sexta-feira, 16 de março de 2012

Suprema morosidade

Enfim, a ação que há mais tempo tramitava no Supremo Tribunal Federal sucumbiu aos cinquenta anos de “acurados” exames, recursos, escaninhos, prateleiras... É triste dizer, mas é a pura verdade, a referida ação não mais existe, porque a Excelsa Corte acaba de pronunciar, depois de mais de meio século, três novas Constituições e nove ministros-relatores, seu último veredicto nos autos, que questionava concessões de terras pelo Estado do Mato Grosso no início da década de 1950. Embora os ministros reconhecessem a inconstitucionalidade das concessões de áreas públicas, a maioria preferiu julgar "improcedente" a ação, sob o “sábio” argumento da insegurança jurídica, atualmente em voga, que poderia resultar se fosse declarada a nulidade dos respectivos atos. À época, o caso em tela era polêmico e tornou-se tremendo escândalo nacional, quando, entre 1952 e 1954, foi concedido domínio de terras públicas para pessoas físicas e empresas, contrariando a Constituição vigente. Desta feita, depois e longo tempo, como se este tivesse culpa pela demora do julgamento, quem atropela feio a Carta Magna é o Supremo, que, apesar de considerar irregulares os atos, não teve coragem de decidir em consonância com a sua competência constitucional, preferindo apenas entender, por maioria, que, de fato, houve irregularidade, mas por razões sustentadas nos princípios da segurança jurídica e da boa fé, a ação foi considerada improcedente, pondo fim uma pendência jurídica de relevância que, em tese, deixa de ser analisada sob o prisma da constitucionalidade, sendo privilegiada a razão do clamoroso lapso de tempo transcorrido, desde o ingresso da ação na Justiça. Esse julgamento é incoerente e desrespeitoso sob o prisma dos ditames e princípios constitucionais, porquanto se os ministros reconheceram a irregularidade das concessões, o veredicto correto não deveria ter sido outro senão a procedência da ação, com consequente anulação dos atos concessórios, em harmonia com o primado do Direito, que não permite que algo incorreto possa vir a ser considerado improcedente. Convém asseverar que, com base no princípio da segurança jurídica, não pode haver justificativa para invalidar ato questionado que tenha atingido sua finalidade, sem causar prejuízo a terceiros ou ao interesse público, o que não é o caso julgado, cujos procedimentos foram considerados irregulares. Por sua vez, não deixa de ser lastimável e vergonhosa a demora no exame final da causa, como se a passagem temporal pudesse servir de fundamental motivo para tão incongruente desfecho, que deixa muito evidente a prejudicial morosidade da Justiça brasileira aos interesses demandados e ainda demonstra péssimo exemplo por parte do principal órgão do Poder Judiciário, que, com essa letargia processual, não tem a mínima condição moral de exigir que as demais instâncias judiciárias sejam céleres nos seus julgamentos. Convém que a decisão em comento, claramente desastrosa quanto ao seu desfecho, por ser contraditória, à luz dos princípios constitucionais, e tardia ao máximo tolerável, sirva de primorosa lição para o ilustrado Poder Judiciário, no sentido de que seus julgamentos sejam coerentes com os princípios jurídicos e agilizadas, em benefício da sociedade e do interesse público. Acorda, Brasil!

ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 15 de março de 2012

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