domingo, 21 de abril de 2019

Mais sentimento de humildade?


O presidente do Supremo Tribunal Federal disse, ao jornal O Estado de S. Paulo, que não houve "mordaça" nem "censura" na decisão do ministro que determinou a remoção do conteúdo jornalístico publicado pela revista digital Crusoé e pelo site O Antagonista.
Segundo aquele presidente, "Não existe censura quando a decisão é a posteriori. Quando é a posteriori, não existe censura. E o poder de cautela é inerente ao Poder Judiciário. Não há mordaça, não há", fato que se caracteriza totalmente contraditório diante do ato adotado uma hora depois dessa afirmação, pelo ministro-censor, por ter derrubado a decisão anterior, que havia determinado a retirada da reportagem.  
O questionamento defendido pelo presidente do Supremo foi suscitado na decisão do ministro-censor, que, talvez envergonhado, houve por bem revogar o seu ato de censura, quando ele disse, para justificar a sua asneira,  in verbis: "O exercício da liberdade de expressão, em seu aspecto positivo, permite posterior responsabilidade pelo conteúdo ilícito difundido, tanto no campo cível (danos materiais e morais), quanto na esfera criminal, caso tipificado pela lei penal; fazendo cessar a injusta agressão, além da previsão do direito de resposta".
O presidente do Supremo informou ao jornal Valor que “Veículos de imprensa orquestraram narrativa ‘inverídica’ para constranger e emparedar o Supremo às vésperas do julgamento" que poderia revisar a prisão após a segunda instância, que estava marcada por ele para o último dia 10, mas foi cancelada por falta de consenso na Corte.
Como foi revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo, “um dos focos do inquérito aberto pelo presidente do Supremo, para investigar fake news e ataques à corte, é apurar se a revista Crusoé participou dessa suposta trama - o que a tornaria coautora do crime de vazamento. Ou se apenas cumpriu seu papel de informar.”.
A avaliação no seio do Supremo é a de que o inquérito criou margem para excessos, permitindo deteriorar ainda mais a já desgastada imagem do Supremo perante a sociedade, quando o seu objetivo era justamente o contrário, ou seja, a preservação do tribunal e procurar melhorar a sua imagem.
Com o surpreendente encerramento da censura, por motivo pouco relevante, somente por se ter a certeza de que a fonte da informação da revista era verídica, que poderia ter sido verificado antes da questionada decisão, não há a menor dúvida de que, agora, as atenções estão direcionadas para os possíveis lances estratégicos pertinentes às investigações, com vistas ao seu desdobramento.
Existe enorme temor da cúpula da Procuradoria Geral da República de que membros daquele órgão ministerial possam ser alvo da investigação, por terem cumprido mandados de busca e apreensão em São Paulo, Goiás e Brasília, entre eles o de um general da reserva, que foi identificado como pessoa que teria produzido e mandado mensagens contra o Supremo.
Possivelmente o presidente do Supremo Tribunal Federal esteja em outro planeta, quando afirma que não houve "mordaça" nem "censura" na decisão do ministro daquela corte, certamente por entender que a determinação para a remoção de conteúdo jornalístico publicado pela revista digital Crusoé e pelo site O Antagonista tivesse apenas características elogiosas à forma correta e responsável de informação, mostrando o modelo jornalístico que precisa ser seguido, como fazem normalmente os países sérios, civilizados e evoluídos, em termos de liberdade de expressão.
Mais uma vez o presidente do Supremo de mostra homem público minimamente preparado para comandar uma instituição pública da maior relevância da República, quando demonstra não ter a menor sensibilidade para perceber que a decisão truculenta de outro não menos insensível magistrado somente feriu os princípios comezinhos de civilidade e cidadania, quando os seus sentimentos primários de manifestação, informação e expressão foram ignorados de forma ditatorial e insensata.
Vejam-se que não foi observado nem permitido, nos termos da Constituição defendida pela Suprema Corte, o usufruto da defesa prévia e do contraditório, por parte daqueles meios de comunicação, quando a ordem foi dada por meio de brusca canetada, em forma de potente machadada, com a determinação, entre outras, da imediata retirada da revista da matéria referente à reportagem intitulada "O amigo do amigo do meu pai", tão somente porque ela se referia ao amigo presidente do Supremo, que certamente não poderia ter a sua imagem aranhada por meio de furo de reportagem com base em informação verídica e revestida de credibilidade.
É absolutamente induvidoso que tanto houve mordaça como censura que ministros com pouco mais de discernimento e experiência jurídicos do Supremo confirmaram e assim condenaram, com veemência, tal procedimento e se coloraram diametralmente contrários a essa forma absolutamente dissonante dos princípios civilizatórios e de cidadania, cujo reflexo foi o reconhecimento pelo próprio ministro-censor da sua bizarrice, quando, com a cara mais deslavada e emperobada, resolveu anular a sua estranha e condenável atitude punitiva a uma revista e um site, simplesmente por eles terem publicado matéria estritamente verdadeira, mas não era do agrado de membro da Suprema Corte.
À toda evidência, os fatos mostram que eles teriam cometido, sob a visão do Supremo, nesse caso, astronômico erro de haver, por coincidência, publicado reportagem envolvendo a pessoa do presidente da corte, que não era integrante do Supremo, à época do episódio ainda não esclarecido, mas que merece sê-lo, diante da relevância do cargo que ele ocupa.
          O presidente do Supremo precisa se conscientizar sobre a imperiosa necessidade de que os ministros da corte não estão acima da lei, podendo, com base nisso, ser passíveis de investigação e mais ainda terem, à luz do princípio constitucional da transparência, a obrigação de prestar contas de seus atos à sociedade, por serem servidores públicos subsidiados pelos contribuintes.
Na verdade, eles não podem simplesmente imaginar que são suprassumos da administração pública e podem adotar decisões as mais absurdas, muitas das quais em discrepância com os sentimentos dos brasileiros, que estão sendo triturados diante do completo desprezo ao seu clamor de moralização do Brasil, em que muitas medidas nesse sentido são adotadas,  necessariamente, pelo seu crivo, à vista, ao contrário, de reiteradas decisões liberando criminosos de colarinho branco da cadeia, além das verdadeiras indolência e inépcia quanto aos julgamentos dos processos envolvendo os criminosos que desviaram milhões dos cofres públicos, permitindo que muitos deles continuem tranquilamente exercendo cargos públicos eletivos, na maior serenidade, por que na certeza de que seus processos permanecem candidamente nos escaninhos do Supremo, imunes a julgamento.
A caracterização do ato de censura jamais é pelo seu momento, se prévio ou a posteriori, porque o seu tempo não significa absolutamente nada, em relação ao efeito propriamente do ato de repressão, efetivado por meio de determinação para que algo deixe de existir e é exatamente nesse exato momento que fica patenteada a censura, fato que demonstra total insensibilidade do presidente do Supremo sobre a importância extremamente negativa da decisão do ministro-censor, que mandou remover conteúdo jornalístico de meios de comunicação, que até pode ser considerado normal nas piores republiquetas, mas jamais no país com as grandezas econômicas, sociais e civilizatórias do Brasil.
Os fatos mostram que alguns atos em demonstração de extremo repúdio ao Supremo jamais deveriam existir se essa respeitável instituição jurídica não desse a mínima motivação para que existisse tamanha revolta de parte da sociedade e isso precisa chegar, o mais rapidamente possível, ao conhecimento tanto do todo-poderoso presidente como dos ministros, porque eles, embora tenham saber e notoriedade jurídica, não são os danos da verdade nem estão acima do primado da lei, o que significa se intuir que os saudáveis fluidos com os melhores sentimentos de humildade precisam urgentemente se instalar no Supremo Tribunal Federal, de modo que o seu dirigente entenda que mordaça e censura são instrumentos extremamente nocivos à evolução da humanidade, porque impedem o mais sagrada exercício do homem moderno e civilizado de se expressar livremente, sem embargo das medidas punitivas cabíveis, em caso de extrapolação ou abuso desse direito elementar.
Brasil: apenas o ame!
Brasília, em 21 de abril de 2019

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