terça-feira, 2 de junho de 2020

Compartilhamento de princípios



Dias atrás, um conterrâneo de Uiraúna, Paraíba, preocupadíssimo com as crises que grassam na República brasileira e aproveitando a discussão sobre outro assunto, disse que entendia meus pontos de vista sobre os acontecimentos, mas ele adiantou outro caso preocupante, qual seja, verbis:  “(...) eu também estou (preocupado), agora que há sim uma escancarada intromissão do Celso de Melo e do Alexandre de Morais nas ações do executivo não se pode negar se dão ao disparate de querer apreender o cel do presidente. Isso é um escancarado abuso deles que se arvoram de fazer o papel do executivo do país. Não e mesmo fácil a um presidente aguentar esses ataques 24hs por dia.”.
Em resposta à aludida mensagem, eu disse que, com a devida vênia, essa questão do celular do presidente não tem o menor cabimento.
Vejam-se que o governo mandou um general fazer ameaças descabidas, completamente antecipadas e extremamente desnecessárias, que só o desgastam, por se tratar de medida intempestiva.
Ora, em qualquer órgão público, os pedidos, os recursos devem seguir os trâmites regulamentares, a exemplo do que acontece também no Supremo Tribunal Federal.
Houve a entrada naquele órgão de três pedidos de partidos, no âmbito da normalidade democrática de se recorrer aos órgãos competentes, no sentido de que fossem recolhidos os celulares do presidente do país e de um dos filhos dele.
Pois bem, a praxe da Corte diz que os pleitos desse gênero devem ser enviados previamente à Procuradoria Geral da República, ou seja, o ministro do Supremo não podia devolvê-los aos interessados nem os mandar para o arquivo, sem o devido pronunciamento desse órgão.
O ministro fez o procedimento correto, em harmonia com o figurino, mas o presidente, seus assessores, as Forças Armadas, seus apoiadores e até a mãe Joana imediatamente botaram a boca no mundo, fazendo o maior escarcéu, em violento sinal de protestos, com ameaças as mais violentas possíveis, inclusive de ruptura da democracia e das relações entre a instituições republicanas, sob perigo, inclusive, de deflagração da terceira guerra mundial, a partir do Brasil, tudo por absolutamente nada, mas a revolta foi simplesmente generalizada, sem nada que justificasse tamanha precipitação.
Vejam só o extremo do absurdo que fez, na ocasião, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, por meio da divulgação, horas depois de o pedido ser enviado à PGR, de manifesto à nação, considerando “afronta” caso o telefone celular do presidente do país fosse apreendido por ordem da Justiça, sob o alerta de que a decisão causaria, pasmem, consequências imprevisíveis, nestes termos: “O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República alerta as autoridades constituídas que tal atitude é uma evidente tentativa de comprometer a harmonia entre os poderes e poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”.
O alerto do general causou enorme perplexidade e espanto, porque houve a convocação das tropas sem que houvesse qualquer motivação para tanto.
Na verdade, o que tinha havido, até aquele momento, estava absolutamente em consonância com o Regimento do Supremo, porque as demandas dirigidas àquela Corte, conforme o caso, são, necessariamente, examinadas e julgadas em estrita observância às normas internas.
Na ocasião, fiz o registro segundo o qual, no caso, o procurador-geral da República já havia se manifestado pelo arquivamento dos referidos pleitos, cabendo ao ministro acompanhar essa sugestão, porque normalmente os ministros concordam com aquele órgão ministerial.
De fato, a presunção acima se confirmou, em o que o ministro do Supremo, relator do caso em comento, determinou o arquivamento do processo pertinente, em acolhimento à sugestão oferecida pelo procurador-geral da República, que já havia se manifestado contra a apreensão em causa.
O órgão ministerial entendeu que, “como a investigação é competência do MPF, não cabe intervenção de terceiros no processo, como no caso de partidos e parlamentares.”.
Na decisão, o decano do Excelso Tribunal de Justiça brasileiro reafirmou a posição da Corte, tendo afirmado, ipsis litteris: “Torna-se essencial reafirmar, desde logo, neste singular momento em que o Brasil enfrenta gravíssimos desafios, que o Supremo Tribunal Federal, atento à sua alta responsabilidade institucional, não transigirá nem renunciará ao desempenho isento e impessoal da jurisdição, fazendo sempre prevalecer os valores fundantes da ordem democrática e prestando incondicional reverência ao primado da Constituição, ao império das leis e à superioridade político-jurídica das ideias que informam e que animam o espírito da República”.
Em conclusão, o general que se mostrou cheio de autoridade ditatorial, fazendo as mais veementes e absurdas ameaças, vai ser obrigado, agora, a pôr a sua espada entre as pernas, por ter se precipitado deseducada e grosseiramente, ao extremo, e ainda ficar com cara de tacho, diante da  assinatura de manifesto à nação completamente desnecessário, tendo ainda a irresponsabilidade de insuflar a opinião pública em se revoltar contra o Supremo, exatamente em momento em que as relações entre as instituições republicanas estavam de mal a pior, sob intenso fogo cruzado, de lado a lado.
Ou seja, quando se esperava que o general, com a sua experiência da caserna, tivesse o mínimo senso de prudência e sensatez, diante da terrível situação de animosidade entre os poderes, ele simplesmente lançou barris de combustíveis na fogueira, para aumentar sensivelmente as chamas.
Espera-se o mínimo do general, se ele tiver senso de patriotismo, no sentido de ele vir a público, agora, também por meio de nota oficial, para apresentar desculpas por sua atitude extremamente precipitada e prejudicial à paz social e à ordem pública, prometendo ser mais comedido e responsável em situações semelhantes a essa.  
Ressalte-se que os demais apoiadores do presidente, inclusive ele, vão contabilizar bastante tempo perdido e dor de cabeça com aborrecimentos e xingamentos desnecessários, agora que o caso foi encerrado, com o arquivo dos pleitos.
É lamentável que, por pouco, quase houve a eclosão de revolução institucional a troco de absolutamente de nada, o que só demonstra a urgente necessidade, não somente por parte do governo, mas também de pessoas, de paciência, calma e civilidade diante dos fatos.
Urge que o governo admita, com o máximo de urgência, a necessidade de sensatez, sensibilidade e Inteligência político-administrativas, para se encontrar mecanismos capazes de realmente liderar e coordenar políticas de segurança funcional no Palácio do Planalto, de modo que o presidente da República e seus assessores passem a avaliar, com o máximo de responsabilidade, as suas atitudes como pessoas públicas, ante a premência de moderação, tolerância e compreensão no relacionamento com as instituições públicas e privadas, os meios de comunicação e a sociedade, no âmbito do entendimento de que esse é o verdadeiro caminho para o compartilhamento das ações próprias de governo para o povo, tendo como princípios a harmonia e os bons exemplos.
Brasília, em 2 de junho de 2020

Nenhum comentário:

Postar um comentário