloca bem claro que fica a critério do médico e do paciente decidir. É basicamente um documento político que não acrescenta em nada".
Uma infectologista do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, esclareceu que, "Do ponto de vista da ciência, esse documento não muda nada, na minha opinião. A prescrição médica continua sendo a opinião do médico e, de preferência, baseado em dados científicos em que se leve em conta todos os aspectos, como eficácia, segurança e momento da doença. Esse documento, do ponto de vista prático, não muda nada na minha conduta pessoal.".
Outro infectologista do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, ressaltou que "Todo médico segue ou deveria seguir os estudos científicos na hora de dar um medicamento. Esses estudos mostram que usar ou não a cloroquina, neste momento, não tem respaldo científico. Foram feitos vários trabalhos de pesquisa em várias partes do mundo e nenhum trouxe resultado promissor. Como medicações podem causar efeitos colaterais, há um risco no uso deste medicamento.".
Um infectologista da Sociedade Brasileira de Infectologia declarou que "A adoção da cloroquina é uma decisão política tomada por pessoas que não são médicas. Sou médico desde a época em que surgiram as primeiras infecções por HIV e naquele momento muitas pessoas falavam o que vinha à cabeça. Usavam um medicamento que deu certo em um paciente e já achavam que daria certo para todos. Mas quem está lidando com os pacientes de Covid-19 sabe que tem pessoas que vão muito bem contra a doença e outras que vão muito mal, independente do medicamento. Atribuir (a cura da Covid-19) a uma droga tão antiga, cujo mecanismo de ação e efeito biológico são tão diferentes, não tem o menor sentido.".
Mais um infectologista do Hospital das Clínicas “A gente tem um país muito heterogêneo. Então, abre a possibilidade de os profissionais médicos usarem, apesar de a gente falar inúmeras vezes da falta de evidências, mas abre a possibilidade de uma expansão do uso da medicação, mesmo com todos os poréns já colocados. Quando saíram os primeiros estudos houve muito furor, mas à medida que ampliamos os estudos, no contexto da ausência de evidências, a gente passa a olhar com muita cautela para essas medidas (do governo federal)".
Outra autoridade na infectologia da Fiocruz informou que "O que vai acontecer é que muitos médicos vão prescrever indiscriminadamente, não vão se atentar à nota publicada no protocolo do Ministério da Saúde ou à recomendação do CFM para usar em casos confirmados, e depois que o paciente tiver um problema associado ao medicamento, o médico poderá ser responsabilizado legalmente porque não está de acordo com o CFM, nem com o protocolo do Ministério da Saúde. Não é uma droga para ser usada na suspeita de um caso, nem pela população. Minha preocupação maior é que esta droga não tem evidências científicas e há literatura que inclusive condena o uso.".
Alguns representantes do Conselho Federal de Medicina, em reunião com presidente brasileiro, deixaram patente que “o CFM não recomenda o uso da hidroxicloroquina  para pacientes em tratamento de Covid-19.”.
O CRM afirmou ainda que “decidiu liberar os médicos a receitarem o remédio em três casos específicos (...), com o devido acompanhamento em hospitais.
Um grupo de médicos e cientistas do Rio de Janeiro divulgou nota sobre o novo protocolo da cloroquina/hidroxicloroquina, para o tratamento da Covid-19, tendo afirmado que, “com base em 71 estudos ou artigos publicados renomados institutos e cientistas do mundo, não há evidências científicas favoráveis que sustentem o uso do medicamento.” e que “que há estudos que demonstram que o uso de cloroquina para o tratamento de Covid-19 pode estar associado à maior frequência de eventos adversos graves e com maior letalidade. Para os pesquisadores, o uso do medicamento deve ser restrito a protocolos de pesquisa aprovados por comitês de ética em pesquisa. Outra conclusão é a de que a prescrição de um tratamento sem comprovação científica de eficácia, mas com demonstração de risco de efeitos colaterais graves, poderá fazer com que o prescritor incorra em dano a preceitos legais ou éticos.”.
Ao que tudo indica, o governo não pretende assumir qualquer responsabilidade em caso do insucesso das medidas de que trata o protocolo em apreço e muito mens de se comprometer em buscar alternativa, dando a entender que esse documento, por si só, já satisfaz e garante o sossego da população, mas, à vista dos pronunciamentos transcritos acima, o caso não é tão pacífico assim, da complexidade que envolve a aplicação das drogas de que se tratam.
A verdade é que só se viram manifestações especializadas em sentido contrário aos planos do governo e, pasmem, nenhuma, isso mesmo, absolutamente nenhuma voz de médico nem instituição de representação de classe médica se levantou em pronunciando em socorro à implantação do protocolo em apreço, diferentemente do que muitos se apresentam nas redes sociais, que mostram os benefícios dos questionados remédios.
Isso bem demonstra que, nesse caso, o presidente do país se encontra realmente abandonado, com ou sem razão, o que confirma, com clareza, a completa falta de transparência e competência para tratar de assunto extremamente importante para a sociedade, no caso específico da saúde pública, que não pode ser resolvido de maneira unilateral e em dissonância do apoio de quem o domina, por força dos conhecimentos e das experiencias profissionais, que são de vital importância neste momento bastante difícil.
Convém que a sociedade tenha acesso às informações esclarecedoras por parte dos profissionais e entidades ligadas às áreas médicas e de saúde e também se esforce em acreditar neles, como forma de se inteirar sobre os fatos que não são do interesse do governo em torná-los transparentes, notadamente de que não há ninguém, nada em defesa de seu protocolo, que não passa de verdadeiro documento com viés político, absolutamente desapadrinhado da importante classe médica brasileira, no sentido de defendê-lo em público.
Quero deixar muito claro, em definitivo, que meu objetivo é apenas esclarecer os fatos e, principalmente, que não estou contra nem a favor senão da maneira correta de se agir, tanto da parte do governo como de quem quer que seja, porque é preciso que os procedimentos sejam feitos às claras e de forma objetiva, não deixando dúvidas quanto à maneira correta e precisa para se atingirem os objetivos colimados.
No presente caso, não tem a menor dúvida de que governo competente, eficiente e responsável, comprometido com a transparência, a correção e a integridade da gestão administrativa, jamais adotaria protocolo nessas condições em que os questionamentos sobre as suas normas são praticamente insolúveis e preocupantes, sob o prisma da Ciência da Medicina, que o põe em cheque, em que pese a saúde pública esteja mergulhada na pior crise da sua história, razão maior de se gerenciá-la com o sublime espírito de sensatez e perfeição quanto às medidas necessárias à superação das dificuldades, com vistas ao melhor atendimento do interesse público.
Nesse contexto, refiro-me aos estudos, por parte do governo, referidos em textos anteriores, nos quais foi aventada a necessidade da composição de comissão específica para se estudar as medidas de combate à pandemia do coronavírus, inclusive o protocolo médico implantado oficialmente hoje, sem o indispensável consenso por parte de profissionais da área médica, fato que contribui para amenizar a sua importância como instrumento de tratamento dos doentes de Covid-19.   
Enfim, os brasileiros esperam, por acreditarem na generosidade de Deus, que os segmentos de opinião contrária ao protocolo implantado pelo governo federal sejam vencidos pelas força e competência das pessoas que trabalham nos hospitais, porque elas estão operando verdadeiros milagres na batalha imorredoura, salvando vidas e lutando para a superação das dificuldades próprias do seu importantíssimo ofício.
Brasília, em 20 de maio de 2020

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