segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Indesejável reportagem

Quando já se imaginavam que o tanto de vídeos já mostrados pela mídia seria suficiente para evidenciar o rastro da explícita fragilidade moral de políticos, eis que vêm a público novos vídeos, divulgados ontem, em extensa reportagem da lavra do Fantástico da Rede Globo, contendo outros flagrantes sobre pagamento de propina.
Os aludidos vídeos mostram esquema de corrupção em franco e descarado desvio da já escassa verba pública, perpetrado mediante o pagamento de propinas e fraude em licitação para a execução de obras a cargo da Prefeitura Municipal de Uiraúna.
Segundo o artigo publicado pelo site G1, a referida irregularidade aconteceu, verbis: “num município pobre e que sofre com um problema crônico de falta de água. Justamente em obras que poderiam solucionar a falta de água da região, onde os açudes estão praticamente secos.”.
A reportagem disse que o Fantástico esteve em Uiraúna, “conversou com moradores pobres que sofrem com a falta de água, e apresentou detalhes do esquema. Enquanto a dona de casa Libéria de Santana, por exemplo, consome água de má qualidade, suja, porque nem chega água potável em sua casa nem ela tem dinheiro para comprar água limpa proveniente de poço, os políticos desviam recursos públicos destinados justamente à solução do problema da escassez de água.”.
O Fantástico chamou a atenção para o fato de que as pessoas envolvidas nesse imbróglio serem políticos acostumados ao exercício do poder local, sendo que o prefeito é mais conhecido, já estando em seu quinto mandato não consecutivos como prefeito do município de cerca de 15 mil habitantes, enquanto o deputado está no seu terceiro mandato na Câmara dos Deputados.
Segundo a Polícia Federal, o esquema era comandado por empresário dono de construtora que já realizou duzentas obras públicas e que, no caso em causa, em troca de propina, ele teria sido beneficiado pela Prefeitura de Uiraúna, tendo vencido licitação fraudulenta.
Conforme a referida reportagem, a defesa do deputado alega que ele nunca recebeu propina, também não tem conhecimento de que seus assessores tenham recebido e que “O deputado tem total interesse no esclarecimento desses fatos até para que ele possa comprovar a sua inocência. E demonstrar que o delator tão somente está fazendo essas acusações para auferir os benefícios da delação premiada”, esquecendo a defesa de que esta é forma legal instituída justamente para beneficiar o delator, cuja menção a esse instituto só complica a situação do acusado, ao invés de contribuir para a sua inocência.
Os advogados do empresário delator disseram que ele decidiu “colaborar com a justiça para corrigir condutas avaliadas como ilícitas”.  
A defesa do prefeito informou que só se manifestará após conhecimento e análise da denúncia.
Não há a menor dúvida de que é realmente de cortar coração assistir ao programa Fantástico da rede Globo e se surpreender com reportagem gravada exclusivamente na querida Uiraúna e logo acerca de horroroso esquema de corrupção, na cidade que meu coração mais ama, por ser meu honrado berço e de tantos homens dignos, sensatos e, sobretudo, extremamente honestos, incapazes de trair, de qualquer maneira, o carinho e a confiança de seus conterrâneos.
Realmente, foi com muita tristeza no coração que vi o Brasil inteiro ficar sabendo que dois nobres homens e lídimos representantes do povo de Uiraúna se tornarem, segundo as provas mostradas pela imprensa, capazes de cometer o vil crime, ao mesmo tempo, da infidelidade popular, da desonestidade e da imoralidade, em troca de algo praticamente irrisório, porque não é o valor em si, muito ou pouco, que faz o político perder a dignidade, o respeito e a confiança depositada nas urnas, justamente porque a sua conduta ilibada, o seu caráter e a sua correção precisam estar sempre acima de quaisquer suspeitas, quanto mais diante da realização de obra pública emergencial e prioritária, em benefício da população.
Trata-se, induvidosamente, de verdadeira tragédia para o povo honrado de Uiraúna, que é berço de filhos ilustres com histórico de sempre desempenharem cargos públicos da maior ou menor importância na administração pública brasileira e jamais e em momento algum haver notícia de que ninguém tivesse locupletado de dinheiro sujo, que tivesse por finalidade a aplicação em projeto de relevância para sociedade.
Diante da gravidade dos fatos havidos, tudo indica que as pessoas envolvidas nesse triste episódio hão de passar para a história como os primeiros filhos de Uiraúna que tiveram a sua honra manchada por desvio de dinheiro do contribuinte, ficando o sinete da imaculabilidade marcado, de forma indelével, nos seus nomes como sendo aqueles que tiveram seu momento de fraqueza moral e, o pior, por suas próprias iniciativas, mesmo sabendo do alto risco de revelação, como de fato foi o que realmente aconteceu, infelizmente.
A verdade é que esses cidadãos conseguiram jogar na lama as suas grandiosas carreiras políticas, construídas ao longo de suas vidas, mesmo que sob a égide do devido processo legal, inclusive do julgamento judicial para o cumprimento da formalidade dos autos, para mera comprovação dos atos ilícitos, porque certamente as suas consciências falam eloquentemente por suas traquinagens e ainda que precisarem de algum adjutório, nesse sentido, os vídeos e as fotografias coligidos pela Polícia Federal, que foram amplamente divulgados pelos meios de comunicação, podem servir para o avivamento de suas lembranças nebulosas.
É evidente que, até se pode alegar, nesse caso, diante dos agravantes de peso, mostrados à saciedade, que os envolvidos têm o direito constitucional da ampla defesa e do contraditório, o que não deixa de ser verdade, em termos de argumento, mas eles terão muita dificuldade em convencer a Justiça em contrário dos acontecimentos, porque os fatos falam por si sós e eles possivelmente não devem encontrar álibi perfeito à sua inocência, à vista, repita-se, de as fotografias e os vídeos que os incriminarem mortalmente, por mostrarem fatos praticamente consumados do crime.
Por seu turno, não se pode ignorar o sentimento de apoio aos envolvidos nesse deprimente episódio, porque isso pode até ser compreensível no âmbito familiar, de amizade ou mesmo de conveniência ou interesse diverso, mas é preciso também que essas pessoas sintam e entendam a perplexidade sobre o fato, por parte daqueles que não concordam, por princípios, de maneira alguma, com o desvio de dinheiro público, considerando que a gestão de verbas orçamentárias exige a rigorosa observância dos princípios da administração pública, no que diz respeito à ética e à moralidade.
Do mesmo modo, é preciso que fique muito claro que a discussão da questão em comento cinge-se exclusivamente ao fato irregular em si, por ser absolutamente inusual e anormal na gestão de recursos públicos, quando o correto é a estrita observância aos princípios da legalidade, da correção, na aplicação de verbas públicas, conquanto ficam preservados outros atributos dos envolvidos sobre a sua vida particular, porque eles são diferentes da vida pública, das atividades próprias da política que condizem à necessidade da satisfação de interesse público, o que é distinta das atividades particulares.
Ou seja, nesse caso, o que está em jogo e tem objeto de específica  investigação é o ato inquinado ou suspeito de irregular, que veio à tona, por força de investigação promovida por autoridade constituída legalmente, sem qualquer interferência com a integridade pessoal inerente às atividades particulares dos envolvidos, o que vale dizer que, se eles conseguirem provar a sua inocência, restabelece-se o direito à plena moralidade também quanto ao exercício das atividades públicas.      
Enfim, é bastante lamentável que essa triste reportagem do Fantástico tenha sido veiculada exatamente no mesmo dia, embora tempos depois, do encerramento das festividades em homenagem à Padroeira de Uiraúna, que bem merecia notícia de cunho muito mais dignificante, consentâneo com a sua grandeza histórica de honradez e acatamento aos princípios e às condutas inerentes aos deveres cívicos. 
          Brasília, em 13 de janeiro de 2020 

Nenhum comentário:

Postar um comentário