"A
pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem
recorrer.". Rui Barbosa
Um ministro do Supremo
Tribunal Federal determinou que os sites da revista Crusoé e O Antagonista retirassem
de circulação reportagem e notas publicadas por eles sobre menção ao presidente
da corte, feita em e-mail da lavra do empresário e delator da construtora
Odebrecht.
A aludida decisão
atendeu pedido pessoal do presidente do Supremo, em razão de inquérito em
tramitação que apura fake news e divulgação de mensagens que atentem contra a
honra dos integrantes do tribunal.
Além da censura à
notícia, o ministro foi bastante severo, ao fixar multa de R$ 100 mil por dia,
em caso de descumprimento e determinar que os responsáveis pelos sites prestem
depoimento em até 72 horas.
Diante disso, entidades
de defesa da liberdade de imprensa e advogados que pesquisam o tema criticaram
a medida, disseram que ela caracteriza censura e põe em risco direito constitucional.
A reportagem da revista
Crusoé disse que a ação do Supremo tem por base a informação prestada pelo delator
ex-presidente da Odebrecht à Polícia Federal, no âmbito de investigação promovida
pela Operação Lava-Jato, no Paraná, prestando esclarecimentos sobre menções a
tratativas lícitas e ilícitas encontradas em seus e-mails.
Segundo o mencionado
delator, a pessoa citada no e-mail diz respeito ao ministro que ocupa o cargo
de presidente do Supremo, que, à época do fato acontecido, na data do e-mail, em
julho de 2007, ainda não pertencia aos quadros do Supremo, mas sim ocupava o
cargo de ministro da Advocacia Geral da União, no governo do ex-presidente da
República petista.
O aludido e-mail teria
sido enviado pelo ex-presidente da Odebrecht a dois executivos da empreiteira, dizendo
textualmente o seguinte: "Afinal
vocês fecharam com o amigo do amigo de meu pai?", não havendo nele nenhuma
citação sobre pagamentos.
Odebrecht explicou à Polícia
Federal, segundo a revista, que a mensagem se referia a tratativas que o então
diretor jurídico da empreiteira tinha com a Advocacia Geral da União sobre
temas envolvendo as hidrelétricas do rio Madeira, em Rondônia.
Em sua decisão, o
ministro ressaltou que a Constituição Federal proíbe a censura, mas permite
reparações posteriores à publicação de um conteúdo, conforme a sua seguinte
explanação, verbis: "A plena proteção constitucional da
exteriorização da opinião não significa a impossibilidade posterior de análise
e responsabilização por eventuais informações injuriosas, difamantes,
mentirosas e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos
à honra, à intimidade, à vida privada e à própria imagem formam a proteção
constitucional à dignidade da pessoa humana".
O ministro disse também
que "A gravidade das ofensas
disparadas ao presidente deste Supremo Tribunal Federal, no teor da matéria,
acima mencionada, provocou a atuação da Procuradoria-Geral da República, que
publicou nota de esclarecimento. Obviamente,
o esclarecimento feito pela Procuradoria-Geral da República torna falsas as
afirmações veiculadas na matéria 'O amigo do amigo de meu pai', em típico
exemplo de fake news --o que exige a intervenção do Poder Judiciário (sic)".
Por seu turno, o
diretor de Redação de Crusoé afirmou que "reitera o teor da reportagem, baseada em documento, e registra, mais
uma vez, que a decisão se apega a uma nota da Procuradoria-Geral da República
sobre um detalhe lateral e utiliza tal manifestação para tratar como fake news
uma informação absolutamente verídica, que consta dos autos da Lava Jato".
O jornalista responsável
pela presente matéria disse que "Toffoli
não respondeu às perguntas que lhe foram enviadas antes da publicação da
reportagem".
A revista Crusoé esclareceu
que entrará com recurso "para tentar
reverter esse atentado contra a liberdade de imprensa, aspecto fundamental da
democracia garantido pela Constituição".
A Associação Nacional
de Jornais e a Associação Nacional de Editores de Revistas disseram, em
protesto, que a decisão em causa "configura
claramente censura, vedada pela Constituição, cujos princípios cabem ser
resguardados exatamente pelo STF. A
legislação brasileira prevê recursos no campo dos danos morais e do direito de
resposta para quem se julgar injustamente atingido pelos meios de comunicação".
A Associação Brasileira
de Jornalismo Investigativo afirmou, em repúdio à decisão em foco, que "causa alarme o fato de o STF adotar essa
medida restritiva à liberdade de imprensa justamente em um caso que se refere
ao presidente do tribunal. O
precedente que se abre com essa medida é uma ameaça grave à liberdade de
expressão".
Um advogado disse que "O ministro tem a possibilidade de se
pronunciar publicamente e tem direito de resposta na revista.".
Outra advogada disse
que "a remoção de conteúdo jamais
deve ser feita. A internet permite
que matérias jornalísticas sejam complementadas com outras informações ou notas".
O resumo da ópera é que
a medida adotada pelo ministro só demonstra completa proteção aos membros do Supremo,
que insinuam desconhecer o salutar princípio constitucional da transparência,
mesmo que pudesse se tratar de informação destituída de consistência, quando,
nesse caso, caberia o devido esclarecimento por parte do acusado, que poderia
adotar, moto próprio, as providências judiciais cabíveis, porque pior será se
os fatos denunciados forem verdadeiros, diante do resultado das investigações,
se elas forem adiante, à vista do temor de que também poderá haver operação
abafa, para que nada seja apurado, em se tratando de que, ao contrário do
primado da igualdade de direitos e obrigações, parece que, no Brasil, ainda há
quem esteja acima da lei, em que seus atos são imunes à investigação.
Nos países sérios,
civilizados e evoluídos, em termos políticos e democráticos, o processo
investigativo se reveste da principal maneira juridicamente capaz de mostrar a
verdade sobre os fatos vindos à baila, cuja medida deve ser estimulada,
justamente e com maior razão por quem esteja sob suspeita, para que o resultado
não deixe resquício de dúvida sobre a licitude quantos aos fatos denunciados,
cabendo, se for o caso, as devidas medidas judiciais de reparação moral, porque
é exatamente assim que precisa agir a sociedade moderna, com vistas ao
aperfeiçoamento e à consolidação do saudável princípio da transparência, tanto
constitucional como republicana.
Como os ministros do
Supremo são autênticos servidores públicos, devidamente subsidiados pelos
contribuintes, eles precisam se conscientizar de que existe sim obrigação por
parte deles de prestar contas ao povo sobre seus atos na vida pública, que é
exatamente o caso sob análise.
A denúncia sobre possível
conduta suspeita de servidor público precisa ser devidamente esclarecida, quer
por meio de justificativa pública ou até
mesmo por investigação, na melhor forma que venha a satisfazer ao princípio da
transparência exigido na administração pública, que precisa ser aplicado de
maneira uniforme, à luz da verdade, que não se compatibiliza com a censura
aplicada no presente caso, porque isso só contribui para aumentar ainda mais o
grau da suspeita sobre possível malfeito, ante a impossibilidade sobre a devida
investigação.
À toda evidência, a censura, na forma como foi feita no presente caso, simplesmente ela tem
o condão de amordaçar sites que estão divulgando notícias que se têm como
verdadeiros os fatos pertinentes, no âmbito básico da comunicação amparada pela
Constituição.
Agora, quem se achar injustiçado,
tem todo direito, com fulcro na Lei Maior do país, de diligenciar, pelo meios
cabíveis, com vistas à apuração e à sua elucidação dos fatos, de modo a se
conhecer sua veracidade, caso em que, se a denúncia for falsa, com finalidade meramente
caluniosa, cabe a responsabilização de quem tenha dado causa à divulgação da
matéria, à luz da lei de imprensa, que já prevê hipóteses de punição aos
culpados.
A lamentável e
questionável decisão ministerial demonstra espécie de defesa injustificável própria
do corporativismo sem limites e sem o menor respeito ao ordenamento jurídico, que
deveria ter sido evitada na atualidade, ante aos ensinamentos próprios do
Supremo, que tem a exata compreensão sobre a sua missão institucional, que não
pode extrapolar a intransigente defesa dos princípios constitucionais, onde se
proíbem a censura e protegem a liberdade de imprensa e expressão, acenando também,
que não poderia ser diferente, pela possibilidade de reparação de danos morais,
em caso de abuso contra a dignidade humana.
A atitude
corporativista do ministro fica patente e fala alto quando se percebe que trata
de medida pioneira, inédita, em proteção ao presidente do Supremo, o que seria
diferente se o ministro tivesse o mesmo cuidado com relação aos demais brasileiros,
não importando a sua origem, sempre que houvesse com eles a incidência de caso
semelhante a esse, em que ele mostraria a sua enérgica atuação, em termos da devida
justiça, obviamente em sintonia com o princípio da igualdade social insculpido
na Carta Magna.
A verdade é que, ultimamente, têm
acontecido fatos curiosos no Supremo, como esse caso envolvendo pessoalmente o
ministro-presidente da corte, tratando de seu envolvimento em suposto episódio quando
ele nem estava nela, o que, por esse motivo, jamais deveria ser tratado como
sendo assunto relacionado ao serviço público, ou seja, caberia a ele adotar as
providências no âmbito estritamente particular, sem envolver a ação nitidamente
questionável do ministro, que determinou medidas extremamente severas, ao
censurar publicação, segundo a revista, tratando de fato verdadeiro, como se
ele tivesse autoridade acima da Constituição Federal, que alijou de seu texto
qualquer medida nesse sentido, ou seja, a censura.
O ministro tem plenas
razões em reconhecer a “proteção
constitucional da exteriorização da opinião”, a par de puder implicar a posterior análise sobre possível responsabilização
por eventuais informações injuriosas, difamantes, mentirosas e em relação a
eventuais danos materiais e morais, diante dos direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à própria imagem de
quem se julgar atingido pela notícia infundada ou indevida.
Não obstante, a bem da
verdade, essa forma de proteção constitucional à dignidade do cidadão, no caso
específico, precisaria também ser acionada diretamente pelo presidente do
Supremo junto à Justiça, não como autoridade pública, mas sim como cidadão
comum, mediante pedido formulado sob a observância das mesmas condições estabelecidas
para os demais mortais brasileiros, à luz do princípio também constitucional de
que todos são iguais perante a lei.
Finalmente, causa
perplexidade a astronômica velocidade com que o ministro proferiu a decisão em
apreço, em apenas três dias após a publicação da reportagem censurada, enquanto
os processos sob a jurisdição do Supremo mofam nos seus escaninhos, que deixam
de ser julgados e muitos crimes prescrevem e os autos são arquivados, como acaba
de acontecer com uma ação referente a um parlamentar mineiro, fato este que só expõe
a suspeita sobre possível corporativismo.
O ressuscitar do famigerado
processo da censura, logo por quem menos devia, o Supremo Tribunal Federal, é fato
de extrema gravidade para a imagem do Brasil, exatamente porque tem origem onde
devida reprimir atitude da pior dimensão antidemocrática e anticivilizatória,
em termos da degradação das liberdades individuais, de expressão e dos meios de
comunicação em geral, em clara demonstração da aplicação de método ditatorial que
precisa ser urgentemente combatido por todos os segmentos da sociedade, de modo
que fique muito claro que a decisão em apreço não se tolera nem mesmo nas
piores republiquetas, diante da sua incompatibilidade com a evolução da
humanidade.
Brasil: apenas o ame!
Brasília, em 15 de abril
de 2019
(Com esta crônica, eu concluo meu 38º livro)
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