quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Xeque-mate?

 

O presidente da República ameaçou, em evidente demonstração de desespero, reagir fora dos limites da Constituição ao comentar a decisão de um ministro do Supremo Tribunal Federal, de incluí-lo no inquérito das fake news, em acatamento ao pedido formulado pelo Tribunal Superior Eleitoral.

O presidente do país disse, ipsis litteris:Está dentro das quatro linhas da Constituição? Não está. Então o antídoto para isso também não é dentro das quatro linhas. Aqui ninguém é mais macho que ninguém”.

O chefe do Executivo se disse ainda ser “vítima de acusação gravíssima”, tendo afirmado que a investigação em curso no Supremo não tem “qualquer embasamento jurídico. O ministro Alexandre de Moraes me colocando no inquérito das fake news... Não fala fake news, não, fala inquérito da mentira, me acusando de mentiroso. Isso é uma acusação gravíssima, ainda mais em um inquérito que nasce sem qualquer embasamento jurídico. Ele abre, ele apura e ele pune?”.

O presidente do país aproveitou o ensejo para afirmar que “um inquérito sigiloso da Polícia Federal” mostra o acesso de hacker a sistemas do Tribunal Superior Eleitoral, que teria ocorrido entre abril e novembro de 2018.

Com base nesse inquérito, o presidente defendeu a abertura da “CPI da Fake News do Barroso”, em referência ao presidente do TSE.

Segundo o mandatário brasileiro, naquele ano, uma pessoa teria acessado o código de programação das urnas eletrônicas, assim como senhas de acesso de um ministro e de servidor da Corte.

Segundo o presidente do país, o agente teria oferecido o material ao blog TecMundo, em 2018.

Diante das denúncias feitas pelo presidente do país, o blog TecMundo esclarece, por meio da sua página na internet, que as aludidas informações teriam sido obtidas de servidor abandonado, o que tornaria os dados irrelevantes ou pouco valiosos até para estelionatários digitais.

A plataforma do mencionado blog mantém no ar correção sobre o material que havia sido publicado e destaca, em reforço, que “um grupo de criminosos digitais republicou um apanhado de dados antigos, possivelmente de 20 anos atrás, como se fossem resultado de um ataque recente ao TSE. Fontes do TecMundo conseguiram confirmar que existem registros de data e hora no pacote de dados divulgado neste domingo, remetendo ao período de 2001 até 2010.”.

Não obstante, com vista ao esclarecimento da verdade, o jornal O Estadão apurou a notícia em causa, tendo concluído que o inquérito em referência não investiga invasão em urna eletrônica, mas apenas tentativa de acesso ao sistema do TSE.

A propósito do inquérito em causa, vem circulando nas redes sociais vídeo cuja mensagem insinua a seguinte situação, in verbis:ACABOU!! Bolsonaro dá cheque-mate (sic) no TSE e STF – A fraude está provada... Bolsonaro durante live no Pingo nos is acaba de provar que hacker entrou no sistema do TSE e teve acesso ao código fonte. E o TSE ainda apagou os registros das...”.

Com a devida vênia, nesse caso, não existe xeque-mate coisa alguma, à vista do que consta do citado inquérito, pelo menos para as pessoas interessadas em pretenderem discutir e tratar esse importante tema no seu devido lugar, para que a verdade seja prevalecida, à luz dos princípios republicano e democrático.

O inquérito a que se refere a notícia acima, com certo triunfo divulgado por parte do presidente da República, investiga tão somente a invasão de hacker aos sistemas operacionais do próprio TSE, fato este que é normal e pode ocorrer em quaisquer empresas do governo ou privadas, em todo mundo, não somente naquele órgão, mas, a bem da verdade, não houve acesso às eleitorais e muito menos manipulação de resultados de votação.

Na realidade, a invasão que é tratada como se fosse “xeque-mate” ao TSE não investiga especificamente o sigilo das urnas eletrônicas, porque elas não foram hackeadas, na tentativa de possíveis fraudes, porque isso não teria ocorrido, por consequência de invasão diretamente no processamento da votação, com vistas à perpetração ilícita de se alterar o resultado do pleito eleitoral, o que vale dizer que não existe prova de absolutamente nada, com relação à possível devassidão de urnas.

Ou seja, nem precisa ser bom entendedor sobre artimanhas para se perceber que alguém se esforça e perde precioso tempo tentando ludibriar a boa vontade das pessoas sérias, na intenção de esticar a corda o máximo possível sobre matéria de altíssima relevância, mas que, à toda evidência, vem sendo conduzida de forma nem tanto assim, o que é pena, porque o povo merece respeito e precisa assim ser tratado.

Salta aos olhos, como são penoso e deplorável que o presidente da República brasileira tenha a ingênua capacidade para descer a esse nível mais rasteiro imaginado na qualidade da autoridade da sua relevância, para dignar-se ao patrocínio de notícia requentada e ainda mais produzida por meios ilícitos, sabendo-se que ela foi obtida por criminosos da internet, os conhecidos hackers,  na desvairada tentativa de justificar a incriminação do TSE, como se isso tivesse o condão de provar violação das urnas eletrônicas, com a consequente adulteração dos resultados da votação.

Em termos de competência e responsabilidade, nem precisaria ser presidente da República para a divulgação de notícia que envolve matéria de tamanha relevância sem que antes fossem checadas, em especial, a fidedignidade da origem, se seus autores merecem alguma credibilidade, como profissionais dignos de respeito quanto à segurança das informações auferidas, além da real vinculação dos fatos abordados com o objeto em discussão.

Causa dor o despreparo de autoridade da República no esforço para encontrar motivos para desmoralizar o sistema eleitoral, que nem deve ser tão seguro como tem sido defendido pela direção da Justiça Eleitoral, mas seria interessante que se encontrasse motivos plausíveis para justificarem a reforma pretendida, no âmbito da seriedade que realmente é necessária para viabilizá-la, por meio da competência, seriedade e responsabilidade, que são princípios substituídos pela intolerância, agressividade e críticas que somente dificultam a convergência de ações indispensáveis ao entendimento sobre a implementação de causa em benefício da credibilidade e da segurança do sistema eleitoral brasileiro.    

 

À toda evidência, a fragilidade das atitudes do presidente da República tem o condão de contribuir para a regressão dos princípios democrático e republicano, diante do indiscutível e patente sentimento do presidente do país contrário à defesa da convergência das ações demandadas pelas instituições do Estado, quanto à pacificação de entendimentos necessários à implementação da satisfatoriedade dos interesses maiores da sociedade.

As medidas adotadas pelo chefe do Executivo, objetivando o desejável aperfeiçoamento do uso das urnas eletrônicas, servem como o pior exemplo já operacionalizado na tentativa da sua implementação, à vista da escolha do caminho mais atabalhoado possível, tendo por prioridade o confronto travado entre autoridades da República e a medição do seu poder, com o uso de ingredientes os mais infantis imagináveis, com a indecência de fortes críticas à credibilidade das urnas, sem a existência de nenhuma prova de fraude, embora elas sejam terrivelmente fraudáveis, mas isso não tem validade jurídica alguma, além da incivilidade representada pelas agressões aos dirigentes da Justiça Eleitoral, dando a cristalina impressão de que está em jogo não a reforma absolutamente de coisa alguma, muito a eleitoral, mas sim a imposição da vaidade e da superioridade do poder, com notório prejuízo para o interesse dos brasileiros de boa vontade, que realmente anseiam pelo aperfeiçoamento dos serviços públicos prestados pelo Estado e, em especial, na confiabilidade e na segurança dos resultados da votação, ante muitas desconfianças apenas sobre fatos inexistentes.

É preciso que se entenda que agir fora das “quatro linhas”, como insinua o presidente do país, significa que ele está disposto a cometer perigosa arbitrariedade, vale dizer suicídio político, dando a entender que eventual erro praticado por outro poder justifica o Executivo incorrer em igual prática errática.

Isso só demonstra o nível da mentalidade de quem pensa assim, de forma absolutamente irracional, quando se delibera a se equiparar aos péssimos caminhos para a solução das crises, quando o desejável, em termos de sabedoria, competência e responsabilidade na condução da coisa pública, é agir com prudência, inteligência, sensibilidade e civilidade, diante da necessidade da valorização dos princípios republicano e democrático, onde não tem espaço senão para a pacificação de ideias e ações voltadas ao bem comum.    

Não há a menor dúvida de que o fundamento da estabilidade democrática começa com a credibilidade do sistema eleitoral, de modo a assegurar aos eleitores a certeza de que a escolha de seus representantes políticos seja o real reflexo da sua vontade manifestada nas urnas, mas isso somente é possível se houver o envolvimento dos brasileiros na defesa do sistema eleitoral saudável e resistente às fraudes.

A democracia saudável somente se concretiza por meio de eleições igualmente saudáveis, mediante a confirmação de seus resultados pelas partes envolvidas, inclusive e, em especial, da Justiça Eleitoral que precisa se posicionar como instituição garantidora da modernidade, em termos de respeitabilidade e credibilidade, permitindo que seus instrumentos operacionais se adequem a essa real vontade da sociedade.

Enfim, a ilação que pode ser feita, tendo por base a disposição manifestada no primeiro parágrafo desta crônica, é a de que o presidente da República prefere a aguerrida disputa, como forma irracional e irresponsável, para tratar da questão relacionada com a reforma do sistema de votação, quando seria muito mais saudável e inteligente o diálogo construtivo na busca dos mecanismos capazes de contribuir para a aprovação das ações político-administrativas pertinentes.       

          A verdade é que o atual sistema de votação eletrônico foi colocado na linha da discussão mais desconstrutiva possível, a ponto de o presidente da República ameaçar não ter eleição, em 2022, se não houver o voto impresso, dando a entender que as demais eleições já realizadas foram fraudadas, quando, na verdade e o que somente importa, é que os brasileiros anseiam por eleições regulares, deixando claro que as autoridades incumbidas desse mister precisam apenas deliberar pela sua normal implementação, por meio de medidas discutidas em ambiente de tolerância, competência, sensatez, maturidade e responsabilidade, de modo que seja satisfeito o interesse comum da sociedade.

Brasília, em 5 de agosto de 2021

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