terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

O modelo de competência?

É mais do que notório que se trata de verdadeira revolução do mundo jurídico a mudança no entendimento do Supremo Tribunal Federal, em 2016, para que sentenças possam começar a ser cumpridas antes do “trânsito em julgado” — ou seja, esgotados os intermináveis e indefiníveis recursos na via judicial — foi reforço importante e considerável no enfrentamento da corrupção e da impunidade.
É induvidoso que a possibilidade de o réu ser preso depois da confirmação da condenação em segunda instância, combinada com a entrada em vigor, em 2014, de legislação sobre organizações criminosas, reformatando o mecanismo da “colaboração premiada”, aumentou de forma significativa a eficácia da atuação da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e da Justiça Federal no combate às ações delituosas dos criminosos de colarinho branco, antes praticamente inalcançáveis pela legislação penal.
Até 2009, o Supremo entendia, com base nas súmulas 716 e 717, que era possível iniciar-se o cumprimento da pena antes do transitado em julgado, em 2016, no julgamento de habeas corpus, foi reafirmada esta possibilidade, porém em estágio liminar.
Diante de o peso do aludido entendimento e mais a delação premiada constituírem instrumentos jurídicos vitais para o sucesso da Operação Lava-Jato, a questão da segunda instância também passou a fazer parte de debates em Cortes superiores e no Congresso Nacional.
Com a evolução desse entendimento, por parte de ministros do Supremo, surgiu a possibilidade de haver reviravolta quanto à prisão a partir do julgamento na segunda instância, o que poderia beneficiar diretamente o ex-presidente da República petista, que foi condenado, por unanimidade, pelos três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, confirmando e até agravando sentença do juiz da Lava-Jato, com sede em Curitiba.
Como o debate sobre a segunda instância ganhou nova dimensão, justamente pela prisão do petista, a presidente do Supremo se antecipou para dizer que não colocaria o assunto novamente em pauta de julgamento, tendo alegado as implicações do tema, com os trabalhos da Lava-Jato e as evoluções de outras, além da aproximação das eleições de outubro.
É evidente que a importância política do petista, agora incurso na Lei da Ficha Limpa, com grande possibilidade de se tornar inelegível, a depender da palavra final do Justiça Eleitoral, fez crescerem as pressões sobre a dirigente do Supremo para pôr a matéria em pauta, embora isso seja absolutamente inaceitável, por haver entendimento segundo o qual isso poderá manchar a imagem do Supremo.
Alguns ministros defendem que a prisão prevista para a segunda instância poderia passar para o Superior Tribunal de Justiça, para possibilitar a ampliação do direito de defesa e isso também não seria o caminho mais indicado, pelo menos agora, por motivações éticas, que beneficiária situação específica, além de privilegiar, em especial, políticos envolvidos em corrupção.
No momento, qualquer forma de abordagem sobre o entendimento anterior, o Supremo poderá ser interpretado como órgão que faz julgamento sob encomenda, sob conveniência para beneficiar especificamente o ex-presidente, além de quebrar as estruturas de eficiência e eficácia da Operação Lava-Jato, cujo estratagema também serviria para livrar a cara de importantes criminosos de colarinho branco implicados nos casos de corrupção objeto das investigações dessa operação, ficando ainda caracterizada irresponsável operação de casuísmo destinada a contribuir, de forma vergonhosa e desmoralizada, para o fortalecimento da corrupção e da impunidade.
Antevendo possível desastre para a imagem da Corte, a presidente do Supremo já se antecipou aos fatos e pôs água fria na fervura, tendo declarado que o tribunal iria se "apequenar" se aproveitasse a pena aplicada ao ex-presidente para rediscutir a possibilidade de prisão de condenados em segunda instância, tendo dito que “Não creio que um caso específico geraria uma pauta diferente. Isso seria realmente apequenar o Supremo".
A posição dela foi muito clara, ao afirmar que não tomará a iniciativa de pautar ações que versem do tema, mesmo que não tenham relação direta com o caso do petista, garantindo que "Não tem previsão de pauta para isso. Não há pauta definida para um caso específico que geraria uma situação".
O entendimento atual e pacífico do Supremo permite a prisão de condenados em segunda instância, como é o caso do petista, que pode ser preso logo após o resultado de seu recurso sobre o último veredicto de Porto Alegre.
A presidente do Supremo afirmou ainda que considera "pacificado" o entendimento do Supremo sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa, que torna inelegível quem foi condenado por colegiado em segunda instância, tranquilizando a sociedade, no sentido de que a eficácia da lei é para todos, sem exceção.
Não há a menor dúvida de que, no momento, qualquer iniciativa visando à modificação do entendimento pacificado do Supremo, com relação à prisão na segunda instância, seria cristalina contribuição à fragilidade do sistema Judiciário, por suscitar enorme abalo não apenas à sua imagem, que atravessa momento de reconstrução, mas também teria o condão de causar a indesejável insegurança jurídica.
É bem possível que, além de apequenar a relevante missão institucional do Supremo, o principal órgão do Poder Judiciário simplesmente contribuiria para a sua desmoralização, uma vez que a mudança de entendimento de matéria de fundamental importância, neste momento, poderia ser entendida pela sociedade, que prima pela moralização do país, como o recriminável “jeitinho” brasileiro, com a finalidade de amoldá-lo a situação específica.
Isso seria o fim da pouca esperança de se passar este país a limpo, principalmente tendo a liderança do citado poder, que precisa demonstrar fiel observância aos princípios republicanos de dignidade, sinceridade, sensatez e acima de tudo de amor à pátria, quanto à necessidade da consolidação dos entendimentos jurídicos que possam contribuir para o vigoroso combate à corrupção e à impunidade, que certamente seriam desprezados com a mudança, por conveniência, de posição jurisprudencial que tem pleno apoio da sociedade trabalhadora e ansiosa pela urgente e definitiva moralização das instituições da República.
Convém que o Supremo Tribunal Federal se mantenha firme em defesa dos princípios constitucionais da legalidade, do decoro, da moralidade, da dignidade, entre outros que precisam ser mantidos vigentes, com a rigidez capaz de vicejar e nutrir as esperanças dos brasileiros quanto ao rigoroso combate à corrupção e à impunidade, de modo que seu exemplo possa ser modelo de competência e eficiência para as demais instituições do Judiciário, sem pensar jamais em se apequenar, diante das influências políticas e da fraqueza de magistrados que se mostram, muitas vezes, arredios aos anseios da sociedade. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 6 de fevereiro de 2018

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