domingo, 4 de agosto de 2024

Atleta do futuro

 

De quatro em quatro anos, os brasileiros ficam ávidos por resultados vindos dos campos de batalha onde são travadas as mais ferrenhas lutas em busca do ouro, da prata e do bronze incrustadas nas medalhas tão cobiçadas, que transformam pobres mortais em verdadeiros heróis nacionais, conforme mostra a história dos jogos olímpicos.

O certo é que, via de regra, raríssima tem sido a exceção de medalhista ser oriundo senão da periferia, de origem pobre e sacrificada pelas condições de pobreza e logo vem, por trás do nome do vencedor, a palavra que o identifica para sempre, dizendo que os pais são os mais humildes entre os pobres, mas ele teve a tenacidade de se esforçar para colocar o nome do Brasil no pódio.

Os exemplos são variadíssimos sobre as proezas produzidas por pessoas humildes, com histórico de superação, visto que todos os nossos atletas medalhistas já aparecem com o clichê: ele é preto e filho de mãe lavadeira, pai desempregado e outras afirmações próprias de identificação de pura pobreza.

Dificilmente o atleta vitorioso não tenha surgido da periferia, que conseguiu não somente vencer medalhas, mas especialmente preconceito e humilhação, antes do atingimento do pódio da glória olímpica, cuja bravura significa, sem dúvida alguma, marco notavelmente revolucionário na vida dessas pessoas, que também já trazem consigo, além das lágrimas pela vitória, o célebre discurso pronto, de que essa medalha é oferecida ao povo pobre da região marginalizada e diz o nome dela, de onde tenho orgulho, etc., etc. ...

Ressalte-se, por oportuno, alguns e poucos os esportes de rico, como hipismo, iatismo e outros similares, para os quais as olimpíadas servem tão somente para o desfile e a apresentação dos melhores e caríssimos cavalos e iates etc., sem qualquer correlação com o brilhantismo das disputas atléticas propriamente ditas, visto que esses são esportes de magnatas.

Ou seja, esses são esportes reservados para os chamados classes da cor branca, os privilegiados dos jogos olímpicos, evidentemente sem qualquer intenção voltada para a discriminação, mas apenas para se exemplificarem as classes dos participantes das olimpíadas.  

É bastante estranho que outras classes sociais, aquelas oriundas do seio de empresários, banqueiros, da nata da sociedade brasileira, quase não conseguem contribuir com a formação dos bravos atletas de raiz, dos verdadeiros atletas que dão o sangue e a alma para lutarem, batalharem e até morrerem, se preciso for, pelos ideais de medalhas olímpicas e de elevação do nome do Brasil.

Eles também teriam a oportunidade para dizer que são filhos de famílias nobres, abastardas, que nasceram em berços esplêndidos e já contaram com o total apoio dos pais e nunca precisaram se dedicar senão aos esportes como simples exercício de amor a sim próprios e que o momento serve para a inspiração com vistas ao glorioso sucesso empresarial, pelo que agradecem a oportunidade de ser muito feliz.

Ou seja, à toda evidência, pelo menos no Brasil, os jogos olímpicos são vistos como verdadeiras arenas propícias para a pobreza brasileira mostrar o seu real valor de bravura, tendo a capacidade de transformar a sua patente humildade social em conquista e fama, além de poder incentivar o resto da pobreza a correr em busca de alguma oportunidade na vida, conforme mostram os fatos históricos referentes aos esportes.   

Na verdade, o que se pode perceber, sem muito esforço, é que existe verdadeira disparidade nos investimentos de recursos públicos para o preparo dos atletas olímpicos, em especial quanto àqueles oriundos das políticas governamentais.

As ações pertinentes somente privilegiam determinadas regiões brasileiras, em detrimento de outras, notadamente as dos Norte e Nordeste, diante da visível ausência de atletas representando diretamente essas importantes regiões, onde tem muitos “cabras machos”, no bom sentido, com visíveis potencialidades atléticas que poderiam ser bastante aproveitadas para a conquista de medalhas, além do oferecimento de oportunidades aos jovens daquelas regiões.

A concepção que se tem sobre olimpíada é a de que ela vem servindo para a avaliação somente do potencial atlética de um povo e de determinadas regiões, como expressão máxima esportiva, e não apenas instrumento de valorização de terminada razão social, que praticamente vive sob condição marginalização, conforme isso vem sendo enfatizado pelos ganhadores de medalhas, não se vislumbrando outras oportunidades de ascensão social para todos os potenciais atletas nacionais.

Em uma nação com um pouco ou o mínimo de conscientização esportiva e atlética, que realmente valoriza as ações e as políticas esportivas como importante instrumento de saúde pública e até de progresso do povo, certamente que haveria prioridade para o incentivo, em forma de investimentos públicos, em atividades em nível nacional, visando ao preparo de atletas de altas performances, com alcance no seio dos pobres, de todas as raças, negras, brancas e outras, aproveitando a força de todos os brasileiros, como normalmente fazem as nações que são grandes potências do mundo atlético-esportivo.

Na pratica, isso que vem acontecendo com as atuais políticas erráticas nos esportes somente contribuem para o aprofundamento das desigualdades, da exclusão e a marginalidade, impedindo as transformações sociais, enquanto a universalização de medidas abrangentes, para o beneficio de todos os brasileiros, haverá maior possibilidade da formação de melhores atletas e cidadãos, evitando-se a gritante discrepância que existe na atualidade, em que somente poucos são beneficiados e têm condições de ganhar medalha nas olimpíadas.

É preciso o encorajamento da vontade nacional, para a criação de projeto do atleta do futuro, em que o seu cerne seja a universalização do preparo dos brasileiros, evidentemente em todo o país, com vistas ao oferecimento de oportunidades para a melhor formação atlética, em condições de conquistar  medalhas, em quaisquer modalidades de jogos, em igualdade com as principais potências mundiais do atletismo.

É lamentável que o país com a grandeza do Brasil ainda fique vibrando com a conquista de minguadas medalhas, se orgulhando se ser visível “vira lata” no esporte, ainda se satisfazendo com algumas medalhas, quando o seu potencial exige a conquista de medalhas em igualdade de condições com as grandes nações esportivas, que investem maciçamente no preparo de atletas de qualidade, que buscam sempre a melhor performance possível, em todos os jogos.  

Enfim, é dever primário do Brasil para com o seu povo, como a mais sagrada obrigação do Estado, o oferecimento da melhor oportunidade aos brasileiros carentes, pretos, brancos e outras raças, de forma isonômica, dos investimentos capazes para a criação de importantes oportunidades perante as disputas de medalhas, olímpicas ou não, porque isso é o mínimo que se almeja para o pais com a grandeza do Brasil.       

Brasília, em 4 de agosto de 2024

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