terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Repúdio à insensatez

O presidente do Supremo Tribunal Federal concedeu liminar, autorizando a exibição do "Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo", que havia sido suspensa por desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. 
O presidente disse, na decisão, em defesa da sua tese, que "Não se descuida da relevância do respeito à fé cristã (assim como de todas as demais crenças religiosas ou a ausência dela). Não é de se supor, contudo, que uma sátira humorística tenha o condão de abalar valores da fé cristã, cuja existência retrocede há mais de 2 (dois) mil anos, estando insculpida na crença da maioria dos cidadãos brasileiros".
Ao suspender a exibição do aludido especial, o desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro havia afirmado que “O direito à liberdade de expressão, imprensa e artística, não é absoluto.”.
A Netflix ajuizou reclamação afirmando que “a decisão proferida pelo TJ-RJ tem efeito equivalente ao da bomba utilizada no atentado terrorista à sede do Porta dos Fundos: silencia por meio do medo e da intimação”.
Ainda de acordo com o serviço de streaming, “a verdade é que a censura, quando aplicada, gera prejuízos e danos irreparáveis. Ela inibe. Embaraça. Silencia e esfria a produção artística.”, sem atentar que o humorismo não pode fazer uso de imagem sagrada, como motivação principal, porque isso é violação do direito da crença religiosa. 
Percebe-se, pela decisão do presidente do Supremo, que ele teria se debruçado longamente sobre a temática, ressaltando “a plenitude do exercício da liberdade de expressão como decorrência imanente da dignidade da pessoa humana e como meio de reafirmação/potencialização de outras liberdades constitucionais”, embora nada disso se aplica aos próprios ministros daquela casa, conforme se vê mais adiante, em caso analisado, além de ter ignorado o direito à crença, onde os cristãos foram afrontados com a ridicularização da imagem de Jesus Cristo.
Inicialmente, o presidente do Supremo disse que, ao decidir em outro caso, teria consignado que “a liberdade de expressão, condição inerente à racionalidade humana, como direito fundamental do indivíduo e corolário do regime democrático, destacando que (...) o regime democrático pressupõe um ambiente de livre trânsito de ideias, no qual todos tenham direito a voz. De fato, a democracia somente se firma e progride em um ambiente em que diferentes convicções e visões de mundo possam ser expostas, defendidas e confrontadas umas com as outras, em um debate rico, plural e resolutivo. Nesse sentido, é esclarecedora a noção de ‘mercado livre de ideias’, oriunda do pensamento do célebre juiz da Suprema Corte Americana Oliver Wendell Holmes, segundo o qual ideias e pensamentos devem circular livremente no espaço público para que sejam continuamente aprimorados e confrontados em direção à verdade. Além desse caráter instrumental para a democracia, a RCL 38782 MC/RJ liberdade de expressão é um direito humano universal – previsto no artigo XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948 –, sendo condição para o exercício pleno da cidadania e da autonomia individual. A liberdade de expressão está amplamente protegida em nossa ordem constitucional. As liberdades de expressão intelectual, artística, científica, de crença religiosa, de convicção o filosófica e de comunicação são direitos fundamentais (art. 5º,incisos IX e XIV) e essenciais à concretização dos objetivos da República Federativa do Brasil, notadamente o pluralismo político e a construção de uma sociedade livre, justa, solidária e sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, incisos I e IV).(...).”.
Nessa linha de entendimento, ele disse que o Supremo, ao julgar ADI, ficou assente que “O direito fundamental à liberdade de expressão não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias (...)”.
O presidente do Supremo mencionou trecho da decisão da primeira instância, onde consta que (...) a circulação do trabalho de humor e sátira se dá apenas através do streaming e em locais cujo acesso é voluntário e controlado, de modo que o poder de censura fica nas mãos de cada pessoa isoladamente”.
Em conclusão, ele entende que “a preocupação com a manutenção dos valores que (a Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura) entende caros podem ser protegidos pelos que detêm o poder familiar, o poder de tutela e curatela, enfim, por todos aqueles que estão de algum modo na posição de garantidor e mantenedor destes valores. Quanto aos demais, aos maiores, capazes, caber-lhes-á a reflexão crítica, ou o repúdio e o desprezo, dentre as múltiplas possibilidades (...)”.
Vê-se, nitidamente, que o discurso da pureza da liberdade de expressão tem outra conotação quando há denúncia de membros do Supremo Tribunal, em que são totalmente ignorados os termos constitucionais interpretados por seu presidente, a exemplo de decisão de um ministro daquela corte, que determinou, em 15/4/2019, que “a revista Crusoé e o site O Antagonista retirassem do ar textos que associam, indevidamente, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, à Odebrecht.”, ficando claro que a liberdade de expressão havia sido interrompida por decisão do Supremo, já que aqueles órgãos de comunicação apenas havia retransmitido informações de outro meio de imprensa, cujo fato fazia parte de investigação oficial.
O ministro entendia que a plena proteção constitucional da exteriorização da opinião não significa a impossibilidade posterior de análise e responsabilização por eventuais informações injuriosas, ou seja, ele já parte do pressuposto de que se trata de injúria, quando a apuração dos fatos ainda sequer havia sido concluída, o que se permitia, enquanto isso, livre menção aos acontecimentos, sem nenhuma forma de cerceamento, diante do direito da liberdade de expressão tão magnificamente defendida pelo presidente do Supremo.
A decisão em causa corresponde ao entendimento de ministros do Supremo de que é preciso conter a onda de notícias fraudulentas geradas pelo "lavajatismo", com o objetivo de insuflar a opinião pública contra ministros que anulam decisões ilegais, mas isso contraria a liberdade de expressão defendida abertamente pelo presidente da corte.
Na decisão, o ministro afirma que a proteção constitucional à liberdade de imprensa não impede a responsabilização posterior por eventuais informações injuriosas, difamantes, mentirosas e em relação a eventuais danos materiais e morais.
O ministro disse, na ocasião, que "Os direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas", o que é verdade, mas isso é questão à parte da liberdade de expressão, que foi negada àqueles meios de comunicação, obviamente para a preservação da imagem de membros daquela casa.
Dessa maneira, segundo o ministro, eventuais abusos que possam ter ocorrido no exercício da liberdade de expressão são passíveis de exame e apreciação pelo Poder Judiciário, com a cessação das ofensas e direito de resposta. 
O texto publicado pela revista Crusoé e reproduzido pelo site O Antagonista, referia-se à troca de mensagens entre executivos da Odebrecht, onde, no diálogo, alguém perguntava a outra pessoa se o dono da Odebrecht falou ou falaria com um "amigo do amigo".
Já em outro trecho, o contato é descrito como uma "negociação" (A troca de mensagens não informa se alguém falou com essa pessoa, ou o que foi dito), mas, segundo a revista, o então presidente da Odebrecht afirma que "amigo do amigo de meu pai é Dias Toffoli”, que à época era advogado-geral da União, fato esse que precisa ser esclarecido para a sociedade, por envolver agente público, mas houve a censura do Supremo e o assunto foi encerrado.
Em que pese a Procuradoria Geral da União ter desmentido a notícia, afirmando não ter recebido o documento aludido pela revista, esta esclareceu e afirmou, em nota, que: "Crusoé reitera o teor da reportagem, baseada em documento, e registra o contorcionismo da decisão, que se apega a uma nota da Procuradoria Geral da República sobre um detalhe lateral e a utiliza para tratar como "fake news" uma informação absolutamente verídica, que consta dos autos da Lava Jato".
Ou seja, diante da denúncia contra o presidente do Supremo, à luz do primado da liberdade de expressão, não seria caso de proibição da divulgação do fato em sim, mas sim de se determinar, ao contrário, que houvesse aprofundamento das investigações, para se mostrar a verdade, com a divulgação dos resultados, não importando as suas consequências, eis que o presidente do Supremo reafirma que “a democracia somente se firma e progride em um ambiente em que diferentes convicções e visões de mundo possam ser expostas, defendidas e confrontadas umas com as outras, em um debate rico, plural e resolutivo.”.
É preciso lembrar de que, segundo o próprio envolvido nesse caso, a liberdade de expressão faz parte do regime democrático, embora não com relação a esse lamentável caso, que teria melhor desfecho caso ele tivesse interesse em esclarecê-lo nos mínimos detalhes, inclusive tendo por finalidade a limpeza do seu nome, que permanece ao meio das nuvens escuras, enquanto os fatos pertinentes não forem devidamente esmiuçados e passados a limpo, porque é exatamente assim que se procede na democracia bravamente defendida por ele, porém, por óbvio, em relação aos outros casos.
Por seu turno, até parece fácil e banal defender o envolvimento de Jesus Cristo em peça artística, visivelmente mostrando outra face falseada e absurda dele, em situação diametralmente contrária à sua real personalidade de dignidade e de respeito aos princípios que serviram de base para a edificação da Igreja Católica, com inspiração na alegada liberdade de expressão, o que demonstra total falta de assuntos importantes para serem trabalhos sob atividade artística, quando se sabe da riqueza em profusão de tantos assuntos que podem muito bem ser trabalhados sem necessidade do envolvimento da pessoa do maior líder religioso dos brasileiros.
É curioso que esse mesmo sábio autor da questionada peça, envolvendo o Salvador do mundo, não tenha ainda pensado em explorar o mesmo tema, tendo em conta igual argumento da liberdade de expressão, para a promoção de obra artística colocando como principal personagem outros líderes diferentes da Igreja Católica, como no caso do islâmica, em condições similares às que serviram de base para o filme em questão, tendo por argumento possível configuração da transformação da imagem séria, carismática e respeitável de Jesus Cristo, sob o argumento do pleno direito do pensamento livre, que se dizem assegurado pela Constituição brasileira.
Não há a menor dúvida de que “a liberdade de expressão, condição inerente à racionalidade humana, como direito fundamental do indivíduo e corolário do regime democrático, destacando que (...) o regime democrático pressupõe um ambiente de livre trânsito de ideias, no qual todos tenham direito a voz.”, mas é preciso que essa preciosa liberdade não se intrometa, por questão de supremacia em outras liberdades igualmente importantes e do mesmo nível das outras, como direito consagrado da crença religiosa, também assegurada pela Constituição, que foi absolutamente ignorada na análise do presidente do Supremo, liberdade que tem o sentimento de algo sagrado, que não pode se confundir com mero humorismo sarcástico e pernóstico, desprezível e destrutivo da imagem de líder religioso respeitadíssimo pelos cristãos e por pessoas sensatas.
Onde estava o raciocínio do presidente do Supremo que somente enxergou a liberdade que ele quis eleger, quando a liberdade de crença religiosa precisa ter primazia no sentido da intocabilidade, em se tratando do envolvimento de Jesus Cristo, o Filho de Deus e o Salvador dos homens, que jamais deveria ter sido confundido com personagem de mera peça artística, senão em sentido voltado para a construção do bem e associado a bons exemplos para a humanidade, como tem sido o seu permanente perfil, em consonância com a importância sagrada que Ele representa para o mundo cristão e jamais servir como criatura transfigurada do seu valor de moralidade e dignidade que tem sido a sua imagem, pelos séculos?
Não há a menor dúvida de que “ideias e pensamentos devem circular livremente no espaço público para que sejam continuamente aprimorados e confrontados em direção à verdade.”, sem que isso tenha qualquer interferência em outros direitos igualmente assegurados e consagrados na mesma Carta Política, conquanto a crença aos símbolos sagrados deva ser respeitada, sob o prisma da liberdade assegurada constitucionalmente .
Ou seja, não se pode reconhecer a liberdade de expressão quando para esta se admite menosprezar a dignidade, a seriedade e a moralidade de entidades acima qualquer suspeita, como no caso de Nosso Senhor Jesus Cristo, mesmo que isso se processe apenas por meio do “streaming e em locais cujo acesso é voluntário e controlado, de modo que o poder de censura fica nas mãos de cada pessoa isoladamente.”, eis que, fora deles, a opinião pública e a sociedade em geral ficam sabendo do que trata a obra artística, inclusive o seu conteúdo.
Causa perplexidade que o presidente do Supremo derrubou a decisão do desembargador, sob o argumento de que se tratava da necessidade da preservação da inviolabilidade do direito da liberdade de expressão, previsto na Constituição brasileira, sem se dignar a atentar para o fato de que existe, no ordenamento jurídico norma legal que criminaliza o vilipêndio de objeto de culto religioso, nos termos do artigo 208 do Código Penal, que estabelece que, verbis: "Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso: Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.".
No afã de mostrar autoridade, o presidente do Supremo tratou de defender o que ele escreveu, com ênfase, os pressupostos da democracia moderna, dando a entender que o direito de manifestação de opinião é soberano, sem limites, sem se considerar outros direitos igualmente concorrentes e também assegurados na mesma Carta Política, o que deixou às claras seu erro crasso e gravíssimo.
É mais do que sabido que o direito de expressão e demais direitos sempre terminam quando começa o direito da outra parte, na forma prevista no Código Penal, onde se estabelece limites para serem observados, diante do que a ultrapassagem do direito de outrem chama-se violação ou abuso, que a Justiça, para o qual, não pode fechar os olhos, como neste caso, em que o presidente do Supremo fez o maior esforço para mostrar que a vítima é, na verdade, o escarnecedor, aquele que fez uso indevido, desrespeitoso e em vão da imagem de Jesus Cristo em peça artística de nível questionável, diante da inexistente plausibilidade sobre o comportamento moral de símbolo da maior respeitabilidade universal.
Na cristalinidade do parecer do presidente do Supremo, a liberdade de expressão conduz ao entendimento mais amplo de que os cristãos estão sendo inocentes em se preocuparem à toa, porque eles têm a obrigação de engolir em seco blasfêmias, insultos, gozações e provocações as mais vis possíveis, além de ele ignorar o disposto no artigo 208 do Código Penal, à vista da supremacia daquele direito sobre os demais, embora a Constituição não tenha outra posição em oposição do “todo-poderoso” mandatário de poder da República.
Desta feita, a sátira teve o experimento da imagem de Jesus Cristo, cuja peça vem sendo protegida por autoridade da Justiça, mas, se alguém se atrever a promover obra artística com sátira contra homossexuais, afrodescendentes, índios etc., certamente que a obra poderá ser condenada e censurada, merecendo o repúdio de grande parte da mídia e até mesmo do meio artístico, que estão a postos em defesa se seus direitos constitucionais.
O certo é que o direito à crença religiosa, à prática do culto, de acordo com fé confessada, tem a proteção da Constituição Federal, nos termos do seu artigo 5º, inciso VI, que diz, verbis"É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.".
A manifestação da fé religiosa precisa ser respeitada, exatamente por se inserir na proteção constitucional, cuja infringência caracteriza crime contra a dignidade de crença, por amparar-se também no princípio da liberdade de expressão, com sede constitucional.  
Que liberdade de expressão especial é essa que desrespeita as demais e consagradas liberdades, como a da crença religiosa à divindade de seus símbolos sagrados, como se houvesse a liberdade de expressão suprassumo, com força plena para se ignorar outras possibilidades de direito com a mesma finalidade de reafirmação dos direitos humanos?

É preciso que as autoridades da República se conscientizem de que a liberdade de expressão não é suprema para determinada parcela da sociedade, nem mesmo para a classe artística, onde o seu usufruto precisa respeitar o direito dos demais cidadãos, no que diz, em especial, com o respeito à integridade e à dignidade reconhecidas de seus símbolos religiosos sagrados, na forma tal qual da divindade imaculada como eles são para os olhos do mundo, na concepção de moral séria e imaculada, mediante a qual foi capaz de edificar a Igreja Católica, que merece total respeito de todos, em forma de reciprocidade. 
Brasília, em 14 de janeiro de 2020.
(Esta coluna entra de recesso por uma semana)

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