Por decisão unânime, o Supremo Tribunal
Federal chancelou o sistema de cotas raciais instituído pela Universidade de
Brasília, prevalecendo o voto do relator da ação, que salientou “a importância de iniciativas voltadas para a
redução da desigualdade no país”, e defendeu que o modelo adotado pela UnB
sirva de lição para o Brasil, com vigência por tempo determinado, enquanto existir
desigualdade. Outros ministros também se referiram às questões relativas à
igualdade e desigualdade, ressaltando que “As
ações afirmativas são instrumentos compensatórios para concretizar o direito da
pessoa de ter sua igualdade protegida contra práticas de discriminação étnica-racial”;
“Falta a percepção de que não se pode falar em Constituição Federal sem levar
em conta, acima de tudo, a igualdade. Precisamos saldar essa dívida, no tocante
a alcançar-se a igualdade.”; “O fato é que a disparidade racial é flagrante na
sociedade brasileira. A pobreza tem cor no Brasil: negra, mestiça, amarela”; “As
desigualdades entre negros e brancos não resultam de uma desvalia natural ou
genética, mas (...) de séculos de dominação dos primeiros pelos segundos. Outros
ministros fizeram questão de sublinhar a necessidade de reparação de danos do
passado com os afrodescendentes, defendendo a construção de uma sociedade justa
e solidária, mediante a reparação pela coletividade de danos pretéritos. Não há
a menor dúvida de que os ensaiados discursos, todos com a beleza e o requinte
gramaticais, tiveram a preocupação de enfatizar o óbvio, no sentido de que há
aceitação quanto à distribuição de cotas nas universidades, porém não unicamente
para negros, porque isso caracteriza medida injusta e discriminatória com relação às demais raças
que são indiscutivelmente tão carentes quanto aos afrodescendentes. Esse modelo
de cotas, além de justificar a falta de priorização e de investimentos em educação de
qualidade, nos níveis de ensino básico, médio e muito menos superior, dá as costas para o
resto da sociedade, que, de forma injusta e inconstitucional, é colocada à margem
de ações afirmativas, aumentando o fosso da desigualdade de tratamento social. O
sistema atual de cotas serve para
encobrir a plena incompetência do governo, ao deixar que a educação permaneça relegada
a planos secundários, possibilitando a adoção de medidas discriminatórias em apoio
exclusivo aos negros, como se eles não tivessem capacidade de competir com as pessoas
de outras raças e fossem etnia inferior
às demais, sob à ótica da capacidade de competição e de inteligência. Por
certo, também não é esse modelo de cotas que tem o condão de consertar ou reparar
danos causados aos negros com o sistema escravagista, porque, evidentemente, os
verdadeiros escravos não têm mais condições de usufruir os benefícios em
compensação ao seu sofrimento e, por outro lado, não se justifica que os negros
de agora sejam beneficiados em nome daqueles, que foram os reais injustiçados.
É totalmente inadmissível que uns brasileiros possam ter mais direitos do que
outros e esse fato foi totalmente ignorado pelos ilustrados magistrados, que
deixaram de examinar a matéria sob as condições e os enfoques da
constitucionalidade, que era exatamente o objeto do questionamento. Teria sido
muito mais benéfico para a sociedade se a Excelsa Corte de Justiça tivesse
entendido pela inconstitucionalidade das cotas, no modelo atual, e deixasse
claro que a Constituição repudia a instituição de atos discricionários capazes
de beneficiar alguns e prejudicar direitos de outros brasileiros, como ocorre
com relação àqueles que não são negros. Não deixa de ter sido esdrúxula a
decisão, à luz estritamente constitucional, que não acena para amparo de tratamento
desigual e diferenciado. Parafraseando um ilustre magistrado, pode-se afirmar
que a sociedade brasileira, a partir dessa deliberação, tem muito mais motivos para
se olhar no espelho da atualidade e ficar corado de vergonha, por perceber que
os governantes não têm vontade política para investir maciçamente em programas
educacionais de qualidade, que pudessem beneficiar todos os brasileiros, sem
distinção de qualquer espécie, e que os tribunais não têm interesse em declarar
que desigualdade de tratamento não encontra respaldo na Constituição cidadã.
Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 27 de abril de 2012
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