sexta-feira, 27 de abril de 2012

Desrespeito à igualdade

Por decisão unânime, o Supremo Tribunal Federal chancelou o sistema de cotas raciais instituído pela Universidade de Brasília, prevalecendo o voto do relator da ação, que salientou “a importância de iniciativas voltadas para a redução da desigualdade no país”, e defendeu que o modelo adotado pela UnB sirva de lição para o Brasil, com vigência por tempo determinado, enquanto existir desigualdade. Outros ministros também se referiram às questões relativas à igualdade e desigualdade, ressaltando que “As ações afirmativas são instrumentos compensatórios para concretizar o direito da pessoa de ter sua igualdade protegida contra práticas de discriminação étnica-racial”; “Falta a percepção de que não se pode falar em Constituição Federal sem levar em conta, acima de tudo, a igualdade. Precisamos saldar essa dívida, no tocante a alcançar-se a igualdade.”; “O fato é que a disparidade racial é flagrante na sociedade brasileira. A pobreza tem cor no Brasil: negra, mestiça, amarela”; “As desigualdades entre negros e brancos não resultam de uma desvalia natural ou genética, mas (...) de séculos de dominação dos primeiros pelos segundos. Outros ministros fizeram questão de sublinhar a necessidade de reparação de danos do passado com os afrodescendentes, defendendo a construção de uma sociedade justa e solidária, mediante a reparação pela coletividade de danos pretéritos. Não há a menor dúvida de que os ensaiados discursos, todos com a beleza e o requinte gramaticais, tiveram a preocupação de enfatizar o óbvio, no sentido de que há aceitação quanto à distribuição de cotas nas universidades, porém não unicamente para negros, porque isso caracteriza medida injusta e  discriminatória com relação às demais raças que são indiscutivelmente tão carentes quanto aos afrodescendentes. Esse modelo de cotas, além de justificar a falta de priorização e de investimentos em educação de qualidade, nos níveis de ensino básico, médio e muito menos superior, dá as costas para o resto da sociedade, que, de forma injusta e inconstitucional, é colocada à margem de ações afirmativas, aumentando o fosso da desigualdade de tratamento social. O sistema atual de cotas serve para encobrir a plena incompetência do governo, ao deixar que a educação permaneça relegada a planos secundários, possibilitando a adoção de medidas discriminatórias em apoio exclusivo aos negros, como se eles não tivessem capacidade de competir com as pessoas de outras raças e  fossem etnia inferior às demais, sob à ótica da capacidade de competição e de inteligência. Por certo, também não é esse modelo de cotas que tem o condão de consertar ou reparar danos causados aos negros com o sistema escravagista, porque, evidentemente, os verdadeiros escravos não têm mais condições de usufruir os benefícios em compensação ao seu sofrimento e, por outro lado, não se justifica que os negros de agora sejam beneficiados em nome daqueles, que foram os reais injustiçados. É totalmente inadmissível que uns brasileiros possam ter mais direitos do que outros e esse fato foi totalmente ignorado pelos ilustrados magistrados, que deixaram de examinar a matéria sob as condições e os enfoques da constitucionalidade, que era exatamente o objeto do questionamento. Teria sido muito mais benéfico para a sociedade se a Excelsa Corte de Justiça tivesse entendido pela inconstitucionalidade das cotas, no modelo atual, e deixasse claro que a Constituição repudia a instituição de atos discricionários capazes de beneficiar alguns e prejudicar direitos de outros brasileiros, como ocorre com relação àqueles que não são negros. Não deixa de ter sido esdrúxula a decisão, à luz estritamente constitucional, que não acena para amparo de tratamento desigual e diferenciado. Parafraseando um ilustre magistrado, pode-se afirmar que a sociedade brasileira, a partir dessa deliberação, tem muito mais motivos para se olhar no espelho da atualidade e ficar corado de vergonha, por perceber que os governantes não têm vontade política para investir maciçamente em programas educacionais de qualidade, que pudessem beneficiar todos os brasileiros, sem distinção de qualquer espécie, e que os tribunais não têm interesse em declarar que desigualdade de tratamento não encontra respaldo na Constituição cidadã. Acorda, Brasil!   

ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 27 de abril de 2012

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