O
presidente da República vem mostrando atitude bastante peculiar ao manifestar indignação
no que tange aos malfeitos protagonizados por seus assessores, que, a depender da
autoria do deslize, a falha é relevada, com a passagem de mão na cabeça ou, diferentemente
disso, há certamente punição exemplar, com a imediata exoneração e peculiar escracho
pela mídia, para não ficar dúvida sobre a autoridade dele.
Quando
o envolvido no erro for integrante do grupo próximo ao mandatário, a tendência
tem sido, invariavelmente, a concessão do perdão magnânimo, em especial em se tratando
de amigo, familiar ou comungante da mesma cartilha ideológica.
Fora
disso, não há salvação e o destino do assessor pecador tem sido a execração pública
e impiedosa, como lição dura e disciplinar, na forma da perda do cargo.
Os
últimos acontecimentos mostram, com bastante clareza, a firmeza de alguns exemplos
dos dois extremos da reação presidencial, como no episódio que envolveu o então
secretário-executivo da Casa Civil, que foi afastado do cargo após usar aeronave
oficial para o seu périplo a Davos e à Índia, em missões oficiais.
O
motivo principal a exoneração do cargo foi o gasto deveras evitável, porque a viagem
poderia ter sido feita por meio da aviação comercial, muito mais econômica,
como fizeram outros assessores, em circunstâncias semelhantes, mas isso foi o
suficiente para provocar a ira do mandatário, que não perdoou o deslize e mandou
embora o autor desse desatino oficial.
Para
justificar o ato questionado, a assessoria da Casa Civil ainda tentou
esclarecer o fato, tendo lembrado que o uso do avião seguiu as regras previstas
na legislação de regência.
Ou
seja, nesse entendimento, embora inoportuno o uso da aeronave, não houve contrariedade
das normas vigentes, mas o presidente não quis nem saber e enxergou no episódio
excelente oportunidade para mostrar rigor na disciplina, com a coibição de abusos.
Não
obstante, os fatos mostram que o presidente não tem sido pródigo na aplicação
de medida isonômica em relação a casos análogos, em que seu método tem variado
conforme o assessor, a exemplo do uso de aeronave oficial pelo ministro do Meio
Ambiente, para viagem, sozinho, à África, onde iria participar de seminário, cujo
dispêndio foi avaliado na bagatela de cerca de R$ 800 mil, na logística de
transporte.
O
assessor dispensado estava como titular interino da Casa Civil e se fez
acompanhar de três auxiliares, nada disso importou ao caso, porque o critério
aplicado de rigor, neste caso, parece justo, a justificar austeridade nas
despesas públicas, mas se estranha que a mesma régua não sirva para medir
situações análogas, como visto acima.
Não
fica bem para o presidente manter o ministro do Meio Ambiente e exonerar o
ministro em exercício da Casa Civil, quando ambos incorreram em infrações
parelhas, fato este que expõe falta de critério administrativo para a avaliação
sobre fatos da mesma natureza.
Isso
pode denotar errado marketing autopromocional da parte do presidente, que tende
a se desviar da linha justa de julgamento sobre os fatos que estão sob a sua
gestão, que não pode evidenciar disparidade nas suas decisões, em especial
quando se tratar de casos idênticos, onde todos devam ser avaliados e julgados com
base na mesma decisão e no mesmo parâmetro de entendimento, sob pena do
cometimento de injustiça, que precisa ser evitada, em nome da seriedade do governo.
Também
se mostra bastante constrangedor a aparente conivência do presidente com
acusações nebulosas pesando sobre outros assessores próximos dele, que são mantidos nos cargos, em que pese eles estarem
sob investigações policiais, em clara afronta ao decoro, por se referirem a suspeitas
de uso de laranjais ou atuação em flagrante conflito de interesses, dando azo ao
entendimento sob péssimo exemplo de desprezo à gestão da coisa pública.
Em
muitos casos suspeitos de ilicitudes, o presidente prefere não vê nada demais e
sai-se com alguma pérola que imagina ser possível acobertar o que pode conter
graves erros incompatíveis com a administração séria e respeitável, à luz dos
princípios republicanos.
Outro
dia, questionado sobre um desses casos suspeitos de anormalidade na vida
pública, o presidente apenas disse, de forma nada apropriada à seriedade, de
que, verbis: “se for ilegal, a gente vê lá na frente”, resposta
essa que não condiz com o perfil de estadista que precisa ter capacidade para decidir conforme a situação de
momento, sem essa de deixar para avaliá-la posteriormente, em clara demonstração
de incompetência e irresponsabilidade, quando se sabe que a gestão dos negócios
públicos não admite questionamento sem imediata resposta, à luz dos princípios da
legalidade e da transparência.
Salta
aos olhos, como fato estarrecedor, o cristalino apadrinhamento ao titular do
Turismo, que é alvo de investigações por suspeita de seu envolvimento em
esquemas de candidaturas laranjas, que são objeto de diligências por parte da
Polícia Federal e do Ministério Público, cujo cerne da acusação giza no
possível desvio de verbas eleitorais e na formação de organização criminosa, suspeitas
essas da maior gravidade, sob o prisma da moralidade pública e dos princípios
republicanos.
Em
um país com o mínimo de seriedade e evolução, em termos de moralidade republicana,
pessoa envolvida sob essas suspeitas é imediatamente exonerada do cargo e colocada
em quarentena até a conclusão do julgamento quanto à culpabilidade ou não.
Não
obstante, o ministro do Turismo brasileiro, que responde a investigações sobre
possíveis irregularidades com dinheiro público, continua tranquilamente no
cargo, como se nada tivesse ocorrido de grave, apenas dando a entender que, se
houver ilegalidade, isso será resolvido no futuro, mostrando a verdadeira face
de governo que se perdeu quanto às juras de perseguição à moralização da administração
pública, a despeito das estonteantes promessas entoadas na campanha eleitoral.
Não
dúvida de que a relação de servidores suspeitos de envolvimento em malfeitos
ultrapassa em muito o limite do tolerável, ou seja, nenhum, porque governo sério
e respeitável não pode tolerar a permanência no cargo de alguém sendo
investigado por suspeita da prática de ato inquinado de irregular, mas isso, na
prática, não vem sendo observado no atual governo, conforme mostram os fatos.
À
toda evidência, na atualidade, o poder central do país convive com visível e em
completo desconforto, tendo alguns ministros sob investigação, inclusive um deles
condenado, e outra parcela de importantes assessores na mesma situação incômoda,
à luz do salutar princípio da moralidade, que não tolera qualquer mácula na
gestão pública.
Há
sim sério risco de o governo ser contaminado com o vírus pernicioso dessa
inadmissível condescendência palaciana, por não haver a menor plausibilidade a
prática de dois pesos e duas medidas, em casos análogos, que vem sendo aplicada,
sistematicamente, de forma desleixada e insensata, pelo presidente da República,
em clara demonstração da fragilidade da escala de valores e princípios utilizada
por ele, que deveria seguir exclusivamente única linha retilínea de julgamento,
em benefício e consonância com os princípios democrático e republicano.
Brasília,
em 5 de fevereiro de 2020
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