segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Se apequenar, jamais?

Em desesperada tentativa de evitar a prisão do ex-presidente da República petista, seus advogados impetraram pedido de habeas corpus no Supremo Tribunal Federal, sob a alegação de que ele possa recorrer em liberdade contra a condenação, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a doze anos e um mês de prisão, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Registre-se que pedido análogo já havia sido feito ao Superior Tribunal de Justiça, que negou a concessão da liminar requerida, o qual se encontra agora pendente do julgamento do mérito.
Impende salientar que a Súmula nº 691, de 2003, estabelece rigorosamente o seguinte: “Não compete ao STF conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar.”, o que significa dizer exatamente que o Suprema não tem competência para analisar recursos como o que foi apresentado pelo político nessa Corte, visto que ainda pende de julgamento no STJ, pedido com a mesma finalidade, fato este que implica o simples indeferimento e arquivamento dela, por óbvio.
Tendo por base o julgamento de reiterados casos semelhantes, os tribunais formulam súmula sobre o tema, que passa a ser aplicada, á do entendimento sumulado, nos casos similares, como forma de uniformização e facilidade de procedimentos, além da garantia da segurança jurídica, evitando decisões divergentes para situações idênticas.
Um ministro do Supremo traduziu o conteúdo da aludida súmula, para melhor entendimento popular, tendo dito que “Nos casos em que há apenas pronunciamento liminar (provisório) de outro tribunal superior, sem decisão definitiva, o Supremo não pode admitir a concessão de habeas corpus. Em verdade, o Supremo não deve nem analisar o mérito do pedido, a menos que se trate de uma situação que nós chamamos de teratológica, bem absurda.”.
O termo teratologia empregado pelo magistrado é uma especialidade médica e que, às vezes, ele é citado por advogados, em comparação às patologias caracterizadas por monstruosidades e malformações orgânicas do corpo humano.
Quando usado o termo por advogados, em forma de metáfora, é como se fosse força de expressão para se dizer que se trata de decisão teratológica sob o prisma do Direito, dando a ideia de monstruosidade que precisa ser revista e corrigida.
O ministro disse que “Não parece ser o caso do processo que envolve o ex-presidente Lula.”.
Os três desembargadores que julgaram o petista deixaram muito claro que a execução da sentença a que se refere a ele se dará depois que for encerrada a fase de análise do recurso do condenado, no próprio TRF-4. Ou seja, sem prejuízo dos pedidos que sua defesa encaminhará aos tribunais superiores de Brasília, o político pode ser preso no complexo-médico penal de Pinhais, o presídio paranaense que abriga os condenados da Lava-Jato, o que pode justificar o desespero e o corre-corre dos advogados, para se evitar a prisão dele.
Como é sabido, há no Supremo dois colegiados, cada qual com cinco ministros, sendo que, na Primeira Turma, os ministros procuram respeitar os termos da supracitada Súmula nº 691, que veda a concessão de habeas corpus nos casos ainda não julgados definitivamente pelo STJ.
É comum os ministros dessa turma mandarem para o arquivo recursos do tipo que foi protocolado pelos advogados do petista, porque, no caso dele, o habeas corpus espera por decisão definitiva do STJ.
Não obstante, o pedido do petista foi enviado para o ministro-relator da Lava-Jato no Supremo, que faz parte da Segunda Turma, onde a citada súmula tem validade relativa, porque a maioria dos ministros diverge dela e somente o aludido relator a aplica ao pé da letra, mas ele termina em desvantagem, por ser minoria na turma, considerando que os demais ministros são mais liberais na concessão de habeas corpus.
Espera-se que o ministro-relator decida pelo indeferimento da liminar de que trata o habeas corpus do petista, mas também é certo que os advogados dele vão insistir que o pedido seja apreciado pela Segunda Turma.
Nesse particular, parece que a briga pode render pouco mais, porque o ministro-relator, sabedor das tendências concessivas de seus pares da Segunda Turma, pode simplesmente submeter o julgamento para o crivo do plenário do Supremo, a exemplo do que já foi feito com relação ao habeas corpus de interesse do ex-ministro da Fazenda do governo petista, visto que medida nesse sentido tem amparo Regimento Interno do Supremo, fato que pode se evitar que o político fique em liberdade muito antes do tempo.
Contribui para que o pedido do político seja submetido ao plenário do Supremo o fato de se tratar de caso de ex-presidente da República, que precisa ter a manifestação dos integrantes da Corte.
Impende ainda lembrar que, a despeito da condenação do petista, a presidente da Excelsa Corte disse, em forma de cautela, que o tribunal iria se “apequenar” se usasse a pena aplicada ao petista para alterar a regra que autoriza a prisão de condenados em primeira e segunda instâncias.
Na verdade, esse deve ser o sentimento que precisa prevalecer quanto à analise e à decisão sobre o pedido de habeas corpus em comento, de modo que não possa ficar materializada a infeliz ideia de que o Supremo ignorou o entendimento esposado na sua súmula para beneficiar condenado pela Justiça, que aguarda decisão em pedido de habeas corpus em análise no Superior Tribunal de Justiça.
Como se vê, o pedido de habeas corpus interposto pelo ex-presidente da República petista pode servir para testar a real capacidade do Supremo Tribunal Federal de mostrar ao país a sua firme persistência em defesa do combate à corrupção e à impunidade, por não se vergar a nenhuma forma de concessão nem facilitação na interpretação das normas aplicáveis à sua missão constitucional, sob pena de vir a pecar em desprezo à autonomia do Superior Tribunal de Justiça, que precisa antes decidir sobre pedido com mesmo teor, e ainda fazer letra morta e mandar para a lixeira a sua Súmula nº 691, que precisa ser fortalecida e consolidada, em respeito ao primado da segurança jurídica, além de se evitar que a Corte Máxima da Justiça não seja ridicularizada e apequenada, para sempre. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 5 de fevereiro de 2018

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