Um ministro da maior corte de Justiça reverteu a condenação imposta a um
deputado federal, por transfobia contra uma atriz que simulou a crucificação, no
papel de Jesus Cristo, durante a Parada Gay de São Paulo, no ano de 2015.
A referida encenação suscitou manifestações e reações condenando a falta
de respeito à personalidade sagrada, inclusive por parte do deputado.
Por esse motivo, o congressista foi condenado, pela Justiça de São Paulo,
ao pagamento de R$ 100 mil em indenização por danos morais no âmbito de uma
ação civil pública ajuizada pela Associação Ação Brotar pela Cidadania e
Diversidade Sexual.
No exame da matéria, o magistrado concluiu "Por não identificar
no caso ora em exame os excessos caracterizadores do discurso discriminatório,
entendo que o reclamante não desbordou do exercício legítimo da liberdade de
expressão, conforme definido na jurisprudência vinculante desta Corte".
Ao criticar a encenação da crucificação, o deputado escreveu que, “Ao
ser contrário a esse tipo de ato, não exerce preconceito nem intolerância,
somente a liberdade de expressão e religiosa.”.
O ministro afirma que negar às religiões cristãs o direito a
manifestar juízos de valor com base em seus códigos morais seria o mesmo que
retirar-lhes a essencialidade que as define. A liberdade de expressão, como
aponta a jurisprudência da corte, encontra limites no discurso de ódio contra
grupos historicamente marginalizados. O pluralismo da sociedade exige
tolerância às diversas formas de viver e de pensar. Essa categoria extrema,
entretanto, não pode ser confundida com a mera opinião desfavorável, que
encontra guarida no espaço inviolável da consciência de cada indivíduo. Tolerância,
contudo, não se confunde com concordância forçada, pois, numa democracia,
reserva-se às diversas correntes de pensamento o direito de se contraporem umas
às outras e de expressarem sua desaprovação a determinadas ideias e
comportamentos".
Um julgamento da corte maior do país concluiu sobre a necessidade de enquadramento,
pelo Congresso Nacional, da homofobia e da transfobia, na lei dos crimes de
racismo.
Nesse caso, a Justiça de São Paulo havia baseado a condenação no
entendimento de que o deputado tinha extrapolado o direito à liberdade de
expressão, mas a atual sentença diz que "A conduta ilícita do réu não
se baseia na sua liberdade de manifestação e pensamento, mas sim no fato de
que, com ela, ao fazer associações com outras manifestações, fora do contexto,
reforçando estereótipos, e fomentando a intolerância e discriminação, tudo sob
apelo moral e religioso".
O deputado teria feito associação do ato protagonizado pela atriz com
outras manifestações políticas em que teria ocorrido profanação de símbolos
cristãos, como a "Marcha das Vadias" e a "Marcha da
Maconha", conforme foi citado na
decisão do magistrado.
O magistrado entendeu que a
decisão da segunda instância foi "lacônica" na fundamentação e
não fornece elementos suficientes para categorizar a manifestação do deputado
como abuso da liberdade de expressão.
Em essência, o juiz entendeu que a condenação pelo simples fato de se criticar
pessoa que ridicularizava a imagem de Jesus Cristo seria o mesmo que negar o sagrado
direito da liberdade de expressão, ou seja, todos têm direito de se manifestar
livremente, exatamente no limite que não ultrapasse a tolerância quanto ao
ferimento da dignidade humana.
Enfim, a Justiça consegue decidir à luz dos fatos e não motivada para
agasalhar a ideologia insensível aos princípios religiosos, porque há pessoas
que entendem banalizar, em forma de ridicularização, as figuras sagradas das
principais personalidades do cristianismo.
Ou seja, é importante que as pessoas possam se manifestar, tendo por
base o direito à fundamental liberdade de expressão, nas marchas comemorativas
ou em defesa das suas ideologias, mas, à luz dos princípios do bom senso e da sensatez, esse direito não pode ofender os símbolos
sagrados, por meio da sua transfiguração em forma de deboche e desprezo à sua autoridade,
na tentativa de diminuir o seu valor e a sua grandeza religiosa.
Ainda bem que a Justiça entende que as pessoas têm todo direito de
criticar e repudiar quem menospreza as personalidades sagradas, que são
realmente veneradas justamente por ter conquistado a admiração e o respeito dos
cristãos.
O ideal seria que o direito à liberdade de expressão tenha a mesma compreensão
sobre a necessidade de respeito à crença e à religiosidade das pessoas, de modo
que as manifestações pessoais se harmonizem com os limites da tolerância sadia
e construtiva, com embargo ao ódio e ao sentimento degradante de desprezo aos princípios
de sociabilidade e civilidade.
Brasília, em 19 de dezembro de 2024
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