sábado, 13 de junho de 2020

Sem noção

Em mensagem postada nas redes sociais, o presidente da República declarou, de maneira completamente insensata que, ipsis litteris: "Seria bom você fazer na ponta da linha. Tem hospital de campanha perto de você, hospital público, arranja uma maneira de entrar e filmar. Muita gente está fazendo isso e mais gente tem que fazer para mostrar se os leitos estão ocupados ou não, se os gastos são compatíveis ou não. Isso nos ajuda".
Como era de se presumir, a crescente crise causada pelo coronavírus vem provocando superlotação em hospitais pelo país, com a falta de leitos para o atendimento dos doentes, em especial nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), conforme tem sido alvo da reclamação de familiares.
Como não poderia ser diferente, entidades representativas de classes ligadas à área médico-hospitalar e políticos reagiram ao apelo do presidente brasileiro, em repúdio veemente ao incentivo dele para as pessoas entrarem em hospitais públicos ou de campanha que tratam da covid-19, para filmarem o interior das instalações, com vistas a se verificar a existência de leitos desocupados.
O Conselho Nacional de Saúde afirmou que a declaração do presidente do país agrava ainda mais o contexto de crise na saúde pública, por se tratar de posicionamento que demonstra "total desprezo pela vida da população, não expressando qualquer sentimento de solidariedade, empatia e compaixão. Essa atitude representa constrangimento aos pacientes que se encontram internados".
Por sua vez, os governadores do Nordeste afirmaram que a declaração do mandatário brasileiro "choca a todos, contraria protocolos médicos, desrespeita profissionais e coloca a vida das pessoas em risco. Bolsonaro segue o mesmo método inconsequente que o levou a incentivar aglomerações por todo o país, contrariando orientações científicas bem como a estimular agressões a jornalistas e veículos de comunicação".
Já o governador do Espírito Santo teceu críticas à declaração do presidente, tendo afirmado que "É mais uma manifestação de total insensibilidade com os familiares dos mais de 40 mil mortos pela Covid-19. No momento de crise os líderes precisam se manifestar com serenidade, solidariedade e compaixão.".
O mesmo se pode dizer que a sociedade não tem como aceitar que a autoridade máxima do país proponha a execução de medida extremamente desumana e incivilizada de invasão de unidade de saúde que cuida e trata do dos doentes do Covid-19, pasmem, para controlar a ocupação de leitos, sabendo que isso não é competência da sociedade.
Poderia até se esperar outras formas de insensatez do presidente, diante da sua falta de polidez como vem se comportando diante da pandemia do coronavírus, mas essa é uma das estupidezes absolutamente inadmissível, por ela não condizer com o desempenho de autoridade pública que precisa dar bons exemplos de competência, compreensão, maturidade, inteligência e, principalmente, respeito não somente aos profissionais e autoridades que trabalham com muito amor nos hospitais, mas em especial aos milhares de mortos que sucumbiram cruelmente nessa terrível batalha contra esse monstruoso vírus.
Ao que tudo indica, o presidente pôs na mente que existem inimigos imaginários para prejudicar a sua gestão, que inevitavelmente tende a ficar comprometida, principalmente no desempenho da economia, porque o sistema foi totalmente engolido pela pandemia.
Isso não é motivo para desespero de ninguém, muito menos do presidente, que precisa somente se concentrar na busca das medidas necessárias à solução dos problemas decorrentes dos abalos generalizados nas políticas de governo, o que vale dizer que, quanto menos polêmicas forem criadas na sua gestão, mais condições ele terá para o encontro dos caminhos de salvação nacional.  
O certo é que, há a voz corrente, inclusive entonada do exterior, o Brasil tem sido o pior país que se preparou e cuidou da pandemia do coronavírus, cuja consequência é esse desastroso mapa de muitas mortes e quantidade alarmante de infectados, sendo impossível se prevê o resultado de letalidades, mas as expectativas são as piores possíveis, levando-se em conta que a principal autoridade, que deveria se preocupar prioritariamente com situação de calamidade pública, simplesmente desdenha de tudo o que vem acontecendo e ainda fica fazendo sugestões que têm o condão de perturbar o ambiente do trabalho dos profissionais que cuidam dos doentes.
Não se pode negar, nem ignorar, que a despesa pública precisa ser aplicada sob a forma da regularidade, em satisfação da população, o que significa dizer que, quando se tem notícia do desperdício do dinheiro público, como parece que seja a preocupação do presidente do país, não há a menor dúvida de que é preciso se verificar se realmente os fatos são verdadeiros, para o fim das devidas responsabilidades e punições aos culpados, inclusive o ressarcimento dos valores apurados.
Tudo bem que haja a preocupação do presidente nesse sentido, que é realmente também da sociedade, mas o meio apropriado e recomendado para as necessárias verificações e apurações é da competência dos órgãos de controle e fiscalização, como, basicamente, a Controladoria Geral da República, os Tribunais de Contas - que auxilia o Congresso Nacional no controle dos orçamentos – e o Ministério Público, que são órgãos públicos com competência constitucional e legal para fiscalizar e controlar a boa e regular aplicação dos recursos públicos, por meio dos mecanismos apropriados, na forma de seus regimentos de funcionamento.
Não passa de insensatez se pretender que a sociedade, sem o devido preparo, seja condutor dessa estupidez de fiscalizar hospitais, porque isso não se harmoniza com os comezinhos princípios da administração moderna e eficiente.
É até possível que realmente esteja havendo vergonhosa farra com recursos públicos, com o aproveitamento do momento da pandemia do coronavírus, na forma de superfaturamento na compra de material médico-hospitalar, mas ainda sob o nome do salvamento de vidas, mas isso não pode fugir do parâmetro próprio da fiscalização e do controle dos gastos públicos, em termos de verificação e investigação sobre a sua regularidade, só que isso não é certamente atribuição da sociedade.
Sem nenhuma crítica aos apoiadores do presidente brasileiro, porque isso faz parte do sentimento próprio da sua inquestionável ideologia, mas já não seria conveniente eles pensarem também do que seja realmente melhor para os interesses do Brasil e da população, se o mandatário da nação decidisse, enfim, assumir a postura de verdadeiro estadista, no sentido de cuidar exclusivamente das políticas inerentes ao cumprimento das funções presidenciais previstas na Constituição Federal, de apenas zelar da coisa pública e contribuir para o bem comum da sociedade, com embargo do apoiamento cego a ele, em tudo, sem avaliação sobre possíveis atos incompatíveis com os princípios do bom senso e da racionalidade?   
Ante o exposto, concito os brasileiros de boa vontade a se conscientizarem sobre a imperiosa necessidade da compreensão no sentido de que os graves problemas da nação somente serão devidamente enfrentados, por meio, em especial, da inteligência, competência, eficiência e responsabilidade, cabendo ao principal condutor desse gigantesco processo de soerguimento nacional se conscientizar de que somente há o caminho do bom senso, da sensatez, da sensibilidade e da racionalidade, conquanto, do contrário, qualquer forma de estupidez, como essa de perturbar os trabalhos dos hospitais, nunca se chegará a resultados satisfatórios.
          Brasília, em 13 de junho de 2020  

Nenhum comentário:

Postar um comentário