quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Degradação moral

Câmara dos Deputados ignorou a respeitável decisão de um ministro do Supremo Tribunal Federal, que havia determinado o afastamento do mandato de um deputado federal do Estado da Paraíba.
O placar da Câmara mostrou que apenas 170 deputados disseram concordar com o afastamento do citado deputado, mas eram precisos 257 votos, que é a metade mais um da composição daquela Casa, enquanto outros 233 votaram majoritariamente pela permanência do parlamentar em atividade no relevante cargo, tendo havido sete abstenções e ainda 101 deputados ausentes que, deixando de votar, contribuíram para a formação do placar favorável ao político.
Mesmo com a reintegração à Câmara, o parlamentar paraibano deverá responder a processo por quebra de decoro parlamentar, no Conselho de Ética daquela Casa, à vista da sugestão constante do parecer do relator do caso, que foi aprovado, cujo veredicto deverá se encaminhar para igual desfecho vergonhoso, ou seja, pela absolvição de quem se envolveu, sem nenhum escrúpulo, em episódio triste da história político-administrativa de Uiraúna.
Importa se relembrar o indigesto caso referente ao parlamentar paraibano, que culminou com o afastamento dele do cargo por medida cautelar proferida por um ministro do Supremo, em 19 de dezembro último, onde, em cuja decisão, foi argumentado que o mencionado político havia colocado o mandato “a serviço de uma agenda criminosa",
O parlamentar paraibano foi denunciado ao Supremo pela Procuradoria Geral da República, em dezembro recente, em razão da suspeita de ter incorrido nos crimes de corrupção passiva e organização criminosa, em razão de possível desvio de recursos públicos destinados à construção da adutora Capivara, de interesse da prefeitura de Uiraúna, Paraíba.
Como se vê, de nada adiantou o alerta do ministro do Supremo, de que o afastamento do político do cargo era necessário, “tendo em vista o concreto receio de que o deputado poderia se valer do cargo para a prática de crimes.”.
Não se tem elementos para a formação de juízo quanto ao acerto da decisão soberana da Câmara Baixa, mas se pode avaliar a pobreza dos argumentos apresentados pelo relator do caso, vazados nestes termos, verbis: “a decisão monocrática foi tomada às vésperas do recesso parlamentar, o que impossibilitou ao plenário se reunir para decidir sobre a questão. Prerrogativas parlamentares são essenciais em qualquer democracia. Prerrogativas parlamentares não pertencem ao parlamentar, pertencem à democracia. A Câmara não analisa os fatos revelados na investigação criminal, somente o procedimento cautelar de afastamento de um parlamentar.”.
Vê-se, com bastante transparência, o pouco ou nenhum interesse que a Câmara procurou dar à questão de extrema relevância para a moralização da administração pública e a pureza ao exercício dos cargos públicos eletivos.
No caso, os termos do aludido parecer se distanciam do cerne da questão, que diz essencialmente à quebra do decoro parlamentar, com o envolvimento do deputado em organização criminosa, conforme registrado pelo ministro, fato este que é motivo mais do que suficiente para o afastamento do cargo de qualquer agente público, quanto mais em se tratando de ocupante do relevante cargo de deputado federal.
À toda evidência, o deputado tem o dever constitucional e legal para ser lídimo exemplo de moralidade e dignidade no exercício de função delegada pelo povo, em grau bastante elevado de confiança, que precisa ser respeitada com todo ardor, sob pena de ser afastado mesmo, em caso contrário do que houve, por força da comprovação da prática de ato irregular, que é o caso do parlamentar paraibano, à luz das robustas provas constantes dos autos, consistentes de vídeos, fotografias, imagens, delação, confirmando as falcatruas com o envolvimento dele.
As afirmações constantes do parecer do relator do caso não passam de elucubrações sem a menor validade jurídica, ficando à mostra a total ingenuidade de parte de quem dedicou total desinteresse a caso que tem extrema importância para as pretensões de moralização do Brasil.
No fundo, a lamentável decisão em comento só demonstra que, se depender da Câmara dos Deputados, no que diz respeito especificamente à moralidade da administração pública, não há a menor perspectiva de mudança, quando congressistas preferem fechar os olhos para a miserabilidade da corrupção que assola a intimidade da administração pública, na mais vil e autêntica condescendência reafirmada por nobres e ilustres parlamentares, com a mais contundente reafirmação da sua decisão proferida logo no início dos chamados trabalhos do imponente Legislativo brasileiro.
Os próprios deputados deixam muito claro que a sua Casa não passa de perfeito e tranquilo refúgio para criminosos, como demonstrado pelo avantajado quórum da vergonha, representado, nesse caso, por 233 ditos representantes do povo, a despeito de o ministro do Supremo ter afirmado que o deputado, perdoado pela maioria de seus pares, havia colocado o mandato “a serviço de uma agenda criminosa".
Diante disso, pode-se intuir que a concordância com essa lamentável maneira de se proceder condiz com a condescendência com o crime, posto que o mais correto seria concordar com o magistrado, votando em harmonia com a respeitável decisão do Supremo, que se baseou em fatos investigados por órgão das maiores competência e respeitabilidade, que concluiu pela culpabilidade solidária do parlamentar, no caso em apreço, cujo comportamento dele não condiz em nada com as relevantíssimas atividades legislativas, consideradas como sendo das principais da República, que é ultrajada diante da fundada suspeita sobre a prática de atos de corrupção, que são abonados por sua Casa e se desmoraliza.
A questionável decisão expõe a nítida fragilidade de um dos principais órgãos e pilares da República brasileira, que tem o dever constitucional e legal, de ser modelo para o país, em termos do rigoroso cumprimento da sua função institucional de legislar para os brasileiros, quando a maioria dos que participaram da degradante votação disseram sim à convivência com quem tem a denúncia da Procuradoria Geral da República, versando sobre suspeita da prática de ato irregular com recursos públicos, acolhida pelo Poder Judiciário, o que vale dizer, para eles, que o crime compensa sim. 
Embora ainda não se tenha o veredito sobre o caso, mas o afastamento é justamente para que o acusado não faça uso indevido da influência do cargo outorgado pelo povo e tenha condições para mostrar a sua inocência, com possibilidade de reassumir o cargo, com a cara limpa e livre do óleo de peroba, que será obrigado a aturá-lo enquanto não conseguir se desvencilhar da denúncia sobre a prática de corrupção, que deve ser horrível para os homens públicos que têm caráter e prezam a honradez e a dignidade.
Parece não restar a menor dúvida de que o resultado dessa esdrúxula decisão reflete precisamente a vontade predominante na Câmara sobre a tendência corporativista de seus integrantes, sobre o fiel entendimento de que o salvamento de um deputado da degola, agora, pode implicar na recompensa em futuras votações com relação a outros companheiros, fato este que fica muito transparente quando quase a integralidade de alguns partidos aderiu seu apoio ao parlamentar perdoado, garantindo a consolidação do tão abominável e censurável princípio da impunidade, no âmbito do Congresso Nacional, que, ao contrário disso, poderia servir de modelo de moralidade, permitindo que somente pudesse integrar a sua composição homens públicos de reputação moral acima de quaisquer suspeitas.
Infelizmente, os próprios congressistas se encarregam de esculhambar a reputação da sua Casa, por meio de votação extremamente absurda e injustificável, na evidência dessa deplorável decisão, que somente conspira contra a dignidade e a confiança que ela precisa ter dos brasileiros, que foram traídos, mais uma vez, ante a insensibilidade da maioria dos parlamentares que tiveram coragem de mostrar a sua cara em votação degradante.
Gostem ou não, mas a solução para a degeneração política, em abrangência  nacional, tendo por epicentro o Congresso Nacional, conforme evidencia a decisão em causa, depende exclusivamente do povo, que, lamentavelmente, nunca vai aprender a votar corretamente para a escolha de seus representantes, principalmente no sentido da renovação de quem tem o dever institucional de livrar da punição políticos indiscutivelmente envolvidos em casos suspeitos da prática de irregularidades, porque o mínimo de se mostrar dignidade e moralidade públicas seria a votação maciça favorável ao afastamento decidido pelo ministro do Supremo, não deixando que somente aqueles nada preocupados com a cumplicidade e o desleixo moral decidissem em salvar da guilhotina malfeitores e traidores da pátria.
Induvidosamente, a renovação do Congresso Nacional e dos demais representantes na vida pública está na mão do povo, que precisa se conscientizar sobre a sua importante missão de somente delegar o seu poder, por meio do voto, a quem tiver o compromisso de defendê-lo, em fidelidade aos princípios democrático e republicano, com embargo dos homens públicos que não se envergonham nem têm escrúpulo de livrar de punição pessoas suspeitas da prática de atos inquinados de irregularidades, a despeito de que a certeza da imaculabilidade incondicional é a única exigência para a serventia do interesse público.
Brasília, em 6 de fevereiro de 2020 

Nenhum comentário:

Postar um comentário