sábado, 15 de junho de 2024

Desmoralização

 

Conforme vídeo que circula nas redes sociais, um importante juiz da corte maior brasileira, em tom de indignação, descreve um país atolado na imundície da corrupção, da desonestidade e da desmoralização, envolvendo o desvio de dinheiro público, em verdadeira banalização da excrescência que envergonha os brasileiros honrados e dignos, conforme o texto a seguir.

“Eles merecem consideração e respeito. Eu gostaria de dizer que eu ouvi o áudio. Tem que manter isso aí, viu? Eu quero dizer que eu vi a fita. Eu vi a mala de dinheiro. Eu vi a corridinha, na televisão. Eu li o depoimento de Yussef. Em li o depoimento de Funaro. Portanto, nós vivemos uma tragédia brasileira. Tragédia da corrupção que se espraiou de alto a baixo, sem cerimônia. Um país em que o modo de fazer política e negócios funciona assim: o agente político relevante escolhe o diretor da estatal ou o ministro com cotas de arrecadação e o diretor da estatal contrata em licitação fraudada a empresa que vai superfaturar a obra ou o contrato público, para depois distribuir dinheiros e aí não faz diferença se foi para o bolso ou se foi para a campanha, porque o problema não é para onde vai. O problema é de onde vem. É a cultura da desonestidade que se cria de alto a baixo, com maus exemplos, em que todo mundo quer levar vantagem. Todo mundo quer passar os outros para trás. Todo mundo quer conseguir o seu, sem mencionar as propinas para financiamentos públicos. Tudo documentado. Portanto, são diferentes visões da vida e do país. Mas eu acho que não há uma investigação irresponsável. Eu acho que há um país que se perdeu pelo caminho. Naturalizou as coisas erradas e nós temos o dever de enfrentar isso e de fazer um novo país, de ensinar as novas gerações que vale a pena ser honestos, sem politivismo, sem vingadores mascarados, mas também sem achar que ricos criminosos têm imunidade, porque não tem.”.

A mencionada autoridade foi bastante clara, objetiva e convincente, ao afirmar que viu a esculhambação generalizada, sistêmica e endêmica, tendo lido depoimentos de pessoas envolvidas na roubalheira, reconhecido que o país vivia dominado por verdadeira tragédia e mostrado o modus faciendi do desvio de dinheiro dos cofres públicos, em que a palavra de ordem era a cultura da desonestidade que se espraiava na gestão de recursos públicos, que eram desviados à luz do dia, conforme foi tudo comprovado e documentado.

O juiz reconhece que o Brasil foi literalmente desviado do caminho da seriedade e da moralidade, à vista da necessidade da observância dos fundamentais princípios republicanos e democráticos, tendo ingressado em verdadeiro mar de lama, pela prática da corrupção sem limites, segundo ele.

Sim, era preciso que alguém com a inteligência e a experiência do juiz viesse a público, ainda em 2018, para o reconhecimento da deplorável situação imposta à gestão pública, por perigosa organização criminosa, que conseguiu desviar para fins espúrios montanha de dinheiro, cuja quadrilha, infelizmente, terminou, mesmo assim, ficando totalmente impune, inclusive merecendo o prêmio de voltar ao governo, tempos depois, justamente com o respaldo do órgão que agora é comandado por esse juiz, fato este que evidencia claro desprezo aos comezinhos princípios republicanos e democráticos.

Ou seja, não bastaram o reconhecimento da roubalheira por autoridades públicas, a comprovação do desvio de dinheiro de cofres públicos e a devolução de recursos subtraídos dos brasileiros, para a principal corte a que pertence o mencionado juiz habilitar o político mais sujo da face da Terra, em termos de desonestidade, à vista das condenações dele pela Justiça, pela comprovada prática dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, em razão do beneficiamento indevido de dinheiro público por esse político.

Esses fatos seriam mais do que suficientes para incompatibilizar pessoa maculada, na vida pública, com atividades políticas, quando ela sequer pudesse se candidatar a cargo público eletivo, diante da exigência dos requisitos de conduta ilibada e idoneidade moral, que são essenciais perante a administração pública.

Infelizmente, não se compreende com base em quais parâmetros as autoridades públicas, que antes reconheciam e recriminavam, com veemência, a gravidade de atos criminosos, que causaram enormes  prejuízos ao Brasil pela organização criminosa, com base em desvio de imensuráveis quantias de dinheiro, tendo, depois,  de forma inexplicável e injustificável, resolvido fechar os olhos para a obrigatoriedade, na administração pública, dos salutares princípios da moralidade, da dignidade, da honestidade, do decoro, da competência e principalmente da responsabilidade perante a integridade do patrimônio dos brasileiros.

Essas autoridades que antes abominavam e recriminavam os desvios do dinheiro público, tudo documentado, agora, não têm o menor escrúpulo em conviverem amistosa e alegremente com as lideranças da organização criminosa que patrocinou a maior roubalheira de bilhões de reais e ainda foram beneficiados pela impunidade e pelo recebimento de volta do dinheiro sujo devolvido voluntariamente por seus integrantes aos cofres públicos, ante o reconhecimento que ele era realmente indevido.

Como não houve, por parte da organização criminosa, qualquer comprovação de inocência nem tão pouco da regularidade sobre os atos inerentes aos recursos desviados indevidamente, ou seja, as práticas caracterizadoras da roubalheira em causa, fica demonstrado de forma indelével, a falta de caráter de todos aqueles que fecharam os olhos para os vergonhosos crimes contra o patrimônio dos brasileiros, permitindo a devassidão moral que foi imposta ao Brasil.

Por via de consequência, isso tem o condão de se firmar o entendimento segundo o qual essas autoridades hão de passar para a história republicana como autênticos cúmplices com essa deplorável dilapidação dos cofres públicos, em especial por contribuírem para a volta ao poder de político que não conseguiu provar a sua inocência nem comprovar os requisitos de conduta ilibada e idoneidade, na vida pública, que são exigências fundamentais na administração pública, em se tratando de país minimamente sério, em termos politicamente civilizados e democráticos.

Um país com o mínimo de dignidade e princípios jamais aceitaria ser comandado por político destituído de moralidade pública, estando sob suspeita de ter se beneficiado indevidamente de recursos públicos e nada comprovar em contrários às acusações contra ele.

Nesse caso, caberia justamente às autoridades públicas o dever de não permitirem que tamanhas desmoralização e indignidade fossem ignoradas, porque isso tem o condão de confirmar completo desprezo aos saudáveis princípios republicanos e democráticos, à vista da imperiosa necessidade da maculabilidade perante a administração pública.

Nessas condições, mesmo que se alegue que o principal cargo do país tenha sido conquistado pela via democrática, em eleição pública, fica o questionamento sobre a imaculabilidade do candidato eleito, que não conseguiu preencher os requisitos de conduta ilibada e idoneidade, na vida pública, como normal exigência de princípios essenciais na administração pública.

Por último, não se pode olvidar que a excrescente situação arranjada para se colocar no poder pessoa sem a devida qualificação moral, em termos politicamente falando, deve-se também ser atribuída a parte expressiva do povo, que não se envergonhou de apoiar, com o seu voto, quem deveria ser revestido dos princípios da dignidade, da moralidade e da maculabilidade, em condições normais de representar a honradez dos brasileiros.    

Enfim, nesse caso, não importando as circunstâncias, pode-se invocar o provérbio segundo o qual o povo tem o governo que bem merece, principalmente por se conformar passivamente com a verdadeira desmoralização de ser presidido por quem não consegue comprovar os requisitos de conduta ilibada e idoneidade, na vida pública.                  

Brasília, em 15 de junho de 2024

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