O fato é que o presidente brasileiro poderia ter determinado
ao ministro Justiça que tratasse de arrumar um diretor-geral da Polícia Federal
com quem ele pudesse se comunicar, pessoa que lhe permitisse livre acesso às
informações confidenciais do órgão.
O presidente pretendia que aquele órgão fosse chefiado
por pessoa da sua confiança, que lhe obedecesse, nos moldes do que já acontece
com relação aos demais órgãos federais, como a Agência Brasileira de Informações
– ABIN, que faz repasse de informações para ele, em ambiente que o presidente acredita
que tem poder absoluto para intervir e saber sobre os trabalhos da administração
pública, mesmo aqueles fatos considerados sigilosos, como a maioria que são
produzidos na Polícia Federal, normalmente relacionados com investigações sobre
casos tratando de possíveis irregularidades, que são classificados, na sua
maioria, como confidenciais, em razão do envolvimento de políticos,
empresários, executivos, banqueiros e outras pessoas de nível superior e de
influência.
Ocorre que o então ministro bateu o pé e disse que não
aceitava a indevida intromissão no órgão vinculado à pasta comandada por ele, porque
isso é considerado quebra da garantia feita pelo presidente, na forma de carta
branca, e se exonera do cargo, mas sem antes dizer que concorda com a mudança
na direção daquele órgão, desde que seja por outra pessoa com qualificação técnica.
O mandatário, porém, pretende colocar a pessoa carimbada,
escolhida a dedo, cuidadosamente para fazer o papel desenhado para cumprir a
missão planejada e concebida pelo presidente, para ele ter acesso a relatórios confidenciais
produzidos pela Polícia Federal.
Como não houve aceitação por parte do ministro, o
presidente, de moto próprio, promove, na marra, na alta hora da noite, a mudança
na direção da Policia Federal, sem precisar comunicar o fato ao seu assessor
direto, exatamente na maneira como ele queria, sem dar a menor satisfação a
ninguém, porque ele é o poder absoluta e pronto, a despeito da carta branca,
que significa que o presidente não pode mexer em nada, enquanto permanecer em
vigência aquele importante trato.
Induvidosamente trata-se de estapafúrdia manobra
presidencial, evidentemente à luz da interpretação sob o prima do bom senso e da
racionalidade, ao colocar na chefia da Polícia Federal, órgão superior de
Estado, que presta serviços da maior relevância de interesse nacional, pessoa
escolhida, indiscutivelmente, pelo critério muito mais pela grande amizade e
confiança, com quem ele poderia tratar de assuntos do interesse pessoal que
jamais seria possível na gestão anterior, que certamente entendia que os
assuntos confidenciais devem ser tratados exatamente pela maneira do sigilo que
estava sendo adotada, na forma como recomendada pela praxe, para a preservação da
confiabilidade e da credibilidade do trabalho realizado pelo órgão.
Ademais, causa espécie a insistência na mudança da
direção da Polícia Federal, quando ele vinha funcionando, sob o comando
anterior, em absoluta normalidade, em clima de produtividade em padrão de excelência
no atendimento das suas funções institucionais, em completo atendimento do
interesse público, sem que houvesse qualquer fato, exposto à opinião pública, a
exigir a brusca e desesperada mudança de comando do órgão, que seria considerada
normal se realmente houvesse algo anormal, irregular, o que implicaria a necessária
apuração dos fatos pertinentes, com vistas à atribuição de responsabilidades.
Fato curioso é que muitas pessoas inteligentes preferem
ignorar o absurdo abuso de autoridade exposto nesse caso, em que sobressai o
incontido desejo do presidente de bisbilhotar o que se passa na intimidade da Polícia Federal, que seria possível com o comando
da sua direção por pessoa da afinidade e estreita confiança dele, a despeito de
não haver nada, em termos de interesse público, que justifique a mudança na direção
desse órgão.
Outro fato bastante estranho é a alegação de que os
poderes são independentes e harmônicos, dando a entender que erro praticado por
outro poder não poderia ser julgado pelo órgão competente, mesmo porque isso não impede que o ato do
poder Executivo seja questionado na Justiça, que tem exatamente a finalidade de
dizer sobre a legitimidade ou não sobre o ato impugnado, que se insere nas
atividades passíveis de controle da constitucionalidade.
Seria até contrassenso pensar diferentemente disso,
porque seria o corolário no sentido de que a independência dos poderes da República,
na compreensão de entendimento naquele sentido, levaria à conclusão de que
nenhum ato dos poderes Executivo e Legislativo poderia ser questionado no
Judiciário, o que seria demonstração da falência do direito aos recursos contra
os poderes da República, que passariam a ser considerados insuspeitos de erros.
À toda evidência, a questionada nomeação pode até
se adequar à legalidade, por que revestida da formalidade apropriada ao ato em
si, mas ela não se conforma, à toda evidência, com os princípios constitucionais
da impessoalidade, da moralidade e do interesse público, que são imprescindíveis
à sua insuspeitabilidade como ato perfeito e acabado, a despeito de que a
pessoa indicada tem vínculo de amizade tanto com o presidente como com um dos filhos
dele.
Na verdade, não é finalidade do poder Judiciário
dizer de que maneira nem como o poder Executivo deva preencher seus cargos,
porém ele tem competência sim de impedir que atos administrativos eivados de
impropriedades ou até mesmo de inconstitucionalidades, como no caso da nomeação
do diretor-geral da Polícia Federal, conforme os fatos descritos acima, se
concretizem, diante da insanabilidade do vício consistente na sua inconformidade
com os princípios da impessoalidade, moralidade e interesse público.
Os brasileiros precisam se conscientizar de que o
questionamento sobre os atos administrativos é forma absolutamente civilizada e
própria das nações desenvolvidas, que se esforçam para que seus atos públicos
sempre estejam em harmonia com os princípios republicano e democrático.
Brasília, em 3 de maio de 2020
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