sexta-feira, 29 de novembro de 2019

A monarquia tupiniquim


Na forma como o presidente do Supremo Tribunal Federal age à frente do órgão máximo do Poder Judiciário, não há a menor dúvida de que a realeza se faz presente no país tupiniquim.
As muitas das decisões proferidas por essa corte não deixam mínimas dúvidas de que ali estão os verdadeiros donos da razão e dos conhecimentos jurídicos do país, nas pessoas de apenas seis magistrados, que se consideram iluminados e soberanos nas interpretações dos textos constitucionais e legais, cujos veredictos são intocáveis, irrecorríveis e soberanos.  
Com as suas autoridades sobre o conhecimento das normas jurídicas, esses ministros têm o poder de erigir, à sua maneira, o que eles acreditam ser o império da lei que melhor se harmoniza com os interesses da nação, não precisando, em absoluto, do pensamento e muito menos da opinião de mais ninguém.
É evidente que a cabeça pensante, o líder dessa ala de iluminados, pontifica o plenipotenciário poderoso que comanda a Casa, com a aceitação mansa e pacífica de seus demais pares, que apenas placitam as suas soberanas orientações.
Os acovardados e atônitos súditos do país assistem, quietos resignados, o presidente do Supremo dá as ordens não somente ao Poder Legislativo como também firmar os desígnios nacionais, com o comando consciente do poder monárquico, cujas decisões são incontestáveis, tendo absoluta convicção de que elas emanam o melhor da Justiça, que tem o poder de estabelecer finalmente o que é certo ou errado, não importando os limites do alcance insculpidos na Lei Maior do país, porque a regra derradeira passa a valer o que for escrito por força das interpretações derradeiras dos iluminados do Supremo.
Diante de pensamento com a riqueza de ideias jurídicas do presidente do Supremo, tudo pode ser modificado, desde que esteja em conformidade com a mente clarividente da corrente predominante do Supremo, que vem decidindo sobre os destinos dos brasileiros, em termos do melhor na área jurídica, principalmente pelo fato de que inexistem, contra eles, ressalvas, freios nem contestação, em forma controle, porque ela é simplesmente soberana e pronto.
O certo é que o mandatário do Supremo decide e muitas das suas deliberações, em decisões monocráticas, têm sido questionadas, notadamente por denotarem abuso peculiar de ato de exceção, a exemplo de apurações, diretamente pela corte, sobre o que foi considerado atos de agressão, pela mídia, contra ministros do Supremo, que teve o repúdio da sociedade.
Por último, o próprio presidente do Supremo, sem a menor justificativa, em imposição extremamente autoritária, determinou ao Banco Central a entregar de dados financeiros de 600 mil pessoas físicas e jurídicas, consistentes em montanha de documentos confidenciais de aproximadamente 19 mil relatórios para o seu particular deleite, para conhecimento de movimentações sigilosas de brasileiros, que ficaram à disposição do reizinho do Supremo, sabe-se lá para qual finalidade.
Além de não haver justificativa nem explicação plausíveis para tal medida, esse ato de extremo absurdo contraria dispositivo da Constituição, que prima pelo sigilo de documentos fiscais e financeiros.
Outra media estapafúrdia do “soberano” do Supremo foi protagonizada com a suspensão de milhares de investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, em atendimento de pedido da família do presidente da República, para que um de seus filhos e um laranja dele não fossem pegos em flagrante delito, cuja medida também garantiu a proteção do próprio mandatário da corte e, por tabela, a da própria mulher e a da cônjuge de ministro do Supremo.
A aludida medida teve o condão de congelar, de uma vez por todas, qualquer averiguação que envolvesse dados fornecidos pelo então Coaf – hoje conhecido por Unidade de Inteligência Financeira (UIF), esvaziado para não incomodar mais nenhum tutelado de autoridades poderosos e influentes, que, na opinião da Justiça, não podem ser incomodadas com investigações sobre atos suspeitos de irregularidades.
Felizmente que o plenário do Supremo pôs freio nessa estapafúrdia medida, decidindo, finalmente, que o “reizinho” da corte havia extrapolado seus poderes, ficando invalida  a liminar concedida por ele, o que vale dizer que as informações sigilosas da Receita Federal e da antiga Coaf podem ser fornecidas normalmente ao Ministério Público Federal, sem necessidade de prévia autorização judicial.  
Diante da total truculência jurídica do presidente do Supremo, a Organização do Comércio e Desenvolvimento Econômico, órgão internacional, cuidou de alertar o Brasil que medidas dessa natureza não condizem com os princípios da legalidade, além de estarem em desacordo com as normas e compromissos internacionais firmados e endossados também pelo Brasil.
Nesse sentido, o procurador-geral da República peticionou, em forma de recurso, na tentativa da revogação da questionada decisão do dono do Supremo, que foi negado por ele, por óbvio.
Em gesto de grandeza, de demonstração de compreensão quanto ao absurdo quadro criado por ele, talvez diante das revoltas e críticas da opinião pública, o presidente do Supremo aquiesceu dias depois, tendo resolvido voltar atrás no controle dos dados dos 600 mil reféns de sua loucura, mas por decisão própria e não por imposição de outrem, porque ele, o soberano da Justiça, é senhor da sabedoria, da verdade e da razão.
De outra feita, não há a menor dúvida de que é patente o sentimento policialesco do presidente do Supremo, que entende ser normal que aquela corte poderia, sem qualquer amparo legal, estruturar verdadeira delegacia, com poderes para revistar e entrar, sem pedir autorização, em casas de desafetos para buscar computadores e documentos sob a suspeição de conterem elementos de prova sobre atentados contra ele e ministros daquela Casa.
É extremamente lamentável que o Brasil esteja passando por momento de extrema fragilidade das instituições republicanas, onde há mandatário que imagina-se com poderes supremos e incontestáveis, tendo a capacidade para intervir onde bem quiser e o pior é que nada é capaz de demover esse sentimento, impulsivo, prepotente e contrário aos princípios constitucional, democrático e republicano, dando a entender que ele teria sido urgido com poder da divindade da Justiça, para a prática de atos que possa melhor atender ao seu sentimento de justiça.
Diante da sucessão de fatos estranhos demandados por autoridades do Supremo Tribunal Federal, com destaque para o seu mandatário, que realmente assumiram o protagonismo da República, mesmo que isso não se harmonize com a sua incumbência institucional, não há a menor dúvida de que o Poder Judiciário brasileiro age na contramão da sua missão orgânica, à vista da imposição de decisões meramente autoritárias e dissonantes dos princípios republicano e democrático, a despeito da falta de julgamento de criminosos de colarinho branco, que diz precisamente com a sua incumbência jurisdicional.
A verdade é que o presidente do Supremo Tribunal Federal, acolitado por mais cinco poderosos ministros, constituindo a maioria da corte ou, se preferirem, da liga da Justiça, são capazes de aniquilar qualquer ato que não esteja em consonância com os seus conceitos de justiça e, o pior, nem adiante contestação ou questionamento sobre a juridicidade de seus atos, porque eles simplesmente, depois de decididos, passam a ser cláusula pétrea, indestrutível e irremovível.
Brasil: apenas o ame!
Brasília, em 29 de novembro de 2019

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