sábado, 6 de junho de 2020

O simbolismo antirepublicano


O presidente da República viu sua situação política se deteriorar, com muita velocidade, ao embalo da grave crise causada pelo novo coronavírus, depois que ele resolveu contrariar o contexto mundial sobre as medidas de combate ao contágio do vírus, ao se posicionar pelo isolamento social onde somente os idosos e as pessoas que têm  comorbidades ficariam de quarentena, diferentemente do que foi adotado por mais de cem países.
Essa posição conseguiu isolar o presidente dos poderes Legislativo e Judiciário, além de expressiva parte de seu governo, inclusive de ministros, forças institucionais e militares, que deixaram claro a sua sintonia com as adotadas pelo Ministério da Saúde, em defesa com o confinamento horizontal, onde toda população precisa ficar em casa pelo tempo que for necessário.
A verdade é que a reação contrária ao sentimento defendido pelo presidente aconteceu em cadeia, que contou com a junção uníssono do  Congresso Nacional, do Judiciário, dos governadores, dos prefeitos, da Organização Mundial de Saúde, de políticos quase em geral, das Forças Armadas e de expressiva maioria da população, que pretendem derrotar esse temível Covid-19.
Diante da posição defendida pelo isolamento vertical, já há manifestação da oposição pedindo o afastamento do presidente do cargo, a exemplo do que foi enviado à Procuradoria Geral da República por um ministro do Supremo Tribunal Federal, cuja petição se soma a outros cinco requerimentos fundamentos cm teor semelhante.
No âmbito do Parlamento, já foram entregues vários pedidos pretendendo o impedimento do mandatário brasileiro, sob o pretexto de que ele teria infringido, por atos e palavras que caracterizam infrações em série à “lei de responsabilidade social”, ou seja, já haveria como enquadrá-lo como incurso no crime de responsabilidade.
De acordo com o artigo 85 da Constituição Federal, “são crimes de responsabilidade os atos do presidente da República que atentam contra a Constituição e especialmente contra: a existência da União; o livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e dos poderes constitucionais das unidades da federação; o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; a segurança interna do país; a probidade na administração; a lei orçamentária; o cumprimento da lei e das decisões judiciais.”.
Não consta, nesse elenco, o enquadramento do explícito desprezo do presidente do país sobre as orientações emanadas dos entidades e organismos de saúde, salvo se prevalecesse a sua determinação e que, em razão dela, houvesse assombroso desastre que resultassem muitas mortes, caso em que não teria restado dúvida sobre a prática de crime contra a humanidade, à vista da afronta às orientações de especialistas de saúde e pondo em risco à vida daqueles que teriam seguido os seus conselhos.
Há que se atentar para o fato de que a preservação da democracia é o pilar que sustenta a estabilidade da sociedade, porquanto o presidente do país precisa entender que, em razão da sua tentativa de ruptura da ordem pública, socorreram contra ela manifestações da população, mostrando que a vontade dele precisa ser urgentemente repensada, para o fim de harmonizá-la ao sentimento social de maior apelo, mas não é bem isso o que está acontecendo.
Diante da reação natural às ideias do presidente, que tentava e tenta contrariar a quase unanimidade nacional e da face da Terra, em gigantesco desafio do confinamento para conter a doença, e assim minimizar perdas humanas e econômicas, ele o teria feito de caso pensado, apostando no possível caos nacional, para depois vir a se consagrar, aproveitando de maquiavélico artificio estruturado para alçá-lo como o grande salvador de nação em ruínas?
Há evidências de que,  na intenção de anunciar a interrupção do isolamento horizontal, já havia até decreto pronto - do que o presidente  já teria sido até alertado pela Justiça de que essa ideia não pode prosperar, por implicação constitucional – sob a alegação de que “infelizmente, algumas mortes ocorrerão, paciência!”.
O presidente estaria projetando seu futuro para a reeleição, que tem sido a sua cega obsessão, embora ainda falte muito mais tempo do que já gasto no poder, por ele.
Na verdade, o que complica a situação do presidente são suas palavras, normalmente ditas sem pensar, mas que põem sob questionamento o alto grau de irresponsabilidade quanto à seriedade que precisa ter a condução dos destinos do governo e do Brasil, quando, em muitos casos, elas são completamente dispensáveis.
É o caso das afirmações de “mera gripezinha, que brevemente passará” e “é preciso enfrentar o vírus como homem, pô, e não como moleque” não condizem com a liturgia do cargo de príncipe da República, que precisa valorizar o sentido das palavras presidenciais dirigidas à população, como forma segura de reafirmação da credibilidade do governo e do respeito ao ser humano, por nem todos são resistentes como ele..
Embora como comandante da nação, nada impede que ele possa sair às ruas, para contato com o povo, não fosse o momento de intensa quarentena, destinada a se reduzir ao máximo aglomerações para se evitar contágio do coronavírus, em evidente desrespeito às regras que estão em execução, além de pôr em risco os próprios seguidores, mesmo que ele, como tem dito, esteja blindado contra o temível coronavírus.
Causa espécie que o presidente tenha sido contumaz denunciador da existência da prática de “histeria” sobre o temor ao coronavírus, mas ele foi incapaz de apresentar um único argumento técnico, produzido por autoridade com credibilidade do governo ou fora dele, para simplesmente desdenhar das autoridades da saúde, inclusive do próprio Ministério da Saúde do seu governo, preferindo ir na contramão das medidas tomadas pelo resto do mundo.
A fase do presidente está tão em baixa que alguns de seus textos foram recente e simultaneamente retirados do ar pelo Facebook, Instagram e Twitter, em simultâneo, que decidiram retirar do ar, como forma de censura, sob a justificativa de que eles distorceram orientações oficiais de segurança sanitária consagradas no mundo.
Em razão do comportamento exposto pelo presidente, alguns meios de comunicação do mundo têm chamado a atenção de seus leitores para manchetes espantosas como as que foram publicadas pelo jornal britânico The Guardian, que apontou em editorial que o presidente tupiniquim representa um “perigo para os brasileiros”.
Já a revista americana The Atlantic o classificou como “o líder mundial da negação do coronavírus”, enquanto o semanário The Economist deu ao presidente a alcunha de “Bolsonero”, em referência ao estranho e polêmico imperador que teia mandado tocar fogo em Roma, e, por fim, o jornal The Washington Post” pediu abertamente em artigo, pasmem, o seu impeachment.
Por último, o presidente norte-americano não só proibiu a entrada de brasileiros nos Estados Unidos da América, com também criticou a forma como o Brasil cuidou do combate ao coronavírus, quando disse que, se aquele país tivesse acompanhado o que fez o país tupiniquim, poderiam morrer, no país de tio Sam, mais de um milhão e quinhentas pessoas.   
Não há a menor dúvida de que ser alvo de chacota global é motivo sim de muita preocupação, porque é sinal de que existe muito algo errado, no contexto da gestão pública, o que obriga que o mandatário da nação precisa rever, com o máximo de urgência, as suas atitudes como homem público que representa uma país da grandeza e da potência social e de recursos naturais e econômicos como o Brasil, de modo que o seu prestígio esteja muito bem preservado e respeitado, o que, infelizmente, não o que é o caso.
Não há a menor dúvida de que constitui desalento a forma desrespeitosa aos brasileiros e ao mundo a maneira como o presidente afronta e destrói a autoestima nacional, com o devido respeito àqueles que simplesmente ignoram esse estado de coisa, evidentemente por questão ideológica.
O mais grave no espetáculo insensato é que o mandatário se converteu em um símbolo de ameaça pública, afrontando às orientações de especialistas de saúde e pondo em risco à vida daqueles que eventualmente pensam em seguir os seus conselhos, por acharem que ele está com a razão em agir contrariamente ao padrão estabelecido pelo próprio governo e pela maioria das nações do planeta.
Na verdade, a clara instigação à desobediência civil, à vista dos seus incentivo e participação às reuniões de pessoas em manifestações de protestos são atos que não combinam com a liturgia do importante cargo presidencial, visto que seria mais condizente com ele o seu exemplo de afastamento desses movimentos, procurando aconselhar às pessoas que os evitassem, como forma do integral isolamento recomendado pelo próprio governo.
O sentido de urgente revisão de comportamento do presidente da República faz o maior sentido, principalmente porque ele precisa se conscientizar de que a nação espera dele a centralidade de sensibilidade, bom sendo, racionalidade e responsabilidade, capazes de compreender a essencialidade sobre a gestão pública, tendo como princípio a priorização da satisfação do interesse público, o que vale dizer que ele precisa governar com os anseios do povo, no seu conjunto, evitar instigar a desobediência civil, conter os ímpetos motivados por questões pessoais e sectárias, enfim, centrar esforços para se limitar ao exclusivo exercício das funções próprias de presidente da República, na forma estabelecida na Constituição Federal.
          Brasília, em 6 de junho de 2020

Nenhum comentário:

Postar um comentário