quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Ao sabor da conveniência política


Quando se imaginava que a tranquilidade voltaria a dominar a vida republicana, surge um dos filhos do presidente anunciando algo espetacular, com o propósito de tumultuar a mente do mundo político, porque essa é exatamente a sua função de mexer com a solidez das estruturas da República.
Há poucos dias, um dos herdeiros do presidente disse, em alto e bom som, sem margem para outras interpretações, que, verbis: “por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos”.
          Trata-se da maior lucidez para se referir diretamente a regimes de exceção, evidenciando explícita preferência ao retrocesso político, sem o menor escrúpulo, quando a sociedade, ao contrário, anseia desesperadamente por mais democracia.
É possível que o filho tenha interpretado fielmente o pensamento do pai, que não ficaria bem para ele próprio vir a público expressá-lo com tanta eloquência como o fez o seu lídimo representante, sabendo que a palavra de mero político do patamar de vereador não assumiria o peso da responsabilidade se a frase tivesse sido pronunciada diretamente pelo suposto interessado, o que também poderia evidenciar enorme leviandade presidencial, ficando patenteada se não tivesse por trás disso importante interessado em colher os resultados sobre a sementinha plantada além muros palacianos, mas a citação do filho, com viés ditatorial, não passa do que, certamente, pensa o patriarca.
Pessoalmente, o presidente do país já até afirmou bem lá trás, essa pérola de pensamento: “através do voto você não muda nada no País; tem de matar uns 30 mil”.
É evidente que a referida frase foi dita ainda quando ele era deputado federal, integrante do baixo clero, mas ainda continua afinado com o seu maquiavélico pensamento de então, à vista dos fatos agora anunciados, em doses, para que o assombro não fique tão explícito.
Alhures, o ilustre sonhador ao cargo de embaixador nos Estados Unidos da América já adiantou a estratégia de como se alcançar o controle absoluto do Estado, tendo afirmado, em plena campanha presidencial, que, “para fechar o STF, basta um soldado e um cabo”, fato que causou, à época, tremendo reboliço político.
Tudo isso foi dito em harmonia com o soberano pensamento do patriarca, que já disse que seria capaz de “levantar borduna”, “fuzilar” o ex-presidente tucano e dar “o golpe no mesmo dia”, se chegasse ao poder, o que, então, parecia algo imaginável, mas, por ironia do destino, o que seria improvável acabou acontecendo, de forma inacreditável para muitos brasileiros.
Decidido a causar polêmicas, a trupe avançada do presidente tem procurado ir diretamente ao ponto de interesse, não medindo as consequência nem os obstáculos na aplicação do vernáculo, com viés explosivo.
Vejam-se a insensatez demonstrada por um dos filhos do presidente, ao encarnar o verbo belicista, quando se deixou fotografar, sem nenhum constrangimento, com arma na cintura, ao visitar o pai no hospital, exatamente aquele que é o postulante a embaixador da principal representação diplomática brasileira.
O presidente brasileiro já vociferou que só deve respeito e lealdade ao povo, ignorando que ele precisa respeitar, acatar e observar a Carta Magna e o ordenamento jurídico pátrio, além de se esforçar para se comportar com dignidade constitucional perante os outros dois poderes da República, que são independentes entre si e precisam trabalhar irmanados com o propósito de convergência em torno da superação dos obstáculos ao desenvolvimento do Brasil.
Depois de ter sido bombardeado com reações de desaprovação ao vitupério de cunho antidemocrático, o filho do presidente simplesmente reagiu por meio de costumeiros ataques, chegando a classificar a imprensa de “canalhas”, sob a alegação de que ela teria distorcido seus “belos” pensamentos, como que querendo negar suas horrorosas palavras.
Além da reiterada verborragia antidemocrática, os filhos do presidente, desde que ele tomou posse, vivem envolvidos em acusações tenebrosas de envolvimento com irregularidades, as mais indignas para quem ocupa cargo público eletivo, com aproximação deles com o uso de cabos eleitorais fantasmas, de injustificáveis relações com milicianos, existência de “rachadinhas” com verba de gabinete, além de tantas acusações extremamente incompatíveis com os princípios republicano e democrático.
Por causa desses escândalos, o presidente do país, pai dos “famosos” políticos, anda às turras com investigadores e órgãos ligados ao combate aos crimes contra a administração pública, prometendo afastar delegados da Polícia Federal, tendo extinguido o Coaf, que investigava movimentações financeiras suspeitas de um dos filhos, dando a entender que o combate à corrupção não se aplica a eles, o que contraria o lema de campanha eleitoral, segundo o qual “a verdade liberta”, no dizer do principal político.
Nessa linha adotada pelo presidente, de se punir os investigadores, por terem levantado as contas da família presidencial, até a Receita Federal foi ameaçada de “devassa”, precisando passar, segundo palavras do próprio presidente, por reestruturação, por meio da sua divisão em sub-repartições, mas sem antes já ter exonerado o seu titular, por ter adiantado trechos da reforma tributária.
O presidente brasileiro, que diz ser ele quem manda em tudo, vai arrumando a casa ao seu gosto, com o aparelhamento do sistema tiranicamente ao seu modo de governar, sempre com a nomeação de alguém que lhe seja obediente, em harmonia com o estilo autoritário de ser, ou seja, é preciso que tudo fique sob o seu domínio e a sua orientação, mesmo que o órgão seja coordenado por ministro.
Na verdade, é notório que, sem nenhum pudor, a República tupiniquim, prometida com ares de novidade, realmente vem acontecendo, não conforme o anúncio das mudanças ao estilo que agradasse aos brasileiros, mas sim sob a concepção bem peculiar de democracia própria do seu mandatário, que somente agrada a ele, em harmonia com as suas conveniências.
O certo é que a política passou a ser completamente diferente do passado recente, agora sob a ótica do maquiavélico capitão reformada do Exército, onde há de prevalecer seu estilo peculiar de modernidade ditatorial, sobrevindo sim mudanças, não aquelas ansiadas pelos brasileiros, mas aqueloutras comandadas pela vontade da sua majestade, o presidente da República.
Os brasileiros imploram por governo sob o prisma inspirado na moderação, na transparência, na independência dos poderes, no respeito ao ordenamento constitucional e legal, na competência administrativa, na prevalência dos princípios republicano e democrático, com embargo ao apego à prepotência de autoridade que se acha lídimo detentor do poder absoluto e tirânico.
Brasil: apenas o ame!    
Brasília, em 19 de setembro de 2019

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