Uma
das leis mais questionadas da República, a famosa Lei Rouanet, pode ter suas
bases completamente ruídas e detonadas, diante das mudanças anunciadas pelo
governo, que promete moralizar o sistema de incentivo à cultura brasileira, por
meio de patrocínio de grandes empresas.
O
governo garante que as mudanças serão feitas por meio de mera instrução
normativa, cujas regras terão validade imediata, depois da sua publicação, sem
necessidade de passar pelo crivo do Congresso Nacional, ou seja, as alterações
fundamentais estão devidamente amparadas pela própria lei.
O
limite do incentivo, em termos de recursos liberados, que já havia sido
adiantado pelo governo, passará, pasmem, do valor de R$ 60 milhões para tão
somente a bagatela de R$ 1 milhão por projeto, ficando também limitado o valor
de R$ 10 milhões, por vários projetos, quando somados, durante o ano, cujo valor,
nesse caso, também tinha o limite de R$ 60 milhões.
O
governo resolveu fazer algumas exceções a essas regras, como no caso de feiras
de livros e festas populares, como o Festival Folclórico de Parintins, no
Amazonas, e o Natal Luz, em Gramado (RS), entre outros, que poderão captar até
R$ 6 milhões, ou seja, incentivos absolutamente no limite da razoabilidade e da
realidade brasileira.
As
novas regras também abriram exceção para a restauração de patrimônio tombado, a
construção de teatros e cinemas em cidades pequenas, e planos anuais de
entidades sem fins lucrativos, como museus e orquestras, também estão fora do
limite de R$ 1 milhão, mas não há detalhes sobre o teto para esses casos, que
precisão se conter nos limites, naturalmente, da razoabilidade e do bom senso.
O
representante do governo disse que “vamos
enfrentar a concentração de recursos nas mãos de poucos. Com o mesmo dinheiro,
mas mais bem distribuído, vamos ter muito mais atividades culturais e artistas
apoiados, dando oportunidade para os novos talentos.”.
A
cota de ingressos gratuitos passará de 10% para entre 20% e 40%, conforme
critérios a serem estabelecidos, ficando acertado que o valor dos ingressos
populares terá que se limitar a R$ 50, que é atualmente de R$ 75.
O
governo anuncia que haverá incentivo direcionado para a cultura regional, em
parceria com as empresas estatais, e estímulo para que as 25 unidades da
federação, com exceção de São Paulo e Rio de Janeiro, tenham mais recursos,
tendo por objetivo a desconcentração de projetos patrocinados, que, na sua
maioria, estão nesses dois estados.
As
novas regras obrigam que os beneficiados de incentivos fiscais terão que realizar
ação educativa em escolas ou em comunidades, sempre em parceria com as
prefeituras.
O
governo garante que haverá aperfeiçoamento sobre o controle das prestações de
contas dos recursos pertinentes, sob a fiscalização de comitê que se encarregará
de “passar a limpo”, em tempo real, a
verificação sobre a regularidade da aplicação dos recursos envolvidos nos
projetos incentivados.
Não
há a menor dúvida de que a aplicação dos recursos originários da Lei Rouanet precisavam
de urgente aperfeiçoamento nas suas estruturas compreendidas as concessões, as
aplicações e as prestações de contas, diante de reiterados abusos denunciados
pela imprensa, em que empresários, artistas, cantores etc. se beneficiavam à
vontade com o amparo da própria lei, sem a devida contraprestação, em termos de
satisfação deles para o interesse público, porque, a bem da verdade, ninguém
percebia os efeitos para a sociedade por parte da obrigação dos beneficiários,
ou seja, eles pegavam o dinheiro, mas, dificilmente, a população recebia algo
em razão desse incentivo, além dos rumores sobre a falta de prestação de contas
ou sobre as suas deficiências, deixando de haver a devida satisfação das
finalidades para as quais a lei foi instituída.
Espera-se
que os brasileiros deixem de ser os verdadeiros bobos da corte, quando, em seu
nome, montanhas de recursos eram concedidos, a título de incentivo à cultura,
mas eles apenas se cansaram de ouvir falar sobre esse pomposo nome de
incentivo, que sempre beneficiava os empresários e artistas que nem precisam dos
recursos da Lei Rouanet, mas eles não se envergonhavam do abuso, porque tinha o
devido amparo legal, embora se tratava de imoralidade que o governo, agora,
procura eliminar, em benefício da real cultura popular, em satisfação do
interesse público, como fazem quem procura valorizar o dinheiro dos contribuintes.
O
mais importante da novel medida é que ela objetiva desmontar a concentração de
recursos públicos, em benefício de poucos e também que a nova forma de
incentivo possa realmente satisfazer o desiderato da Lei, qual seja, o
incentivo à cultura, que dificilmente vinha sendo feita, pelo menos, não se tem
conhecimento de que isso acontecia de verdade ou alguém já viu ou ouviu falar
de um único caso real, verdadeiro, que recursos da Lei Rouanet tenham
patrocinado, de forma efetiva, algo em benefício da população pobre, mas, ao
contrário, os rumores eram de que artistas famosos havia se beneficiado de
milhões de reais, com base nessa lei?
A
verdade é que o governo, com essa mentalidade, mostra evolução na tentativa de
realmente incentivar a cultura, por pretender valorizar o real sentido da lei dita
de incentivo e, com isso, conseguir aumentar o gosto dos brasileiros pela cultura
popular regional, cuja riqueza artística precisa beneficiar principalmente as
pessoas mais pobres e distanciadas dos eventos artísticos dos grandes centros,
justamente pela falta de recursos para se deslocar e pagar ingressos sempre
caros para o seu padrão econômico.
Com
essa nova filosofia atribuída à lei de incentivo à cultura, o governo se volta
para estimular a criação e o aparecimento de novos talentos artísticos, na
medida em que possa contribuir para a valorização de ações facilitadoras da tão
ansiada inclusão social, mediante a formação de novos artistas, que precisam
ser apoiados a partir do apoio à cultura popular, na sua origem.
Pouco
importa se os famosos promotores da arte em geral se sintam frustrados e prejudicados,
diante da possibilidade de deixar de pegar dinheiro a custo gracioso, até mesmo
sob fútil alegação de que os grandes musicais, os suntuosos espetáculos, as
grandes obras artísticas vão ser prejudicadas e até sumir, ou qualquer outra
argumentação nesse sentido, porque isso só demonstra que o incentivo à cultura
popular, próxima do povão, certamente objetivo precípuo da questionável lei,
não vinha sendo cumprindo o seu papel, porque os recursos estavam sendo concentrados
e desviados para grandes obras artísticas, cujos empresários visavam ao lucro e
certamente não devem parar, porque eles têm condições de pegar financiamento junto
aos bancos para custear seus megas investimentos, deixando os recursos fáceis e
baratos para a verdadeira satisfação do interesse público, ou seja, do povo.
O
presidente da Associação de Produtores Teatrais no Rio de Janeiro, certamente
em defesa corporativista de seus associados, onde não deve existir nenhum mambembe,
disse que “a mudança é a maior ação de
marketing de um governo que vi em 32 anos de carreira”, ou seja, em clara
manifestação de que o golpe vai ser muito sentido por parte de quem já estava
acostumado com as benesses dessa famigerada lei, que vinha sendo aplicada de
maneira indiscutivelmente distorcida, por não cumprir a sua verdadeira função
de inventivo à cultura.
Chega
a ser risível que a parte que se acha prejudicada com as mudanças, por perder
as indevidas benesses com recursos públicos, não tem o mínimo de escrúpulo em
chamar a medida moralizadora, altamente benéfica à realidade da cultura popular
a que a lei certamente tem por objetivo, de “maior ação de marketing”, porque talvez marketing governamental mesmo
teria sido se houvesse determinação para a investigação sobre todas as concessões
de recursos da Lei Rouanet, com vistas à avaliação se, nelas, foram observados
os requisitos previstos, com a possibilidade da restituição dos valores que não
corresponderam à devida regularidade.
Com
espírito de maior compreensão, diante das saudáveis mudanças em apreço, o presidente
da Associação Brasileira de Cineastas (Abraci) foi bastante ponderado, ao
afirmar que “Perto de outras reformas
propostas por outros ministérios, essa surpreende pela relativa razoabilidade.
Me parece excessivo reduzir os limites de teto dos projetos de forma tão
abrupta. Mas os princípios de democratizar e regionalizar patrocínios são bem
razoáveis.”.
A
vista do tamanho da insatisfação evidenciada no meio empresarial e artístico,
lamentando profundamente a medida estritamente necessária a ser adotada pelo
governo, por que em beneficio da população carente de espetáculos artísticos mais
próximos da sua comunidade e que nunca participou dos eflúvios propiciados por
recursos originados para beneficiá-la, conclui-se que o governo fará espetacular
golaço na cultura popular, se realmente o foco dos recursos gerados por autorização
dessa norma jurídica se canalizar para a sua finalidade primacial, ou seja, a
satisfação do interesse público, com o atingimento em cheio da melhoria da
cultura em geral.
Em
síntese, as mudanças são nitidamente excelentes, que merecem os aplausos dos
brasileiros, em se tratando de incentivo fiscal, muitas das vezes, absurdas e
injustificáveis, com o patrocínio de grandes espetáculos, envolvendo
empresários e artistas milionários e consagrados, absolutamente em dissonância
com a finalidade institucional dessa lei que ajudou a desviar recursos públicos
que poderiam ter sido aproveitados para a construção de cinemas, oficinas de arte,
teatros populares, além de incentivo a projetos culturais em comunidade,
escolas e pequenas cidades carentes de inventivo à cultura bem popular mesmo.
Brasil:
apenas o ame!
Brasília,
em 23 de abril de 2019
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