Uma
enfermeira que trabalha no Hospital de Campanha do Anhembi, em São Paulo, notou
uma movimentação estranha enquanto voltava do horário de almoço, pois "Havia
muitas pessoas na porta. Observei muita gente entrando no hospital sem colocar
a roupa própria para proteção", conforme reportagem da BBC News
Brasil.
Em
seguida, a enfermeira ficou sabendo que aquele movimento de pessoas era "invasão"
de deputados estaduais de São Paulo, que adentraram no hospital sem a devida autorização,
tendo por finalidade "fiscalizar e apurar possível má utilização de
recursos públicos".
A
enfermeira declarou que "Eles agiram como se os profissionais de saúde
fossem criminosos. Nos sentimos desrespeitados. Foi uma situação vexatória. Não
poderiam fazer aquilo. É importante fiscalizar o uso de dinheiro público, mas
aquela não era a forma correta para fazer isso".
A
profissional disse que tinha 45 anos de idade, dos quais 22 foram dedicados aos
serviços de enfermagem, tendo classificado aquele episódio “como a situação
mais vergonhosa e desrespeitosa que viveu na linha de frente do combate ao novo
coronavírus.”.
A
enfermeira afirmou que “teme passar por situação semelhante nos próximos
dias, após ler uma declaração que o presidente Jair Bolsonaro deu na noite da
quinta-feira (11). Durante uma live, ele incentivou seus seguidores a invadirem
hospitais e filmarem o que encontrarem no interior.”.
Sem
apresentar a mínima prova de que os recursos públicos tenham sido
desperdiçados, o presidente da República instigou seus seguidores a praticarem
atos insanos, por meio desse aconselhamento: "Tem hospital de campanha
perto de você, hospital público, arranja uma maneira de entrar e filmar. Muita
gente está fazendo isso e mais gente tem que fazer para mostrar se os leitos
estão ocupados ou não. Se os gastos são compatíveis ou não.”.
Do
mesmo modo, sem qualquer prova, o presidente insinuou que os números referentes
ao Covid-19 estão sendo manipulados por prefeitos e governadores para "ganho
político".
Em
veemente e clara contestação às declarações insensatas do presidente brasileiro,
a Associação Paulista de Medicina criticou o incentivo dele, dizendo que "Hospitais
são áreas de circulação restrita, com fluxo de pessoas orientadas para garantir
rapidez, eficiência, segurança e privacidade dos pacientes assistidos. Todas as
informações necessárias ao acompanhamento dos casos internados são sempre e
imediatamente disponíveis às autoridades de saúde".
A
enfermeira considera que a declaração do presidente do país pode dificultar
ainda mais a batalha contra o novo coronavírus, que tem mais de 41 mil mortes,
porque "Ele está incentivando a baderna, o desrespeito ao próximo e ao
profissional de saúde. As apurações sobre supostas fraudes nas gestões
de hospitais devem ser feitas por autoridades responsáveis, como a Polícia
Federal. As pessoas não podem invadir um hospital, sem qualquer permissão para
filmar o local e os pacientes. Não é permitida a entrada de pessoas sem
autorização em hospitais.”.
Ela
declarou que "Um dos grandes problemas é que muitas pessoas podem, como
no caso dos deputados, filmar e mostrar apenas o que lhes interessa. Eles
filmaram os rostos dos pacientes e causaram muito constrangimento. Depois,
foram para áreas desabilitadas e compartilharam como se o hospital estivesse
vazio".
A
enfermeira disse que "Estávamos trabalhando normalmente e, de repente,
chegaram essas pessoas como se estivesse acontecendo uma guerra mundial. Eles
invadiram, falaram alto e desrespeitaram a todos. Foi uma situação muito ruim.
Eles pensam que podem fazer isso por conta dos cargos que possuem. É assustador
isso".
Ela
disse que "Eles (os deputados) viram pacientes em diversas
áreas. Mas há partes do hospital em que não há pacientes, pois a capacidade é
para 1,8 mil leitos. As áreas são abertas conforme a chegada de pacientes,
porque buscamos otimizar o local".
Não
há a menor dúvida de que não poderia haver pior sugestão do que essa de se entrar
em hospitais, porque isso caracteriza verdadeira invasão por pessoas estranhas
em local de tratamento de doentes infectadas pelo Covid-19, que vem matando milhares
de brasileiros, sem que haja motivo preponderante a justificar tamanha loucura
e irresponsabilidade, que pode pôr em sério risco a saúde dos invasores, além
do constrangimento natural dos profissionais de saúde e dos próprios enfermos.
Trata-se
de desconfiança presidencial que pode ser perfeitamente apurada por servidores
do Estado, como a Controladoria Geral da República, em primeiro plano, e depois
pelos órgãos de controle externo, como os Tribunais de Contas, o Ministério
Público e até mesmo, conforme o caso, com a devida autorização judicial, a
Polícia Federal, todos com incumbência institucional para fiscalizarem a boa e
regular aplicação do dinheiro público.
Dessa
maneira, fica muito claro que se trata de cristalina insensatez a convocação de
simpatizante para se submeter ao ridículo de invadir hospitais, locais mais do
que sagrados onde se procura cumprir a importante missão de salvar vidas, com o
máximo de empenho e amor humano, porque ela e o que de mais valor existe para o
ser humano.
O
presidente do país precisa se conscientizar de que as questões políticas
precisam ser discutidas exclusivamente em planos próprios, sem qualquer interferência
no importante e cuidadoso trabalho que vem sendo feito, com os melhores zelos e
competência, em que pesem as notórias precariedades de material médico-hospitalar,
pelos profissionais de saúde, que estão metidos em intensa atividade para
cuidar dos pacientes, dando o seu sangue para salvar vidas.
É
muito decepcionante que o presidente da República, que tem a primazia da obrigação
de valorizar o trabalho maravilhoso, competente e eficiente dos profissionais da
saúde, tenha a infeliz iniciativa de propor a invasão do local de trabalho
desses verdadeiros anjos da guarda da população, cuja ideia medíocre e repudiável
significa verdadeiro ultraje à dignidade humana e decrepitude da autoridade constituída
do poder público, que precisa se policiar para evitar desrespeitar a sociedade,
que a representa por força do voto popular.
Brasília, em 14 de junho de 2020
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