terça-feira, 10 de agosto de 2021

O risco à potencialização da crise?

        Em momento de forte tensão entre o presidente da República e o Poder Judiciário, as Forças Armadas realizaram desfile militar inédito em frente ao Palácio do Planalto, nesta terça-feira, segundo informação da imprensa.

         O comboio militar contou com veículos blindados, armamentos e outros meios da Força de Fuzileiros da Esquadra, tendo passado em frente ao Palácio do Planalto, que fica na Praça dos Três Poderes, em Brasília, junto com o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal.

       Essa movimentação militar, em pleno dia útil, constituiu ato inédito, visto que desfile militar, com o uso de tanques, somente acontece anualmente na Esplanada dos Ministérios, exclusivamente por ocasião das celebrações do Feriado da Independência, em 7 de Setembro.
      A Marinha garantiu que a "entrega simbólica" do convite ao presidente do país "foi planejada antes da agenda para a votação da PEC 135/2019 no Plenário da Câmara dos Deputados, não possuindo relação com a mesma".
         Na oportunidade, foram entregues ao Presidente da República e ao Ministro da Defesa os convites para o comparecimento deles à Demonstração Operativa, que ocorrerá no dia 16 de agosto, conforme programado pela Marinha.
         Um estudioso das Forças Armadas e professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília disse, em relação ao aludido ato, que “não há precedente de iniciativa similar durante o período democrático brasileiro. Essas demonstrações são inéditas na nossa democracia. Em regimes ditatoriais, mais fechados, são comuns. Um absurdo total. Algo impensável na democracia, principalmente porque o risco (de ruptura democrática) a partir das declarações do próprio presidente está muito elevado".
      O general ex-ministro da Defesa disse que “a entrega do convite com presença de tanques é uma tentativa de demonstração de força do presidente ridícula, inócua e golpista que mostra, na verdade, como ele está acuado e enfraquecido.”.
       O desfile militar ocorre no mesmo dia em que a Câmara dos Deputados deve votar a proposta de emenda constitucional (PEC) que visa implementar o voto impresso nas eleições de 2022, principal bandeira defendida pelo presidente do país, na atualidade.
        Mesmo que o desfile militar em apreço não tenha por primordial objetivo a tentativa de o presidente do país querer demonstrar a sua força, respaldada pelas Forças Armadas, pressionar a Justiça Eleitoral e o Congresso Nacional, a própria dúvida sobre ela já se manifesta como sendo de extrema gravidade, porque é novo ingrediente que se associa às sistemáticas formulações golpistas dele e esse fato é preocupante para a normalidade democrática.
       Na verdade, o questionável desfile militar com tamanha escaramuça suscita possíveis dúvidas tanto quanto ao seu verdadeiro significado, em termos de demonstração de apoio ao presidente do país, tendo por base o verdadeiro papel das Forças Armadas, se elas pretendem também entrar do jogo referente ao processo eleitoral e à propriamente dita campanha já iniciada de fato, porquanto ela já se encontra em toque de caixa no país afora, com a reeleição consumindo dinheiro público, de maneira ilegal, tendo a participação do titular do Palácio do Planalto em atos políticos, à vista dos passeios de motocicleta com seus apoiadores, onde há discursos próprios de campanha eleitoral.
       Por sua vez, percebe-se que as Forças Armadas evidenciam cochilo quanto ao seu cumprimento referente à função constitucional de proteger as instituições democráticas, ao permitir que o presidente do país ataque os demais poderes da República, normalmente sem qualquer justificativa ou motivação para tanto, tendo ainda a liderança do ministro da Defesa, que fez recentes manifestações públicas em defesa do voto impresso, tendo criado atrito, com suas falas, entre parlamentares e isso não condiz com a missão institucionais do seu cargo.
Ressalte-se, a propósito, que uma das funções constitucionais das Forças Armadas é a da proteção das instituições democráticas e elas não estão zelando pela integralidade do seu papel nesse sentido, quando se verifica que o presidente do país vem se excedendo, até com mais veemência, em ataque à democracia, sempre contando com a generosidade do silêncio delas, ou até mesmo elas se colocando a favor dele e apoiando o comandante-em-chefe, à vista desse inaceitável desfile, que tem toda demonstração de afronta, quer queira ou não, aos poderes institucionalizados do Suprema e do Congresso e isso é da maior gravidade, à luz dos princípios democráticos.
         Nos últimos dias, o presidente do país elegeu o voto impresso como questão de vida ou morte no seu governo, tendo se tornado verdadeiro epicentro de gravíssima crise institucional entre o Palácio do Planalto e o Poder Judiciário, à vista de seus apimentados ataques diários à Justiça Eleitoral e a ministros do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo, em especial ao presidente do TSE.
        Como natural forma, o TSE e o Supremo reagiram, em claro revide, com a abertura de investigações contra o presidente do país, tendo por visível e potencial finalidade deixá-lo inelegível, por oito anos, o que o impediria de tentar a reeleição.
         Como não poderia ser diferente, estando se sentindo acuado diante das investigações, o presidente do país logo retrucou, aventando a possibilidade de usar medida inconstitucional, ao dizer que "Está dentro das quatro linhas da Constituição? Não está. Então o antídoto para isso também não é dentro das quatro linhas. Aqui ninguém é mais macho que ninguém. Sou presidente 24 horas por dia. O meu jogo é dentro das quatro linhas (da Constituição), mas se sair das quatro linhas, sou obrigado a sair das quatro linhas. É como o inquérito do Alexandre de Moraes: ele investiga, ele pune e ele prende. Se eu perder (as eleições) vou recorrer ao próprio TSE? Não tem cabimento isso".
       Diante disse, o presidente do Supremo afirmou que "O presidente da República tem reiterado ofensas e ataques de inverdades a integrantes desta Corte, em especial os ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. Sendo certo que, quando se atinge um dos integrantes, se atinge a Corte por inteiro. Além disso, sua excelência mantém a divulgação de interpretações equivocadas de decisões do plenário bem como insiste em colocar sob suspeição a higidez do processo eleitoral brasileiro", deixando muito claro o sentimento divergente entre o Executivo e o Judiciário.
     Enfim, a impressão do desfile militar em referência causa péssimo sentimento antidemocrático, por se tratar de absurdo idêntico ao experimentado pelas republiquetas socialistas, que mostram seus equipamentos militares com a finalidade de exibir o poder bélico, em forma de ameaça a quem se opor à ideia da tirania e, mais ainda, no caso específico, para mostrar a coesão de apoio vinda do meio militar, dando a ideia de algo muito ruim e desastroso, quando o aperfeiçoamento democrático refuta completamente a demonstração de força militar, que tem outra importante missão definida na Constituição.
          É de se ressaltar que o presidente do país não conseguiu juntar qualquer prova sobre as suas alegações quanto à existência de fraudes na urna eletrônica, mas mesmo assim ele insiste em dizer que apenas o voto impresso afastará esse risco, que, na verdade, é inexistente, ou seja, somente haveria em se falar em risco se ele fosse realmente constatado, porque não passa de mediocridade se alegar risco sobre algo quando o fato é invisível, inexistente.
         Por seu turno, o Tribunal Superior Eleitoral o contesta com a afirmação de que a urna eletrônica conta com inúmeros mecanismos de segurança que garantem a integridade das eleições, embora também não tenha tido a necessária competência para explicar à sociedade de que maneira seja possível se acreditar apenas em palavra, que, à toda evidência, tem o mesmo peso da alegação do mandatário, ou seja, nenhuma validade, ante à falta igualmente de provas.
         Na verdade, as aludidas declarações somente contribuem para deixar os eleitores ainda mais confusos e intranquilos, à vista da falta da verdade sobre o funcionamento da urna eletrônica, cuja polêmica poderia ser perfeitamente dirimida com o mínimo de boa vontade e interesse em abrir a caixa-preta desse “troço” e esclarecer, em detalhes, a sua real operacionalidade, de modo a se colocar tudo em pratos limpos, como acontece normalmente nos países sérios, civilizados e evoluídos, em termos políticos e democráticos.
        Por fim, como a colocação de tanques nas ruas de Brasília e o estacionamento deles em frente ao Palácio do Planalto, precisamente no dia marcado para a votação da PEC referente ao voto impresso, não importando se foi coincidência ou não, mas o ato em si passou do simbolismo à real intimidação, como demonstração de poder, com muita clareza, deixando no ar o ponto de interrogação não somente sobre a prática de ato inconstitucional e antidemocrático, que poderia ter sido evitado se o Presidente da República tivesse um pouco do sentimento de que isso não é normal, em especial quando os ânimos das autoridades da República estão abalados por momento de tensão.
     Urge que o presidente da República readquira a capacidade de raciocínio político-democrático, para perceber, com meridiana lucidez, que a entrega de convites, que poderia ser feito por qualquer estafeta, para mera participação dele em manobras militares, teria melhor significado e expressiva economicidade sem o envolvimento de tanques e outros equipamentos militares, envolvendo vultosos gastos públicos, porque isso somente demonstra o quanto o Brasil precisa aprender e evoluir, em termos de estadista de qualidade, que possa compreender os verdadeiros valor e relevância dos princípios democrático e republicano para o aperfeiçoamento e o desenvolvimento das atividades governamentais.
         Brasília, em 10 de agosto de 2021

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