terça-feira, 24 de agosto de 2021

Nem tanto à terra, nem tanto ao mar!

             Um bispo da Igreja Católica fez verdadeiro pregação, em forma de comício político, na sua igreja, para enaltecer o momento de real gravidade por que atravessa o Brasil, tendo ele se expressado com as muitas verdades dele, mas ficou a desejar quanto à precisa avaliação sobre os fatos causadores do que ele classifica de perseguição à liberdade de expressão.

É preciso que se diga que nem se discorda de tudo nem se concorda com tudo que o religioso afirma, porque ele foi bem incisivo e genérico naquilo que acha ser mais justo e humano, mas parece que ele também poderia ter analisado um pouco sobre o que as pessoas consideradas perseguidas disseram, de maneira ofensiva, contra instituições e autoridades da República.

Não se pretende justificar ou condenar quem quer que seja, mas parece muito injusto somente se tomar posição de um lado, por terminar condenando o outro lado, como se realmente houvesse os santinhos e o diabo, que este estivesse soltou de vez e o bispo precisasse interferir para se apaziguar os ânimos e pôr paz no reino terrestre.

O bispo pediu a atenção das suas ovelhas para demonstrar as suas preocupação e insatisfação quanto aos fatos que ele julga que são de muitas dificuldades, em escalada de autoritarismo a comprometer a segurança jurídica, a suprirem os direitos e as liberdades individuais, a submeter a perseguição e opressão às pessoas, à imprensa e aos meios de comunicação, com o propósito do impedimento de manifestação e da liberdade de opiniões, a calarem as nossas vozes, entre outros cerceamentos às atividades democráticas.

Senhor respeitável bispo, até pode ser possível que toda a sua preocupação seja verdadeira, mas também é muito provável que nada do que foi disseminado no seu discurso-pregação tenha alguma validade, a depender da melhor avaliação sobre os fatos circunstanciados ao caso suscitado, tendo em conta completa análise sobre eles, conforme a amostragem a seguir.     

Um cantor sertanejo recém disse em vídeo, em tom ameaçador para o presidente do Senado Federal, que “Nós vamos parar 72 horas. Se não fizer nada, nas próximas 72 horas, ninguém andar no País, não vai ter nem caminhão para trazer feijão para vocês aqui dentro. Nada vai ser igual, nunca foi igual ao que vai acontecer em 7, 8, 9 e 10 de setembro, e se eles não obedecerem a nosso pedido, eles vão ver como a cobra vai fumar, e ai do caminhoneiro que furar esse bloqueio.”.

A ameaça foi tão forte e com muita clareza que o cantor afirmou o que seria feito, ipsis litteris:Se em 30 dias não tirarem os caras nós vamos invadir, quebrar tudo e tirar os caras na marra (os ministros do Supremo). Pronto. É assim que vai ser. E a coisa tá séria”.

Ele garantiu que o ultimato será entregue (ao presidente do Senado) no dia 8 de setembro e, segundo ele, caso as reivindicações não sejam atendidas no prazo, “o país vai pararNorte a Sul, Leste a Oeste. Os plantadores de soja vão pôr as colheitadeiras nas estradas, ninguém pode andar, nem carro particular, nem ônibus. Todos estão sendo avisados. Ônibus que vier com passageiro vai ter que voltar para trás. Só vai ter ambulância, polícia, bombeiro, uma emergência. Não é um pedido, é uma ordem. É assim que eu vou falar com o presidente do Senado. O documento que entregará será uma intimaçãoÉ como um oficial de Justiça”.

À toda evidência, essa não é maneira civilizada e democrática cabível em liberdade expressão decente de país respeitável e sério, por mais boa vontade que se tenha, por não de admitir, no Estado Democrático de Direito, que alguém diga que “...nós vamos invadir, quebrar tudo e tirar os caras na marra (os ministros do Supremo). Pronto. É assim que vai ser. E a coisa tá séria”. “... e se eles não obedecerem a nosso pedido, eles vão ver como a cobra vai fumar...”. “Não é um pedido, é uma ordem. É assim que eu vou falar com o presidente do Senado. O documento que entregará será uma intimaçãoÉ como um oficial de Justiça”.

Nunca se viu tamanha loucura, truculência e irracionalidade em nome, pasmem, da liberdade de expressão, e ainda tem um bando de brasileiros imbecis e ignorantes que ainda fica aplaudindo essa insanidade, em clara demonstração de apoio à vontade do presidente do país, que, se tivesse um pingo de sensatez, teria imediatamente repudiado tal atitude, em nome da integridade nacional.

Em lugar nenhum do mundo, esses termos rudes, grosseiros e desrespeitosos podem se enquadrar no sentido clássico de liberdade de expressão, porque há nisso ameaças e promessas de violência às autoridades e instituições da República ou será que as pessoas que fazem impensadas críticas entendem diferentemente, como sendo normal, em regime democrático se promover movimento de protesto, como o prometido para o próximo dia 7 de setembro, com o propósito programado e anunciado para a destruição, a invasão e a barbárie, em nome de apoio ao presidente da República, que concorda com a mais vil forma de esculhambação das instituições democráticas?

Já outro militante apoiador ultraextremista do presidente do país, que se encontra preso, tem tido comportamento nada exemplar, ao fazer apologia ao crime ou ao criminoso, à associação criminosa e à denunciação caluniosa.

No ato da prisão dele, consta que o ministro disse que ela é necessária para garantir a ordem pública e o adequado andamento da investigação devido aos "fortes indícios de materialidade e autoria" de crimes previstos no Código Penal, como calúnia, difamação, injúria, incitação ao crime, apologia ao crime ou criminoso, associação criminosa e denunciação caluniosa.

O ministro cita ainda possíveis delitos previstos na Lei de Segurança Nacional, como "tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito", e também o potencial desrespeito à lei que prevê crimes de preconceito e racismo, como o ato de "praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional".

Um advogado criminalista declarou que "As afirmações do Roberto Jefferson são horríveis, repugnantes, irresponsáveis e inadmissíveis, mas o devido processo legal tem que valer para todos, culpados ou inocentes, amigos ou inimigos. Senão, será a força bruta".

Um professor de direito penal da FGV considera que, ainda que a fundamentação da prisão preventiva tenha sido limitada, há elementos suficientes na decisão para justificar a detenção.

Ele disse que "Fundamento (para prendê-lo) há sim. Os fatos mostram indícios mais do que suficientes de crimes graves. Penso que o porquê de prender preventivamente deveria ter sido mais explicitado: concretamente, qual o risco de mantê-lo em liberdade? Mas, como um todo, a decisão para em pé".

O mesmo professor considera legal a prisão em tela, por entender que a sua causa foi a prática de condutas contra o STF.

Esse é outro gravíssimo incidente que foge da intimidade do princípio insculpido na liberdade de expressão, já passando para as raias da criminalidade, mas os eternos apoiadores do mandatário brasileiro entendem que o Supremo foi muito além do razoável, posto que o militante preso somente teria dito o que todos gostariam de expressar com relação à corte, que até pode ser sentimento de muitos, em termos de vontade de agredir à corte, mas é preciso respeitar a dignidade das autoridades e das instituições.  

Enquanto alguns criticam as decisões do Supremo, outros entendem que elas estão dentro da normalidade, tendo em vista o ferimento da legislação penal, que a sociedade condena, em muitos casos, possivelmente por desconhecimento dos meandros dos fatos existentes.

Embora muitos critiquem a atuação do Supremo, inclusive em especial o presidente da República, a avaliação do próprio Supremo é que ele pode abrir inquérito quando ataques criminosos são cometidos contra a própria Corte e seus membros, representando ameaças contra os poderes instituídos, o Estado de Direito e a democracia.

Agora, as situações bem mais graves ficam por conta o presidente da República, que a todo instante fica atacando ministros do Supremo e a própria corte, em claro desrespeito à instituição da República e isso precisaria ser evitado, diante da desmoralização do próprio mandatário, que poderia se preservar como a principal autoridade do país.

Não obstante, o presidente do país, sentindo-se cercado pelas ações do Supremo, tenta reagir com ameaça de fazer uso de medidas fora dos limites da Constituição, em especial após se tornar alvo de inquérito na corte, que investiga seus ataques ao sistema eleitoral.

Dessa forma, depois de tanto depreciar e agredir a imagem de ministros e do próprio Supremo, o presidente da corte se manifestou, recentemente, dizendo que “O Supremo Tribunal Federal ressalta que a liberdade de expressão, assegurada pela Constituição a qualquer brasileiro, deve conviver com o respeito às instituições e à honra de seus integrantes, como decorrência imediata da harmonia e da independência entre os Poderes. O STF rejeita posicionamentos que extrapolam a crítica construtiva e questionam indevidamente a idoneidade das juízas e dos juízes da Corte”.

Ou seja, o salutar princípio da liberdade de expressão precisa ser valorizado, não sendo permitido nem possível que alguém imagina escudado nele para detonar a imagem de pessoas, autoridades e instituições, exatamente porque a sua finalidade não tem nada a ver com prática de crime contra ninguém, mas sim para resguardar o verdadeiro direito de se expressar por boas e saudáveis causas, sem nada com achar que dizer além da verdade pode ficar a salvo, sem ser punido, porque isso não existe em lugar do mundo, nem mesmo nas melhores democracias, porque lá também é imperioso o respeito à imagem das pessoas e das instituições.

Enfim, no Estado Democrático de Direito, prevalente no Brasil, quem entender que algum ato ou decisão tenha ferido seus direitos de cidadão, pode e deve perfeitamente impetrar o devido recurso, onde for cabível, podendo ser no Supremo, caso a decisão a ser impugnada tenha sido deliberada por ele.

No documento, devem constar a motivação e a fundamentação do pleito, observada a regra fundamental da liberdade de expressão, o que vale dizer em termos exprimindo apenas o objeto da insatisfação e da vontade da mudança do ato feridor de direitos, evidentemente sem ofensas ou agressão, porque isso faz parte do respeito e da responsabilidade que precisam imperar no seio da sociedade séria, evoluída e civilizada.

          Quando as pessoas ou a sociedade demonstram seus sentimentos ou anseios por meio de agressividade, em afastamento do diálogo e o entendimento, fica muito claro que não se tem conversa para a resolução dos problemas, como é o caso do atual governo, que procurou dificultar ao máximo a aproximação com o Supremo.

Esse clima de animosidade somente contribui para dificultar e até impedir a compreensão e a solução das questões nacionais, como se os poderes fossem de países diferentes, que tivessem a obrigação de cuidar cada qual de interesses distintos.

Com essa mesma mentalidade, parece ser a de muitos brasileiros que apenas tomam partido por umas das partes, sem ao menos sopesarem os fatos no seu verdadeiro contexto, como parece que é o caso de muita gente que prefere descer o malho no Supremo, sem também sequer tentar imaginar que quem critica com agressão tem o direito de recorrer dos atos praticados por ele, de modo a puder mostrar que a corte ofende os interesses da sociedade, mas em exposição civilizada, em nível de respeito como manda o figurino elogiável pelo manual da liberdade de expressão.

Acredita-se que, se o presidente do país tivesse recorrido religiosamente das decisões do Supremo, nas quais ele ou o Executivo tenham se sentidos prejudicados ou com interesses contrariados, fazendo o uso do salutar caminho da velha diplomacia da administração pública, certamente que o caos criado por ele jamais teria se estabelecido na República.

Com o detalhe de que, se assim tivesse sido, não seria possível a realização do plano estrategicamente delineado para que se chegasse a essa lamentável situação de calamidade pública que se encontra o país, no presente momento, onde há fortes sinais de ruptura institucional, justamente em razão da falta de diálogo entre os poderes da República.  

Penso que a própria liberdade de expressão que o bispo fez uso dela serviu para ele criticar “um certo tribunal”, sem ser importunado, mostrando claramente que a crise motivo da preocupação dele somente existe para aqueles que extrapolam os limites do figurino da liberdade de expressão, a exemplo dos casos supracitados, porque essa liberdade também tem regra de mútuo respeito e tolerância, que precisa ser observada para o bem dos brasileiros.

          A propósito, não se tem conhecimento de nenhum caso em que as preocupações do bispo tenham sido postas em prática, como a escalada de autoritarismo a comprometer a segurança jurídica, a suprirem os direitos e as liberdades individuais, a submeter a perseguição e opressão às pessoas, à imprensa e aos meios de comunicação, com o propósito do impedimento de manifestação e da liberdade de opiniões, contra os cidadãos respeitadores da dignidade da cidadania da imagem das instituições da República.

Ou seja, não há qualquer ameaça, a quem quer que seja, que respeito rigorosamente os limites da liberdade de expressão, de fazer o que bem entender, o que vale dizer que as pessoas que acompanham a mentalidade do bispo precisam ter a humildade de enxergar os fatos exatamente como eles são, tendo em conta todos os componentes, inclusive o que os trogloditas fazem, indevidamente em nome daquele valioso princípio, para a precisa avaliação sobre a crise do momento, que teria sido criada, em obediente estratégia, precisamente para satisfazer interesses pessoais, em claro detrimento das causas nacionais.

Sim, é preciso que sejam condenados os abusos, tanto do Supremo como de quem tenta corrigi-lo, só que por meios não muito adequados, à luz dos princípios civilizatórios, quando as agressões com palavras duras e depreciativas também são formas antidemocráticas e contrárias ao entendimento, à normalização e à conciliação, que se imagina que seria o ideal para que a sociedade vida em paz.

Como entender que a maldade somente vem do Supremo, se muitos casos, como aqueles elencados acima e tantos outros destoam do alinhamento desejável de boa conduta e respeito às autoridades e instituições da República?

Não estariam faltando o bom senso, a sensibilidade e o sentimento humano, no sentido de se entender que os maus-tratos vindos de quem agride com palavras grosseiras poderiam ser transformados em discursos de alto nível e muito mais concernentes com os fins de reprovação e contestação dos abusos, mas com viés inteligente e pedagógico, mostrando, de forma respeitosa, o inconformismo de decisões e posições do Supremo com os princípios humanitários e, enfim, qual a dificuldade para se compreender que hábitos civilizatórios de cidadania são muito mais produtivos à sociedade e aos costumes do que a agressão vazia com o cunho somente pejorativo e desrespeitoso, que normalmente contribuem para potencializar a crise?      

Com isso, se pode afirmar que nada impede que se reclame do que está errado, inclusive das absurdas e até inconstitucionais decisões, muitas das quais monocráticas, proferidas pela Suprema Corte, desde que formuladas nos limites e na forma do respeito à dignidade da sua autoridade como poder da República que representa e precisa assim ser acatado, não se permitindo que seja ultrajada a sua dignidade, à vista da reciprocidade defluída do sagrado e verdadeiro princípio da liberdade de expressão, que não pode dar guarida a abusos do comportamento humano.   

Urge que os brasileiros se conscientizem de que quem está em crise é o Brasil, que precisa ser cuidado com muito carinho por casa um nós, com o melhor de nossas atenções, independentemente de ideologias, não esquecendo de que a luta por nossos direitos se impõe com o fervor de brasilidade e de respeito aos princípios da verdade e da liberdade de expressão como tal esta precisa existir, sem conotação com sentimentos de agressividade nem violência.       

          Brasília, em 24 de agosto de 2021

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