Não
é novidade para ninguém que a administração pública vive tempos de vacas magras,
em razão da nítida escassez de recursos, evidenciada por força dos gigantescos
déficits orçamentários, a ensejarem cortes de verbas e adiamento de obras e serviços
sob a incumbência do Estado, além da cobrança de sacrifícios da sociedade,
diante da imperiosa redução de gastos públicos.
Alheio
a essa lamentável realidade brasileira, o Supremo Tribunal Federal se permite
imaginar que se encontra em outro mundo, fora da órbita da realidade tupiniquim
e acaba de protagonizar estranho atropelamento do salutar princípio da
austeridade, ao promover licitação que agrava ainda mais sua combalida imagem,
para a contratação de empresa com capacidade para servir banquetes aos nobres ministros
togados e seus impolutos comensais, às expensas do calejado e penitente contribuinte.
No
edital, há a estimativa de que essa debochada farra gastronômica possa atingir
o total de gastos no valor de R$ 1,1 milhão, evidentemente sob às expensas dos
bestas dos contribuintes, já extremamente sacrificados com os escorchantes tributos
sobre as suas costas, simplesmente para bancarem a orgia com recursos públicos,
sob a forma de banquetes em suas luxuosas dependências, enquanto o povão se
mantém na obrigação de passar pelas horríveis privações, não tendo sequer
atendimento médico-hospitalar de forma civilizada, justamente diante da falta
de recursos, que são jogados pelo ralo das absurdas e ultrajantes mordomias
republicanas.
Nos
termos editalícios, há previsão “modesta” do fornecimento de, pelo menos, 2,8
mil refeições, compreendendo almoços ou jantares; 180 cafés da manhã; outros
180 brunchs (cafés mais reforçados);
e três tipos de coquetéis para 1.600 pessoas; ou seja, o Supremo patrocina verdadeira
farra com o escasso e suado dinheiro do povo, que não tem a quem recorrer nem denunciar
esse ignominioso escândalo.
A
duração do contrato é de um ano, prorrogável por mais cinco anos, com a obrigação
do fornecimento de pratos que são servidos pelos melhores restaurantes do
mundo, comparados aos badalados cinco estrelas do guia Michelin.
No
menu da respeitável Suprema Corte de Justiça, há a indicação de pratos com
medalhões de lagosta, com molho de manteiga queimada; bobó de camarão; camarão
à baiana; bacalhau à Gomes de Sá; arroz de pato; pato assado com molho de
laranja; galinha d’Angola assada; vitela assada; codornas; carré de cordeiro;
medalhões de filé; tournedos de filé com molho de mostarda, pimenta, castanha
de caju com gengibre; entre outros, que os pobres mortais nem em sonha
imaginariam que pudesse existir tanta exorbitância e extravagância da culinária
tupiniquim.
Por
natural evidência, o menu dessa magnitude exige o acompanhamento de bebidas especiais,
nobres e caríssimas, com vistas à sua harmonização com o bom paladar e as degustações
com tanto e incomparável glamour.
Não
seria justo que o medalhão de lagosta fosse servido com o acompanhamento de vinho
qualquer, mas o edital cuidou de selecionar casta de uvas e bebidas de
primeiríssima qualidade, justamente para a devida harmonização dos pratos da finíssima
e requintada culinária ali indicada.
A
licitação estabeleceu que as “bebidas
deverão ser perfeitamente harmonizadas com os alimentos servidos” e, para tanto, a lista de
bebidas exigidas indica dois tipos especiais de espumantes: brut e extra brut,
que precisam ser produzidos pelo método champenoise
e, pasmem, “que tenham ganhado ao menos
quatro premiações internacionais”, porque, decerto, somente uma premiação teria
o condão de desvalorizar o paladar degustativo de suas excelências.
Esclarece-se
que o método champenoise é conhecido
como “método tradicional”, em que a
produção do espumante segue a linha quase artesanal e de qualidade superior ao
método Charmat, voltado cuidadosamente
para as bebidas simples e baratas, que foram, por óbvio, descartadas no edital.
O
edital do Supremo estabeleceu que os espumantes precisam ter pelo menos 12
meses de maturação e o extra brut deve ter, no mínimo, 30 meses.
A
sofisticação etílica do Supremo é de extremo requinte, quando se exige que a vencedora
da licitação disponibilize vinhos de seis uvas de variedades diferentes, a saber:
Tannat, Assemblage, Cabernet Sauvignon, Merlot, Chardonnay e Sauvignon Blanc.
Em
se tratando das uvas Tannat, Assemblage e Cabernet Sauvignon, o vinho precisa
ser, necessariamente, de safra igual ou posterior a 2010.
A
singularidade do edital salta aos olhos por sua sofisticação, quando se exige que
os vinhos precisam ter, pelo menos, pasmem, quatro premiações internacionais,
como referido acima, e que, no caso do Tannat ou Assemblage, os vinhos precisam
ser envelhecidos em “barril de carvalho
francês, americano ou ambos, de primeiro uso”.
As
exigências do Supremo fazem sentido, porque os barris de carvalho franceses são
considerados pelos especialistas como “complexos,
elegantes e que geram taninos suaves na bebida”, enquanto o carvalho, sendo
de primeiro uso, a bebida recebe maior influência do barril, no processo de
maturação e isso poderia contrariar o requintado paladar dos nobres magistrados.
A
sofisticação e a preciosidade do Supremo são casos raríssimos e emblemáticos,
conforme a peculiaridade distinguida especialmente no caso dos vinhos brancos,
Chardonnay e Sauvignon Blanc, em que as uvas para as duas bebidas precisam,
necessariamente, ser colhidas à mão.
Para
arrematar as nobres, requintadas e múltiplas exigências da nobreza da Excelsa
Corte de Justiça brasileira, os uísques de puro malte precisam ser envelhecidos
por 12, 15 ou 18 anos, enquanto as cachaças, sim as cachaças, para as indispensáveis
caipirinhas, devem ganhar idade em “barris
de madeira nobre” por um, dois ou três anos.
À
vista dos extremos bons gosto e paladar expostos pelos nobres membros da
Suprema Corte brasileira, certamente que as cortes reais vão precisar adaptar
seus menus às exigências editalícias lançadas em país em que jamais se
imaginaria que essa forma de exorbitância e desperdício ainda pudesse ser custeada
com recursos públicos quase inexistentes para serviços públicos essenciais.
À
toda evidência, o edital em apreço desnuda a parte podre, sebosa e injusta da administração
pública, que não tem o menor escrúpulo em abusar, de forma irresponsável, do
dinheiro minguado do Orçamento da União, em cristalina demonstração de que o Brasil,
na essência, não passa de pútrida e corrompida republiqueta, à mercê de homens
públicos despudorados, que simplesmente desprezam o comezinho princípio da
austeridade, em benefício de seus espúrios interesses, quando se atrevem a autorizar
a compra de alimentos e bebidas absolutamente incompatíveis com a lamentável
situação de penúria e pobreza da população, que é obrigada a passar por enormes
privações, quando instituições da República estão em outro planeta, no gozo de indevidas
e repudiáveis bonanças.
A
licitação em causa representa a opulência de poder da República que não se envergonha
de abusar do dinheiro público, quando deveria ser um dos principais órgãos a dá
exemplo de modicidade na aplicação dos recursos oriundos dos contribuintes, que
se esforçam ao máxima para manter instituição que pouco produz em benefício da
população, a exemplo da falta de julgamento das ações referentes aos crimes
praticados por autoridade de colarinho branco, em que pese o longo tempo já transcorrido
desde o descobrimento dos escândalos.
A
atitude do Supremo, nesse episódio, se torna ainda mais degradante quando o Congresso
Nacional se debate na tentativa do ajustamento das contas da Previdência e de
resto das demais contas públicas, justamente para reduzir gastos e déficits
fiscais, enquanto aquele órgão se esbanja em gastronomia absolutamente
incompatível com a triste realidade brasileiro, que se nivela por baixo, em
extrema penúria.
Não
há a menor dúvida de que as compras cogitadas pelo Supremo são verdadeiro acinte
à dignidade dos brasileiros, diante da suntuosidade e do exagero dos produtos
absolutamente dissonantes com a satisfação do interesse público, cuja gastronomia
é visivelmente dispensável, desnecessária, abusiva, cabendo a responsabilização
daqueles que causarem mau e irregular emprego do dinheiro público, que é o caso
configurado nas compras demandadas nesse estapafúrdio e indigno edital, que demonstra
verdadeira afronta aos princípios da legalidade, moralidade, e notadamente economicidade.
Diante
da indiscutível carência de recursos, impõe-se que as despesas públicas se ajustem,
de forma prioritária, à satisfação do interesse público, de modo que possa
haver eficiência e efetividade na prestação dos serviços públicos de incumbência
do Estado, não sendo permitido que órgãos da República possam abusar do erário,
simplesmente para a satisfação do ego de seus dirigentes, porque é preciso que prevaleçam,
na forma da lei, a seriedade e a responsabilidade na execução do orçamento
público.
Nos
países sérios, civilizados e evoluídos, em termos políticos, administrativos e
econômicos, jamais a sociedade admitiria que abuso dessa magnitude pudesse
acontecer, com tanta banalidade e promiscuidade, como se os recursos públicos
não se originassem do extremo sacrifício dos contribuintes, que são obrigados a
manter a máquina pública capenga, emperrada e improdutiva, em que pese ainda ter
a capacidade de aprontar tamanha indignidade com a aquisição de produtos
absolutamente supérfluos e dispensáveis para o desempenho da sua missão
constitucional.
Isso
causa repúdio e nojo no seio da sociedade, diante da falta de sensibilidade
perante a situação de calamidade que grassa no âmbito da população pobre, em
razão da real carência de dinheiro até mesmo para a devida prestação dos
serviços básicos da incumbência do Estado.
Enfim,
convém que os brasileiros se conscientizem sobre a imperiosa necessidade de
veemente repúdio ao Supremo Tribunal Federal, mostrando a sua indignação quanto
à compra de alimentos e bebidas extremamente sofisticados, da gastronomia
internacional, completamente incompatíveis com a realidade da pobreza da
população, que deixa de ser assistida, principalmente na parte da saúde, exatamente
por falta dos recursos que são desviados para finalidades estranhas ao
interesse público e à satisfação do bem comum.
É
induvidoso que compete ao Congresso Nacional o controle e a fiscalização do bom
e regular emprego do dinheiro público, com o que se pode inferir que ele também
tem obrigação constitucional de coibir os abusos, por meio de regras duras e severas,
mediante a aprovação de medidas legislativas estabelecendo que os órgãos da
administração pública somente podem adquirir produtos estritamente indispensáveis
ao seu funcionamento, ficando terminantemente proibida a aquisição de gêneros
alimentícios e bebidas que não condigam com as suas atividades institucionais,
sob pena de responsabilização daqueles que derem causa às despesas visivelmente
irregulares.
Brasil: apenas o ame!
Brasília, em 30 de abril de 2019
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