domingo, 22 de agosto de 2021

Insensibilidade?

 

No momento em que o Brasil vem se derretendo na fervura causada pela altíssima temperatura atingida nos últimos dias, o presidente da República consegue colocar mais lenha nessa perigosa fogueira, tendo a infeliz iniciativa de pedir o impeachment de ministro do Supremo Tribunal Federal.

No pedido encaminhada ao Senado, o presidente do país afirma que o integrante da Suprema Corte teria cometido crime de responsabilidade ao adotar "medidas e decisões excepcionais", cometer "abusos" contra o presidente da República e coibir a “liberdade de expressão”, porque "Não se pode tolerar medidas e decisões excepcionais de um ministro do Supremo Tribunal Federal que, a pretexto de proteger o direito, vem ruindo com os pilares do Estado Democrático de Direito".

O presidente do país diz que "Observa-se na espécie cometimento de crime de responsabilidade pelo excelentíssimo senhor ministro Alexandre de Moraes, ao atuar como verdadeiro censor da liberdade de expressão ao interditar o debate de ideia e o respeito à diversidade".

O presidente do Senado Federal, a quem cabe dar ou não andamento ao processo, já adiantou que não identifica critérios que justifiquem a destituição do cargo do ministro do STF, tendo declarado que, "Sinceramente não antevejo fundamentos técnicos, jurídicos e políticos para impeachment do ministro do Supremo, como também não antevejo em relação a impeachment de presidente da República".

Ele ponderou no sentido de que o impeachment é instrumento "grave" e "excepcional", tendo lembrado que o país tem outros desafios a enfrentar, como a pandemia, a inflação, a pobreza e a fome, manifestando ainda seu desejo de retomar o diálogo entre os poderes, na esteira de forte crise institucional alimentada, em boa parte, pelo próprio presidente da República.

O presidente do Senado disse que mantém diálogo com o presidente do país, apesar da investida do chefe do Palácio do Planalto, aproveitando o ensejo para declarar que o Congresso dará “pronta e qualquer resposta a quem queira sacrificar a democracia brasileira”.

Ele afirmou que vai analisar os critérios técnicos e políticos para decidir sobre o pedido em causa “com firmeza e absoluto respeito à democracia. Não vamos nos render a nenhum tipo de investida que seja para desunir o Brasil. Nós vamos buscar convergir o País, contem comigo para essa união, e não para essa divisão.”.

Como não poderia ter sido diferente, o pedido de impeachment em apreço repercutiu de forma bastante negativa nos meios políticos e no seio da sociedade, em especial por se tratar de caso inusitado, que parte logo do mandatário do país, que precisa ser modelo de pacificação dos brasileiros e jamais tomar a iniciativa de sancionar autoridades da República, quando ele próprio tem mais de 130 pedidos de impeachment, fato que pode constituir tremenda aberração, em termos de isonomia constitucional, com a diferença de que ele é eleito pelo povo e o ministro do Supremo não.

O Supremo reagiu ao pedido de impeachment de seu ministro, tendo se manifestado em repúdio e salientado que o magistrado não pode ser acusado por suas decisões, deixando patente que existem as formas clássicas e regulares de contestações, que devem ocorrer nas vias próprias de recurso, observados os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

O Supremo também manifestou total confiança na independência e na imparcialidade do seu ministro.

Eis o teor da manifestação da corte: "O Supremo Tribunal Federal, neste momento em que as instituições brasileiras buscam meios para manter a higidez da democracia, repudia o ato do excelentíssimo senhor presidente da República, de oferecer denúncia contra um de seus integrantes por conta de decisões em inquérito chancelado pelo plenário da corte. O Estado Democrático de Direito não tolera que um magistrado seja acusado por suas decisões, uma vez que devem ser questionadas nas vias recursais próprias, obedecido o devido processo legal.".

À toda evidência, à primeira vista, não se vislumbra senão bastante fragilidade técnica na fundamentação do impeachment, partindo-se da alegação de que o ministro teria cometido crime de responsabilidade, por ter adotado “medidas e decisões excepcionais" e praticado "abusos" de a autoridade contra o presidente da República e coibir a “liberdade de expressão”, quando esses atos, conforme declaração do Supremo, foram convalidadas pelo plenário da corte, ou seja, nesse caso, a sanção pretendido precisaria ser para todos os ministros.

O presidente do país deixa evidente que seu pedido não passa de mais uma pela bufa, com a finalidade de se criar nova bandeira para a mobilização da sua militância, após ele ter sido fragorosamente derrotado, com relação ao seu projeto do voto impresso.

Os especialistas políticos entendem que essa guerra contra os ministros do Supremos não passa de tentativa de represália à atuação decisiva e rigorosa no combate às fake news deferidas por militantes do presidente, que afetam fortemente a democracia e o estado de direito.

O ato em discussão tem o condão de expor o verdadeiro sentimento de beligerância do presidente da República, que, ao contrário disso, deveria ser a primeira pessoa sensata, equilibrada e compreensiva para agir com a relevância da sua autoridade para a pacificação e a implantação definitiva da paz no seio das instituições da República e da sociedade.

Juridicamente falando, o pedido em tela não tem a menor consistência como peça a fundamentar ato criminoso por parte do ministro, em forma da caracterização do clássico crime de responsabilidade, que viesse a prejudicar a ordem jurídica ou interesses de quem quer que seja, cujos fatos ali apontados se encaixam perfeitamente em mero recurso dirigido ao Supremo, como documento costumeiro em tribunal, que tem a obrigação de examiná-lo, por força dos princípios constitucionais consagrados da ampla defesa e do contraditório, assegurados normalmente aos brasileiros.

Dessa maneira, o presidente da República precisa aprender, para o bem do Brasil, em termos de hábitos próprios dos princípios democrático e de civilidade, que decisão judicial se observa e se cumpre ou se impugna, por meio de recurso, devidamente fundamentado a mostrar a inconsistência dela, como é feito normalmente nas nações sérias e evoluídas, em termos político-democráticos.

É preciso que fique o registro de que o desvario sem igualdade do presidente da República só demonstra o seu extremo desamor ao Brasil e aos brasileiros, porque o pedido de impeachment em apreço é ato desesperado de quem somente só pensa no pior dos mundos, com a reafirmação do confronto e do combate, em guerra declarada ente autoridades da República, cujos reflexos são os piores possíveis para o destino do país.

Enfim, não existe amor maior ao Brasil do que se sacrificar por ele, inclusive em momento de crises, em que é preciso intensa reflexão sobre as consequências dos atos praticados pelas autoridades públicas, porque elas têm a responsabilidade e o dever de sopesar cada passo dado em função das suas atribuições funcionais, em especial tendo em conta a grandeza do Brasil, com desprezo das vaidades pessoais, a exemplo de metas políticas, diante da relevância do interesse público, que sempre tem prevalência aos demais.

Essa forma de procedimento é bastante prejudicial à convergência dos princípios democráticos, porquanto ele advém logo do presidente da República que contribui, de maneira efetiva e decisiva, para tensionar ainda mais as relações da diplomacia republicana.

 Esse fato pode ajudar na total dilaceração dos laços da unidade nacional, com possiblidade de se abrir largas vias para o atingimento da ingovernabilidade, tendo enorme reflexo na administração do país, na economia, na política e na sociedade, diante da instabilidade decretada pela insensibilidade político-administrativa do próprio presidente da República, que tem o dever institucional ser agir com o máximo de prudência, equilíbrio, serenidade, competência e responsabilidade, no âmbito da importância do cargo que exerce em nome do povo e da grandeza do Brasil.

Brasília, em 22 de agosto de 2021

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