sexta-feira, 12 de setembro de 2025

A condenação

 

A corte maior do país condenou o último ex-presidente brasileiro a 27 anos e 3 meses de prisão, no processo que se refere à suposta tentativa de golpe de Estado e outros crimes.

Do total da pena, 24 anos e 9 meses se referem à reclusão, que exige o cumprimento em regime fechado e o restante diz respeito à detenção, com cumprimento em regime semiaberto ou aberto.

Como a pena total é superior a 8 anos, o ex-presidente será obrigado a começar a cumpri-la em regime fechado, mas somente depois do processo transitar em julgado, ou seja, após o esgotamento dos recursos cabíveis.

Por conta do efeito da Lei da Ficha Limpa, o ex-presidente fica inelegível por 8 anos, após o cumprimento da pena.

O Ministério Público mencionou que o ex-presidente tentou derrubar a democracia e impedir a posse do presidente do país, embora não tenha nada que comprove nada disso, salvo narrativas inconsistentes.

A citada corte concluiu que o ex-presidente é culpado pela prática de cinco crimes, a saber: tentativa de golpe de Estado; tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito; organização criminosa armada (sem a comprovação de nenhuma arma); dano qualificado contra patrimônio da União; e deterioração de patrimônio tombado.

Todos esses demoníacos crimes estão devidamente descritos no voto do relator do processo e devidamente imputados à autoria do político, como realmente tendo ele os praticado e assim causado os danos a que eles representam, tanto assim que a dosimetria das penas foi aplicada em razão dos “estragos” decorrentes da prática dos crimes, que resultaram em 27 anos e 3 meses de prisão, para a forma da reparação penal.

Impende mencionar que a principal ideia ou teoria do que seja crime, na forma prevista na legislação penal, condiz com o fato socialmente danoso, que causa ou resulte prejuízo à sociedade como um todo ou particular.

Existe a teoria jurídica segundo a qual a culpabilidade não deve ser baseada apenas na intenção do autor do crime, mas também no resultado do ato danoso praticado, ou seja, compreende-se que pode haver pena sim pela intenção do crime, mas jamais por sua plena extensão, como se o crime tivesse sido consumado na sua integridade.  

Ou seja, a culpa pelo crime é configurada, necessariamente, quando o comportamento criminoso tenha causado resultado proibido e danoso à sociedade.

Acreditava-se que a aplicação da pena precisava ser levada em conta a necessidade da reparação da lesividade à sociedade, nesse caso imputado pessoalmente à autoria do ex-presidente.

Alguém tem conhecimento dos danos pessoalmente causados pelo ex-presidente à sociedade ou ao Estado?

É inacreditável, por não haver a consistência jurídica, que alguém seja condenado pela imputação da autoria dos crimes da maior gravidade, como os da tentativa de golpe de Estado; tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito; organização criminosa armada (em a existência nenhuma arma); dano qualificado contra patrimônio da União; e deterioração de patrimônio tombado, sem que esteja comprovada a sua participação ativa dele, com capacidade efetiva de lesividade a absolutamente nada nem ninguém.

É até provável que em casos de menor gravidade, o político possa ter tido alguma participação, mas, ao final, não resultou absolutamente nenhum dano praticado pessoalmente por ele, ante a completa ausência de prejuízo causado a alguém.

Esse fato por si só até poderia ensejar alguma forma de punição, no máximo, em forma de advertência ou alerta, à vista da relevância do cargo ocupado por ele, mas a pena de prisão parece fora do padrão compatível com a gravidade do delito não efetivado por ele, mas apenas intencionado, nos casos do seu conhecimento.  

Pois bem, na interpretação da maioria da turma julgadora, a penalidade aplicada corresponde ao delito praticado pelo político, que, aliás, essa sanção  não teve o acompanhamento de um juiz, que considerou improcedentes as acusações contra ele.

O relatório-voto desse juiz diverge diametralmente do entendimento da turma, ao defender a anulação do processo contra o político, por considerar a incompetência constitucional e absoluta da corte, além de apontar cerceamento de defesa e outras gravíssimas irregularidades.

Em síntese, o juiz divergente dos demais disse o seguinte:

Os réus desse processo, sem nenhuma prerrogativa de foro, perderam os seus cargos muito antes do surgimento do atual entendimento. O atual entendimento é recentíssimo, deste ano”.

“A minha primeira preliminar, ela anula completamente o processo por incompetência absoluta”.

“Salta aos olhos a quantidade de material comprobatório apreendido. Foi um verdadeiro ‘tsunami de dados’, bilhões de páginas entregues às defesas em prazo exíguo”.

“O juiz deve acompanhar a ação penal com distanciamento, não apenas por não dispor de competência investigativa ou acusatória, como também pelo necessário dever de imparcialidade”.

“Um acusado não pode ser responsabilizado por um dano provocado por terceiro. Especialmente se não houver a prova de qualquer vínculo ou determinação direta”.

“Aqui reside a maior responsabilidade da magistratura: condenar quando há certeza e, o mais importante, humildade para absolver quando houver dúvida”.

“A denúncia não narrou, em qualquer trecho, que os réus pretendiam praticar delitos reiterados de modo permanente, como exige o tipo de organização criminosa”.

“Ao rebaixar a competência original do plenário para uma das turmas, estaríamos silenciando as vozes de ministros que poderiam esterilizar a forma de pensar sobre os fatos”.

“A prerrogativa de foro sofreu inúmeras modificações. Houve certa banalização dessa interpretação constitucional”.

O resumo de fatos importantes apontados acima mostra o total desprezo dos demais juízes aos sagrados princípios constitucionais de necessária e estrita observância em casos que tais, servindo de denúncia de desprezo à verdade, à legitimidade e principalmente à segurança jurídica, princípios estes que jamais podem ser ignorados em país com o mínimo de seriedade, em termos republicanos e democráticos.

A propósito desse julgamento, um juiz aposentado da corte afirmou que o voto do juiz divergente é “memorável” e permanecerá nos anais da corte, por se tratar de  voto tecnicamente afinado com o Direito, a par de também dizer que foi exposto nele a clareza do problema jurídico central do caso, ao sugerir que o processo fosse julgado pelo plenário, tendo considerado que o voto “desvelou de forma cristalina os limites legais da Corte e deverá servir como referência futura.”.

Diante constatação, resta a perplexidade de os quatro outros julgadores não enxergarem qualquer anomalia no processo, dando por tudo muito correto, o que demonstra algo errado e questionável, à luz dos princípios da verdade e da regularidade, fato que parece muito estranho, em se tratando da principal corte do país.

Enfim, na minha modesta opinião, evidentemente na avaliação leiga, a condenação à prisão do ex-presidente é mais do que injusta, à vista da indevida utilização do padrão político, embora ela tenha o condão de mostrar, quer queira ou não, com muita precisão e em forma de síntese, o conjunto dos desvios de conduta protagonizados por ele, em gestão carregada de muita polêmica e sobressaltos.

Tratava-se de governo que descurou do seu foco central, na essencialidade das funções do verdadeiro estadista, onde prevaleceu a promiscuidade em muitas discussões absolutamente desnecessárias e injustificáveis com integrantes de outros poderes da República, fazendo o jogo de interesses deles.

O certo é que o político não teve a sensibilidade nem a expertise para perceber que teria caído em teia de aranha que ele se metia ingenuamente, cujo caminho o levaria ao completo suicídio, desaguando justamente na tragédia que se encontra ele e o país.

A história mostra que faltou experiência política sobre a real finalidade do verdadeiro estadista, quando ele esteve muito mais focado nos seus projetos políticos, não se preocupando em nenhum momento com a pacificação do país, mas sim em mostrar autoridade e poder, tudo na tentativa de conquistar popularidade, cujas atos errôneos contribuíram para a tragédia que ele, o Brasil e os brasileiros estão mergulhados muito além dos limites de todas e piores gravidades.

Caso houvesse o mínimo de inteligência política, seria possível enxergar que a presente prisão devolve ao ex-presidente do país, embora muito tarde, porque ela sepulta de vez a sua carreira política, a possibilidade de ele refletir sobre todo o seu governo, para o fim de que era necessário tão somente o empenho, com competência, eficiência e responsabilidade, dos assuntos estritamente de incumbência do estadista, com os cuidados apenas das atribuições inerentes ao poder Executivo.

Brasília, em 12 de setembro de 2025

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