terça-feira, 3 de agosto de 2021

O escancarar das urnas?

 

O atual presidente e os ex-presidentes do Tribunal Superior Eleitoral, desde 1988, divulgaram manifesto em defesa do modelo vigente de eleições no Brasil, com o uso da urna eletrônica.

A aludia manifestação pretende tentar contraditar os argumentos do presidente da República, que resolveu colocar em dúvida e questionar a segurança do resultado das urnas eletrônicas, embora ele já tenha declarado que não tem provas sobre a existência de fraudes, mas, independentemente disso, ele insiste em implantar o voto impresso, na linha do que vem defendendo  também parcela expressiva dos brasileiros.

Na aludida mensagem, é ressaltado que voltar "A contagem pública manual de cerca de 150 milhões de votos significará a volta ao tempo das mesas apuradoras, cenário das fraudes generalizadas que marcaram a história do Brasil".  

A mensagem esclarece ainda que a urna eletrônica é usada nas eleições desde 1996 e "Jamais se documentou qualquer episódio de fraude nas eleições. Nesse período, o TSE já foi presidido por 15 ministros do Supremo Tribunal Federal. Ao longo dos seus 25 anos de existência, a urna eletrônica passou por sucessivos processos de modernização e aprimoramento, contando com diversas camadas de segurança".  

Por fim, consta da mensagem que, ao contrário do que alegam o presidente do país e seus aliados, "As urnas eletrônicas são auditáveis em todas as etapas do processo, antes, durante e depois das eleições. Todos os passos, da elaboração do programa à divulgação dos resultados, podem ser acompanhados pelos partidos políticos, Procuradoria-Geral da República, Ordem dos Advogados do Brasil, Polícia Federal, universidades e outros que são especialmente convidados. É importante observar, ainda, que as urnas eletrônicas não entram em rede e não são passíveis de acesso remoto, por não estarem conectadas à internet.".    

Realmente, o noto impresso é instrumento que possibilita a checagem da regularidade sobre o resultado da votação, diante da criação de parâmetro de comparação, que inexiste na atualidade, situação esta que oferece suspeita sobre a viabilidade de manipulação das urnas e não tem como se provar que houve violação do segredo das urnas eletrônicas ou que elas são realmente invioláveis e imexíveis.

Causa estranheza e até perplexidade a menção, na mensagem em tela, à “contagem manual” dos votos, que é medida que parece não se tratar do que se pretende com a mudança consistente no chamado “voto auditável”, que é tão somente de possibilitar a impressão do voto e mais nada, continuando toda sistemática como antes no quartel de Abrantes, inclusive com a apuração na forma da costumeira agilidade do anúncio do resultado do pleito.

A grande novidade da inovação, que é da maior significância para a credibilidade e a moralidade da votação, diante da possibilidade de se promover verdadeira auditagem, com base no parâmetro do voto impresso, em caso de dúvida ou de suspeita ocorridas no processo eleitoral, quanto ao resultado do pleito, que é algo inexistente na atualidade, o que facilita, em muito, a viabilidade de fraude e, se ela ocorrer, dificilmente terá como se comprovar que houve violação do segredo do sistema eleitoral, por meio da manipulação do desvio de votos de um candidato para outros ou simplesmente não computação de votos ou ainda outras falhas que não se têm como se comprovar, justamente porque não se pode fazer auditoria se não tiver elementos de confronto, que passam a existir com o voto impresso.

Convém ficar patente que o fato de as urnas eletrônicas puderem ser auditáveis e acompanhadas, como alegado na mensagem em comento, não significa absolutamente nada, em termos de segurança e credibilidade, tendo em conta que o atual sistema de controle imposto pela Justiça Eleitoral não permite a abertura da verdadeira caixa-preta, ou seja, ninguém tem acesso à intimidade da operacionalidade delas e, o mais importante de tudo que as envolve, são precisamente o rigoroso sigilo e a falta, por mínima que seja, de parâmetro para a checagem sobre a confirmação ou não sobre a licitude do resultado da votação.

Ou seja, de que adianta haver a possibilidade de auditagem e acompanhamento se o sistema não permite nem facilita a abertura das urnas para as devidas perícias e completa investigação, além da inexistência de elementos capazes e suficientes para a efetiva viabilização dos procedimentos pertinentes, cuja precariedade poderá ser suprida com o voto impresso, que oferece mecanismo de confronto com os votos armazenados nas urnas eletrônicas, ou seja, são máquinas que funcionam de forma integrada, mas com a prestação de importantes e independentes informações?

Mesmo que possa ser verdade que "Jamais se documentou qualquer episódio de fraude nas eleições.”, também é verdade que não há nada que impeça o aperfeiçoamento do sistema de votação, tendo em vista que o seu objetivo somente reúne elementos positivos, em termos da tentativa de se agregar maior credibilidade ao voto, que é a essência na democracia, e isso deve ser considerado como benefício para o interesse público, em consonância com os princípios da seriedade e da consciência cívicas.

Aliás, poder-se-ia até alegar, mesmo como argumento válido, como algo impeditivo da medida pretendida, o altíssimo custo com a impressão do voto, o que é normal se pensar assim, em termos de economicidade em tempos de crises, mas os benefícios propiciados com a mudança justificam, de forma satisfatória, os investimentos objetivando maior credibilidade dos votos dos brasileiros.

Agora, a bem da verdade, também poderá ser de pouca valia a adição do voto impresso, como forma de aperfeiçoamento da eleição, para possibilitar a sua maior legitimidade, se não houver absoluta transparência, no sentido de se propiciar o devido escancaramento das urnas (no bom sentido), evidentemente na forma legal, para se permitir completas e abrangentes auditorias, como mecanismos para se possibilitar totais acesso e esclarecimentos, no âmbito da legalidade da fiscalização sobre todos os procedimentos da votação, uma vez que não pode haver segredo de nada, justamente para quem dá origem à votação, que são os eleitores e eles precisam saber e certificar o correto resultado dos seus votos, em regime que privilegia a plena democracia.

Na realidade, pretende-se a criação de instrumento que se harmonize com o natural avanço da modernidade, em contraposição às fúteis alegações constantes da fajuta e decadente mensagem em apreço, que se presta muito mais como desserviços ao aprimoramento do sistema eleitoral, uma vez que seus termos primam pela brutal resistência aos anseios de legítima mudança defendida pelos brasileiros.

Os representantes da Justiça Eleitoral, em especial, precisam se conscientizar de que a garantia da segurança, da transparência, da auditabilidade e de tudo o mais para o funcionamento integral e eficiente do sistema eleitoral deve ser maleável ao normal e necessário aperfeiçoamento, como forma de aceitação da natural modernidade conquistada pela humanidade.

Os brasileiros defendem, de maneira legítima, por se tratar de medida que se harmoniza com o interesse público, completa autonomia para exercer o direito de fiscalizar amplamente o resultado das urnas eletrônicas, que condiz com a soberana vontade dos eleitores, fato este que somente se compatibiliza com os saudáveis princípios da modernidade, da seriedade, da transparência, da legitimidade e, sobretudo, da democracia.   

Brasília, em 3 de agosto de 2021

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