terça-feira, 16 de abril de 2019

Repudiável censura



Um ministro do Supremo Tribunal Federal determinou que os sites da revista Crusoé e O Antagonista retirassem de circulação reportagem e notas publicadas por eles sobre menção ao presidente da corte, feita em e-mail da lavra do empresário e delator da construtora Odebrecht.
A aludida decisão atendeu pedido pessoal do presidente do Supremo, em razão de inquérito em tramitação que apura fake news e divulgação de mensagens que atentem contra a honra dos integrantes do tribunal.
Além da censura à notícia, o ministro foi bastante severo, ao fixar multa de R$ 100 mil por dia, em caso de descumprimento e determinar que os responsáveis pelos sites prestem depoimento em até 72 horas.
Diante disso, entidades de defesa da liberdade de imprensa e advogados que pesquisam o tema criticaram a medida, disseram que ela caracteriza censura e põe em risco direito constitucional.
A reportagem da revista Crusoé disse que a ação do Supremo tem por base a informação prestada pelo delator ex-presidente da Odebrecht à Polícia Federal, no âmbito de investigação promovida pela Operação Lava-Jato, no Paraná, prestando esclarecimentos sobre menções a tratativas lícitas e ilícitas encontradas em seus e-mails.
Segundo o mencionado delator, a pessoa citada no e-mail diz respeito ao ministro que ocupa o cargo de presidente do Supremo, que, à época do fato acontecido, na data do e-mail, em julho de 2007, ainda não pertencia aos quadros do Supremo, mas sim ocupava o cargo de ministro da Advocacia Geral da União, no governo do ex-presidente da República petista.
O aludido e-mail teria sido enviado pelo ex-presidente da Odebrecht a dois executivos da empreiteira, dizendo textualmente o seguinte: "Afinal vocês fecharam com o amigo do amigo de meu pai?", não havendo nele nenhuma citação sobre pagamentos.
Odebrecht explicou à Polícia Federal, segundo a revista, que a mensagem se referia a tratativas que o então diretor jurídico da empreiteira tinha com a Advocacia Geral da União sobre temas envolvendo as hidrelétricas do rio Madeira, em Rondônia.
Em sua decisão, o ministro ressaltou que a Constituição Federal proíbe a censura, mas permite reparações posteriores à publicação de um conteúdo, conforme a sua seguinte explanação, verbis: "A plena proteção constitucional da exteriorização da opinião não significa a impossibilidade posterior de análise e responsabilização por eventuais informações injuriosas, difamantes, mentirosas e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana".
O ministro disse também que "A gravidade das ofensas disparadas ao presidente deste Supremo Tribunal Federal, no teor da matéria, acima mencionada, provocou a atuação da Procuradoria-Geral da República, que publicou nota de esclarecimento. Obviamente, o esclarecimento feito pela Procuradoria-Geral da República torna falsas as afirmações veiculadas na matéria 'O amigo do amigo de meu pai', em típico exemplo de fake news --o que exige a intervenção do Poder Judiciário (sic)".
Por seu turno, o diretor de Redação de Crusoé afirmou que "reitera o teor da reportagem, baseada em documento, e registra, mais uma vez, que a decisão se apega a uma nota da Procuradoria-Geral da República sobre um detalhe lateral e utiliza tal manifestação para tratar como fake news uma informação absolutamente verídica, que consta dos autos da Lava Jato".
O jornalista responsável pela presente matéria disse que "Toffoli não respondeu às perguntas que lhe foram enviadas antes da publicação da reportagem".
A revista Crusoé esclareceu que entrará com recurso "para tentar reverter esse atentado contra a liberdade de imprensa, aspecto fundamental da democracia garantido pela Constituição".
A Associação Nacional de Jornais e a Associação Nacional de Editores de Revistas disseram, em protesto, que a decisão em causa "configura claramente censura, vedada pela Constituição, cujos princípios cabem ser resguardados exatamente pelo STF. A legislação brasileira prevê recursos no campo dos danos morais e do direito de resposta para quem se julgar injustamente atingido pelos meios de comunicação".
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo afirmou, em repúdio à decisão em foco, que "causa alarme o fato de o STF adotar essa medida restritiva à liberdade de imprensa justamente em um caso que se refere ao presidente do tribunal. O precedente que se abre com essa medida é uma ameaça grave à liberdade de expressão".
Um advogado disse que "O ministro tem a possibilidade de se pronunciar publicamente e tem direito de resposta na revista.".
Outra advogada disse que "a remoção de conteúdo jamais deve ser feita. A internet permite que matérias jornalísticas sejam complementadas com outras informações ou notas".
O resumo da ópera é que a medida adotada pelo ministro só demonstra completa proteção aos membros do Supremo, que insinuam desconhecer o salutar princípio constitucional da transparência, mesmo que pudesse se tratar de informação destituída de consistência, quando, nesse caso, caberia o devido esclarecimento por parte do acusado, que poderia adotar, moto próprio, as providências judiciais cabíveis, porque pior será se os fatos denunciados forem verdadeiros, diante do resultado das investigações, se elas forem adiante, à vista do temor de que também poderá haver operação abafa, para que nada seja apurado, em se tratando de que, ao contrário do primado da igualdade de direitos e obrigações, parece que, no Brasil, ainda há quem esteja acima da lei, em que seus atos são imunes à investigação.
Nos países sérios, civilizados e evoluídos, em termos políticos e democráticos, o processo investigativo se reveste da principal maneira juridicamente capaz de mostrar a verdade sobre os fatos vindos à baila, cuja medida deve ser estimulada, justamente e com maior razão por quem esteja sob suspeita, para que o resultado não deixe resquício de dúvida sobre a licitude quantos aos fatos denunciados, cabendo, se for o caso, as devidas medidas judiciais de reparação moral, porque é exatamente assim que precisa agir a sociedade moderna, com vistas ao aperfeiçoamento e à consolidação do saudável princípio da transparência, tanto constitucional como republicana.
Como os ministros do Supremo são autênticos servidores públicos, devidamente subsidiados pelos contribuintes, eles precisam se conscientizar de que existe sim obrigação por parte deles de prestar contas ao povo sobre seus atos na vida pública, que é exatamente o caso sob análise.
A denúncia sobre possível conduta suspeita de servidor público precisa ser devidamente esclarecida, quer por meio  de justificativa pública ou até mesmo por investigação, na melhor forma que venha a satisfazer ao princípio da transparência exigido na administração pública, que precisa ser aplicado de maneira uniforme, à luz da verdade, que não se compatibiliza com a censura aplicada no presente caso, porque isso só contribui para aumentar ainda mais o grau da suspeita sobre possível malfeito, ante a impossibilidade sobre a devida investigação.
          À toda evidência, a censura, na forma como foi feita no presente caso, simplesmente ela tem o condão de amordaçar sites que estão divulgando notícias que se têm como verdadeiros os fatos pertinentes, no âmbito básico da comunicação amparada pela Constituição.
Agora, quem se achar injustiçado, tem todo direito, com fulcro na Lei Maior do país, de diligenciar, pelo meios cabíveis, com vistas à apuração e à sua elucidação dos fatos, de modo a se conhecer sua veracidade, caso em que, se a denúncia for falsa, com finalidade meramente caluniosa, cabe a responsabilização de quem tenha dado causa à divulgação da matéria, à luz da lei de imprensa, que já prevê hipóteses de punição aos culpados.
A lamentável e questionável decisão ministerial demonstra espécie de defesa injustificável própria do corporativismo sem limites e sem o menor respeito ao ordenamento jurídico, que deveria ter sido evitada na atualidade, ante aos ensinamentos próprios do Supremo, que tem a exata compreensão sobre a sua missão institucional, que não pode extrapolar a intransigente defesa dos princípios constitucionais, onde se proíbem a censura e protegem a liberdade de imprensa e expressão, acenando também, que não poderia ser diferente, pela possibilidade de reparação de danos morais, em caso de abuso contra a dignidade humana.
A atitude corporativista do ministro fica patente e fala alto quando se percebe que trata de medida pioneira, inédita, em proteção ao presidente do Supremo, o que seria diferente se o ministro tivesse o mesmo cuidado com relação aos demais brasileiros, não importando a sua origem, sempre que houvesse com eles a incidência de caso semelhante a esse, em que ele mostraria a sua enérgica atuação, em termos da devida justiça, obviamente em sintonia com o princípio da igualdade social insculpido na Carta Magna.
          A verdade é que, ultimamente, têm acontecido fatos curiosos no Supremo, como esse caso envolvendo pessoalmente o ministro-presidente da corte, tratando de seu envolvimento em suposto episódio quando ele nem estava nela, o que, por esse motivo, jamais deveria ser tratado como sendo assunto relacionado ao serviço público, ou seja, caberia a ele adotar as providências no âmbito estritamente particular, sem envolver a ação nitidamente questionável do ministro, que determinou medidas extremamente severas, ao censurar publicação, segundo a revista, tratando de fato verdadeiro, como se ele tivesse autoridade acima da Constituição Federal, que alijou de seu texto qualquer medida nesse sentido, ou seja, a censura.
O ministro tem plenas razões em reconhecer a “proteção constitucional da exteriorização da opinião”, a par de puder implicar a posterior análise sobre possível responsabilização por eventuais informações injuriosas, difamantes, mentirosas e em relação a eventuais danos materiais e morais, diante dos direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à própria imagem de quem se julgar atingido pela notícia infundada ou indevida.
Não obstante, a bem da verdade, essa forma de proteção constitucional à dignidade do cidadão, no caso específico, precisaria também ser acionada diretamente pelo presidente do Supremo junto à Justiça, não como autoridade pública, mas sim como cidadão comum, mediante pedido formulado sob a observância das mesmas condições estabelecidas para os demais mortais brasileiros, à luz do princípio também constitucional de que todos são iguais perante a lei.
Finalmente, causa perplexidade a astronômica velocidade com que o ministro proferiu a decisão em apreço, em apenas três dias após a publicação da reportagem censurada, enquanto os processos sob a jurisdição do Supremo mofam nos seus escaninhos, que deixam de ser julgados e muitos crimes prescrevem e os autos são arquivados, como acaba de acontecer com uma ação referente a um parlamentar mineiro, fato este que só expõe a suspeita sobre possível corporativismo.
O ressuscitar do famigerado processo da censura, logo por quem menos devia, o Supremo Tribunal Federal, é fato de extrema gravidade para a imagem do Brasil, exatamente porque tem origem onde devida reprimir atitude da pior dimensão antidemocrática e anticivilizatória, em termos da degradação das liberdades individuais, de expressão e dos meios de comunicação em geral, em clara demonstração da aplicação de método ditatorial que precisa ser urgentemente combatido por todos os segmentos da sociedade, de modo que fique muito claro que a decisão em apreço não se tolera nem mesmo nas piores republiquetas, diante da sua incompatibilidade com a evolução da humanidade.
Brasil: apenas o ame!
Brasília, em 15 de abril de 2019
(Com esta crônica, eu concluo meu 38º livro)

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