quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Liberdade de expressão

 

Um ministro da maior corte de Justiça reverteu a condenação imposta a um deputado federal, por transfobia contra uma atriz que simulou a crucificação, no papel de Jesus Cristo, durante a Parada Gay de São Paulo, no ano de 2015. 

A referida encenação suscitou manifestações e reações condenando a falta de respeito à personalidade sagrada, inclusive por parte do deputado.

Por esse motivo, o congressista foi condenado, pela Justiça de São Paulo, ao pagamento de R$ 100 mil em indenização por danos morais no âmbito de uma ação civil pública ajuizada pela Associação Ação Brotar pela Cidadania e Diversidade Sexual.

No exame da matéria, o magistrado concluiu "Por não identificar no caso ora em exame os excessos caracterizadores do discurso discriminatório, entendo que o reclamante não desbordou do exercício legítimo da liberdade de expressão, conforme definido na jurisprudência vinculante desta Corte".

Ao criticar a encenação da crucificação, o deputado escreveu que, “Ao ser contrário a esse tipo de ato, não exerce preconceito nem intolerância, somente a liberdade de expressão e religiosa.”.

O ministro afirma que negar às religiões cristãs o direito a manifestar juízos de valor com base em seus códigos morais seria o mesmo que retirar-lhes a essencialidade que as define. A liberdade de expressão, como aponta a jurisprudência da corte, encontra limites no discurso de ódio contra grupos historicamente marginalizados. O pluralismo da sociedade exige tolerância às diversas formas de viver e de pensar. Essa categoria extrema, entretanto, não pode ser confundida com a mera opinião desfavorável, que encontra guarida no espaço inviolável da consciência de cada indivíduo. Tolerância, contudo, não se confunde com concordância forçada, pois, numa democracia, reserva-se às diversas correntes de pensamento o direito de se contraporem umas às outras e de expressarem sua desaprovação a determinadas ideias e comportamentos".

Um julgamento da corte maior do país concluiu sobre a necessidade de enquadramento, pelo Congresso Nacional, da homofobia e da transfobia, na lei dos crimes de racismo.

Nesse caso, a Justiça de São Paulo havia baseado a condenação no entendimento de que o deputado tinha extrapolado o direito à liberdade de expressão, mas a atual sentença diz que "A conduta ilícita do réu não se baseia na sua liberdade de manifestação e pensamento, mas sim no fato de que, com ela, ao fazer associações com outras manifestações, fora do contexto, reforçando estereótipos, e fomentando a intolerância e discriminação, tudo sob apelo moral e religioso".

O deputado teria feito associação do ato protagonizado pela atriz com outras manifestações políticas em que teria ocorrido profanação de símbolos cristãos, como a "Marcha das Vadias" e a "Marcha da Maconha",  conforme foi citado na decisão do magistrado.

O magistrado  entendeu que a decisão da segunda instância foi "lacônica" na fundamentação e não fornece elementos suficientes para categorizar a manifestação do deputado como abuso da liberdade de expressão.

Em essência, o juiz entendeu que a condenação pelo simples fato de se criticar pessoa que ridicularizava a imagem de Jesus Cristo seria o mesmo que negar o sagrado direito da liberdade de expressão, ou seja, todos têm direito de se manifestar livremente, exatamente no limite que não ultrapasse a tolerância quanto ao ferimento da dignidade humana.   

Enfim, a Justiça consegue decidir à luz dos fatos e não motivada para agasalhar a ideologia insensível aos princípios religiosos, porque há pessoas que entendem banalizar, em forma de ridicularização, as figuras sagradas das principais personalidades do cristianismo.

Ou seja, é importante que as pessoas possam se manifestar, tendo por base o direito à fundamental liberdade de expressão, nas marchas comemorativas ou em defesa das suas ideologias, mas, à luz dos princípios do bom senso e da sensatez, esse direito não pode ofender os símbolos sagrados, por meio da sua transfiguração em forma de deboche e desprezo à sua autoridade, na tentativa de diminuir o seu valor e a sua grandeza religiosa.

Ainda bem que a Justiça entende que as pessoas têm todo direito de criticar e repudiar quem menospreza as personalidades sagradas, que são realmente veneradas justamente por ter conquistado a admiração e o respeito dos cristãos.

O ideal seria que o direito à liberdade de expressão tenha a mesma compreensão sobre a necessidade de respeito à crença e à religiosidade das pessoas, de modo que as manifestações pessoais se harmonizem com os limites da tolerância sadia e construtiva, com embargo ao ódio e ao sentimento degradante de desprezo aos princípios de sociabilidade e civilidade.     

Brasília, em 19 de dezembro de 2024

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