O presidente da República declarou, em transmissão
por rede social, ontem, que não é o caso de tornar público o conteúdo completo
do vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, porque, na sua avaliação,
isso poderia resultar "constrangimento", sem dizer para quem.
A expectativa é a de que o ministro-relator do inquérito
em curso no Supremo Tribunal Federal decida, a qualquer momento, se divulga, na
íntegra ou parcialmente, a gravação da reunião na qual, segundo o ex-ministro
da Justiça, o presidente do país fez, diretamente a ele, cobrança sobre a troca
na Superintendência da Polícia Federal, no Rio de Janeiro, sob a ameaça de
demiti-lo.
O
vídeo é considerado como uma das principais provas para sustentar a acusação
feita pelo ex-ministro, no sentido de que o presidente tentou interferir no
comando daquela corporação, objeto da investigado em inquérito que tramita no
Supremo.
A
propósito desse caso, o presidente brasileiro afirmou o seguinte: "Vão
perder amanhã. Estou adiantando a decisão do ministro Celso de Mello. Não tem
nada, nenhum indício, de que porventura eu interferi na Polícia Federal
naquelas duas horas de fita. Mas eu só peço, não divulguem a fita toda".
O
presidente do país disse ainda que “há questões reservadas tratadas no
encontro e que deveriam não ser divulgadas, além de mencionar que houve ‘palavrões’.
Tudo que eu falei pode ser divulgado, exceto duas pequenas passagens, de 15
segundos cada uma, que a gente fala de política internacional e uma coisa, no
meu entender, de segurança nacional e, obviamente, o que os ministros falaram,
como não tem nada a ver com o inquérito, que não tornasse público, porque é um
constrangimento... ficamos na informalidade, você brinca um com o outro, sai um
palavrão... não é o caso de tornar público isso".
O
presidente afirmou que “vai cumprir a decisão do ministro do Supremo, mas
reforçou novamente que não haveria elementos na gravação para sustentar o que
disse Moro.”.
Nesse caso, é possível que o constrangimento
referido pelo presidente do país poderia ser tanto para ele e seu ministério como
para a sociedade, porque esse verbete significa pudor por parte de quem foi
violentado ou desrespeitado ou ainda exposto à situação indesejável ou imprópria,
de modo a causar vergonha.
É absolutamente inadmissível que governo civilizado,
sério e responsável, em termos dos princípios da decência e da moralidade, possa
vir a se constranger com o que é feito em reunião da sua equipe, que, em princípio,
deve ser realizada para tratar de assuntos exclusivamente de interesse nacional,
podendo envolver assuntos de abrangência internacional, como foi o caso, não se
permitindo que sejam discutidos temas capazes de se vislumbrar constrangimento,
como insinuado claramente pelo presidente do país.
A verdade é que o presidente se apavora de medo que
o vídeo em causa possa ser divulgado e, assim, dando a entender a revelação de
que muitos assuntos tratados não passam de baixarias, acusações, palavrões, ameaças
e outras situações que destoam da seriedade e da dignidade do que deveria ser
tratado em reunião simplesmente do maior nível do Brasil, em termos da gestão
pública, que não pode ser tratada sob sigilo.
É triste que o principal representante da República
chegue ao ponto de correr com medo da verdade, sob a alegação, pior ainda, de
constrangimento, na expectativa da divulgação do vídeo que sintetiza o que foi
tratado na reunião certamente tumultuada entre o mandatário do país e seus
principais assessores, justamente porque ele próprio reconhece que os assuntos
tratados não são dignos dos interesses nacionais, tanto é verdade que, do
contrário, não haveria o mínimo medo que ele fosse aberto normalmente ao público,
sem medo de constranger à sociedade.
É
imperioso que as autoridades públicas brasileiras, ligadas ao Executivo, se
conscientizem de que não passa de perda do precioso tempo ficar discutindo
assuntos próprios de associação de bairro, como se fosse em botequim, cujos
assuntos são classificados como preferíveis ao sigilo, com receio de
constrangimento e em dissonância com o princípio republicano da transparência,
que impõe à administração pública a divulgação de seus atos, salvo, por óbvio,
quando eles sejam considerados de segurança nacional, quando assim eles precisam,
de maneira estratégica, ser classificados, o que não é o caso dessa reunião,
meramente administrativa normal.
Convém que o salutar
princípio da transparência seja engrandecido e prestigiado pelo ministro da
Excelsa Corte de Justiça, para mostrar que, ao contrário do procedimento digno
e ético, a reunião dos principais integrantes do Executivo é capaz de causar
constrangimento, com a divulgação do vídeo em apreço, a qual também terá o
condão de exemplo pedagógico, no sentido de sinalizar de que as reuniões no
Palácio do Planalto sejam feitas exclusivamente para a discussão de assuntos
vinculados ao interesse nacional, com a seriedade e a moralidade cujos resultados
possam ser divulgados normalmente sem constrangimento.
Enfim, o governo com comportamento que sinaliza constrangimento,
por parte dele ou da sociedade, em razão da mera divulgação de vídeo de sua
reunião, indica, no mínimo, falta de compostura pública e pode causar susto à
nação, em razão do comportamento do presidente da República, que conduz as reuniões
sob ritmo distanciado da dignidade que se espera dos encontros que, em princípio,
sejam para tratar de assuntos de interesses nacionais, em alto nível de
seriedade, civilidade e responsabilidade para com a coisa pública.
Ressalvados os casos de segurança nacional, assim classificados
por lei, os demais casos tratados e discutidos no âmbito da administração pública
devem ser do conhecimento e do domínio público, porque isso atende aos
princípios próprios de governos democráticos modernos, em harmonia com a
transparência dos seus atos, que precisam ser mostrados à sociedade, posto que
a síntese da gestão pública tem a ver com a boa e regular aplicação do dinheiro
dos contribuintes.
Os resultados dessas reuniões deveriam ser
mostrados aos brasileiros, de moto próprio pelo governo, de forma prazerosa, como
normal prestação de contas sobre a regularidade, a licitude e a pureza dos atos
presidenciais, à luz do princípio constitucional da transparência, como fazem
as Repúblicas sérias e evoluídas, em termos democráticos.
Brasília,
em 22 de maio de 2020
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