O presidente da República voltou a defender a
facilitação do acesso às armas de fogo para a população e a criticar, com veemência,
o ex-ministro da Justiça, ao dizer que ele teria agido "de forma
covarde" durante a reunião ministerial do dia 22 de abril.
O
presidente ainda acusa o ex-ministro de ter atuado "perfeitamente
alinhado com outra ideologia" e trabalhado para dificultar a posse e o
porte de armas de fogo para os "cidadãos de bem".
O
mandatário brasileiro fez a seguinte afirmação, verbis: "Para
vocês entenderem um pouquinho quem estava do meu lado. Essa Instrução Normativa
131 é da Polícia Federal, mas por determinação do Moro. Essa IN ignorou
decretos meus e ignorou lei para dificultar a posse e porte da arma de fogo
para as pessoas de bem.”.
Aproveitando
a saraivada de balas atiradas contra o ex-ministro, o presidente afirmou que "Assim
como essa IN (Instrução Normativa), tem uma portaria que o novo ministro
revogou que, apesar de não ter força de lei, orientava a prisão de civis. Por
isso que naquela reunião secreta, o Moro, de forma covarde, ficou calado. E ele
queria uma portaria ainda, depois, que multasse quem estivesse na rua
(durante a pandemia do novo coronavírus). Perfeitamente alinhado com outra
ideologia que não era nossa. Graças a Deus ficamos livres disso".
Ao
concluir o pronunciamento, o presidente do país reafirmou o que dissera na
reunião do dia 22 de abril, cujo teor já foi divulgado para o público, no sentido
de que "Inclusive foi o que eu disse na reunião secreta, que um povo
armado jamais será escravizado, então, nós queremos o povo armado de forma
legal.".
Ao
deixar o governo, o ex-ministro acusou o presidente do país de tentar
interferir politicamente no comando da Polícia Federal, o que praticamente se
confirmou, tendo em vista que, após a saída dele do governo, o mandatário
providenciou a troca do diretor-geral daquela corporação, que, por sua vez,
determinou trocas em superintendências, cuja acusação é objeto de investigação
pelo Supremo Tribunal Federal.
Ao
dizer, agora, que o então ministro ignorou normas constantes de decretos
presidenciais e a lei sobre a regência do uso e da posse de armas, fato este que
foi simplesmente silenciado por ele, na ocasião, no entendimento de que houve concordância
superior, com a tácita aceitação das regras regulamentadas na mencionada
instrução normativa.
O
pior disso é que o presidente, ao se calar na oportunidade, passou a ser cúmplice
com o ex-ministro, em clara demonstração de incompetência de não ter reclamado devida
e tempestivamente, só o fazendo agora, tempos depois, para mostrar que ambos erraram
e a falha maior é do presidente, porque quem cala consente e foi o que ele fez,
revelando a sua brutal deselegância, por
fazer acusação sobre ato que tem a sua inegável complacência.
À
toda evidência, as declarações do presidente, nesse caso, revelam, de maneira
cristalina e cabal, puro desejo de vingança dele, que traduz sentimento próprio
de gente que precisa se conscientizar sobre a necessidade de se medir as
palavras e respeitar a dignidade do ser humano.
Ao
contrário disso, o presidente fica todo tempo tentando mostrar a desqualificação
profissional do ex-ministro, a ponto de chamá-lo de covarde e ainda de afirmar
que “Graças a Deus ficamos livres disso”, em cristalina demonstração de
desprezo por pessoa que até há pouco tempo era endeusada por ele, como símbolo
de competência, integridade, coragem e moralidade, mas o afastamento dele do
governo foi o suficiente para que ele virasse um de seus principais inimigos.
É
preciso se resgatar aqui o tremendo esforço feito por deputada federal, mensageira
nomeada pelo presidente da República, para insistir na mantença do agora “covarde”
no cargo, apesar de todas as trapalhadas feitas por ele, somente reconhecidas
pelo chefe dele depois que ele se exonerou por vontade própria do cargo.
Eis
a seguir a maneira desesperada como a parlamentar tentou evitar a saída do
ex-juiz do governo, conforme troca de mensagens entre ela e o então ministro,
exatamente no dia que ele se exonerou, ou seja, até o dia que ele ainda era valorizado
por sua competência e necessidade ao governo, em termos de dignidade:
Deputada: “Ministro, por
favor, me ouça só um pouco”
Ex-ministro: “olá”
Deputada: “O Sr é muito maior
que um cargo”
Deputada “O Brasil depende do
sr estar no MJ”
Deputada: “Bolsonaro
vai cair se o Sr sair”
Deputada: “Entendo sua
frustração”
Deputada: “Pelo amor de Deus,
me deixe ajudar.”
Deputada: “Vamos amanhã marcar
07h00 com o PR lá no Alvorada”
Deputada: “A gente conversa e
ele lhe garante a vaga no STF este ano”
Ex-ministro: “Já falei com ele
hoje”
Ex-ministro: “Eu não estou à
veda”.
A
impressão que fica, depois de interpretar, de sã consciência, apelos tão fortes
e eloquentes como os lidos acima, inclusive oferecendo, como barganha,
importante cargo no Supremo Tribunal Federal, que somente um governo fraco, incompetente
e irresponsável teria condições de implorar na manutenção dos seus quadros de
um dos principais assessores, aquele que tem a incumbência de cuidar das
políticas públicas da Justiça e Segurança Nacional, pessoa que agora a desqualificada
e considerada de “covarde” e desidiosa, que deixava de ser fiel cumpridor das
suas obrigações funcionais.
Não fica
bem para o príncipe da República tentar, em toda oportunidade, desmascarar a
pessoa que já foi considerada a principal, senão uma das principais figuras do
seu governo, somente porque ele lhe fez a acusação de querer interferir politicamente
na Polícia Federal, que é órgão de Estado e não de governo, tendo autonomia
para exercer, de forma independente, as suas atividades constitucionais e
legais, evidentemente sem a ingerência política do presidente.
Ao
contrário do que se possa imaginar, atitude leviano como essa não acrescenta nada
à dignidade de ninguém, mas tem o condão de evidenciar a índole insincera de
pessoa que prefere desvalorizar o seu semelhante, quando seria muito mais
elegante se ele mantivesse para si o rancor que fica transparente, além de
contribuir para mostrar o desejo de denegrir a imagem do inimigo.
Essa
maneira descuidada de comportamento do homem público é péssimo perante a
sociedade, que é bastante inteligente para perceber quando alguém procura
incriminar e comprometer, de maneira indevida e injusta, pessoas inimigas, a
despeito de que os fatos mostram exatamente quais são as suas intenções de prejudicá-lo
de alguma forma, sem perceber que os acontecimentos cuidam de mostrar a verdade
que existe por trás das afirmações, que servem para desmascará-lo, de maneira
implacável e vergonhosa.
Neste
momento de muitas crises, não conviria que o presidente ficasse fazendo acusações
insensatas, porque ele precisa muito mais é de apoio da sociedade, para o
enfrentamento e a superação de tantos problemas que se avolumam no governo.
Enfim, é
de descomunal deselegância, autoridade do nível presidencial chamar, nas redes sociais,
ex-ministro de covarde, aparentemente sem motivo plausível a justificar tal
atitude, que visa desmoralizar a imagem de pessoa que há bem pouco tempo gozava
de seus melhores conceitos de respeito e admiração, a par ter também se passado
por símbolo de dignidade e moralidade do governo, à vista dos exemplos de
bravura, coragem e amor ao Brasil, por ter liderando a Operação Lava-Jato,
tendo seu trabalho enaltecido e valorizado exatamente por quem perde a
compostura para chamá-lo de covarde.
Esse imbróglio
tem o perfil do presidente atordoado com seus impulsos, que engendrou a
intervenção na Policia Federal, com a finalidade de proteger pessoas da família
e amigos, tudo já efetivado, em seguida à saída do ministro, resultando nessa
desagradável situação, com cristalina mistura entre o público e o privado e
consequências absolutamente desastrosas, advindo a exoneração de importante
assessor, a ponto de a deputada ter declarado que “O Sr. é muito maior que
um cargo” e “Bolsonaro vai cair se o Sr. sair”.
No fundo,
essa história deixa lição amarga, por mostrar que o destempero e a insensatez são
as piores armas do estadista, para tentar solucionar as questões por ele enfrentadas,
principalmente quando elas não dizem respeito ao interesse público, como
evidenciado nesse deplorável episódio.
Por certo,
não é exatamente essa a postura de autêntico estadista, que tem o dever de manter
a fleuma inerente ao principal cargo da República, em sintonia com gestos e
atitudes de nobreza, principalmente procurando valorizar os princípios não
somente das estritas funções presidências, mas também da dignidade do ser
humano, além de evitar fazer juízo de valor sobre questões que não estejam na
sua área de competência constitucional.
Brasília, em 4 de junho de 2020
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