O
deputado federal filho do Presidente da República declarou, a despeito de
comentário de protestos de rua que ocorrem no Chile, que, se houver uma
radicalização da esquerda, no Brasil, “a gente vai precisar ter uma resposta
que pode ser via um novo AI-5”.
Diante
da estrondosa e generalizada repercussão da sua infeliz declaração, o parlamentar
saiu-se, de forma acovardada, com desculpa amarela, alegando que teria sido “mal
interpretado”, dizendo: “Eu peço desculpas a quem, porventura, tenha
entendido que estou estudando o retorno do AI-5. Essa possibilidade não existe”.
Não
poderia ser diferente, o leviano e louco discurso do deputado sobre a possível
edição de novo Ato Institucional n° 5 (AI-5) repercutiu, de forma
estrondosa, durante o dia de ontem, principalmente nos meios políticos e
jurídicos, inclusive o próprio pai dele, todos se manifestando contrariados e
perplexos com a tresloucada declaração, que é da maior irresponsabilidade cívica
e política.
Para
quem nunca ouviu falar do famigerado AI-5, ele tratou de medida excepcional, que
foi publicada no dia 13 de dezembro de 1968, no auge do governo militar, tendo
sido considerado o mais duro e incisivo dos atos do regime militar, que durou
entre os anos de 1964 a 1985.
O
aludido dispositivo jurídico autorizou o presidente da República a decretar o
recesso do Congresso Nacional, das assembleias legislativas e das câmaras de
vereadores, cassar mandatos de parlamentares e suspender direitos políticos dos
cidadãos, conforme as circunstâncias.
Após
a publicação do referido ato, o presidente do país decretou o fechamento o
Congresso, por tempo indeterminado, sob a alegação ou a justificativa para se assegurar
a ordem e a tranquilidade no país, mas ele voltou a funcionar dez meses depois,
já com a devida purificação das mentes contrárias ao regime militar, ou seja,
ouve a cassação de muitos parlamentares opositores ao governo, com base nesse
diploma jurídico.
Na
verdade, a fala alienada do deputado precisa ser interpretada, mais uma vez, como
verdadeiro balão de ensaio, ao ser lançada semente ao vento com o propósito de
se auscultar a opinião das ruas, que certamente deve ter tido bem mais acolhida
por parte da população do que dos congressistas e do Legislativo, que seriam as
partes abrangidas em um ato com a magnitude do AI-5.
Ou
seja, não há a menor dúvida de que, mesmo se tratando de recriminável ato de
ruptura com os princípios democráticos, nas circunstâncias em que o Legislativo
e o Judiciário batem de frente contra os interesses da sociedade, até que
medida destinada a pôr “ordem” na casa, segundo seus mentores, teria certamente
o apoio da maioria dos brasileiros, tendo em conta que a tendência é piorar
cada vez mais a decadência dessas instituições, que estão indo na contramão dos
interesses dos brasileiros, a exemplo da liberdade de milhares de criminosos,
com a derrubada da prisão na segunda instância, e a indolência na aprovação de
medidas anticrime do governo, que só beneficiam a criminalidade e prejudica a
população.
O
certo é que, de maneira gradativa, integrantes da família do presidente brasileiro
mandam seus recados à sociedade, objetivando testar os limites da democracia
brasileira ou ainda a resistência às medidas de pura nitroglicerina, ante a
imaginável tranquilidade da população.
O
discurso de ontem, sobre a possível introdução, no Brasil, de medidas
truculentas contra a democracia, em caso de “radicalização” da esquerda, não foi
a primeira manifestação de membro do clã presidencial e certamente não será a
última nesse sentido, porque essa índole está no DNA da família, conforme vem
mostrando a sequência dos pronunciamentos deles, desde o início deste governo.
Diante
das reiteradas atitudes políticas do clã bolsonariano, é mais do que evidente que os filhos do
presidente são, de maneira irresponsável, favoráveis à relativização da
democracia, tendo demonstrado que eles defendem qualquer medida truculenta,
vinda de cima para baio, como forma de imposição da autoridade do Estado, não
importando com as suas graves consequências.
É
preciso que a sociedade não deixe se envolver esse clima de incitação ao
combate ao fantasma da intolerância, imaginado de tal forma para se reagir à
possível radicalização da esquerda, diante da fragilidade dos pressupostos
imaginados por meia dúzia de inconsequente, prematura e insegura liderança, que
somente tem demonstrado imaturidade política, sem nenhuma argumentação
plausível para a sustentação de seus argumentos.
A
defesa isolada da aplicação do AI-5 se apresenta como medida da maior
temeridade, exatamente porque não há a mínima base de sustentação jurídica para
a sua implementação, na atualidade, o que somente causa completa perplexidade a
suscitação dessa imbecilidade, notadamente porque se trata de instrumento de
maior poder repressivo de exceção, considerando que o seu emprego poderia resultar
não somente na brusca ruptura da democracia, como a cassação direitos e mandatos
políticos, além da suspensão de garantias constitucionais e do ferimento de direitos
humanos, com gravíssimos prejuízos para a sociedade, que, ao contrário, anseia
por plenas liberdades próprias da saudável democracia.
É
muito lamentável que o clã bolsonariano incursione em seara perigoso,
certamente intencional e muito bem pensada, para o fim de tentar tumultuar o já
conturbado mundo político, com declarações absurdas e tresloucadas, que somente
visam à relativização dos princípios democráticos para, sabidamente, com a
finalidade de se sentir a reação da sociedade e das instituições acerca de tema
fora de propósito.
É
preciso que haja não somente contundente reação da sociedade a esse discurso
maluco e sem sentido prático, mas sim também atenta vigilância contra qualquer tentativa
de retrocesso democrático, tendo por fundamento argumentação frágil e
insustentável.
Enfim,
não passa de frívola ousadia alguém querer testar a democracia, que precisa se
manter firme nos seus pilares, por ter como base de sustentação a vontade dos brasileiros
de não pender para o lado da insegurança e do precipício e muito menos para a
movimentação do caos generalizado.
À
toda evidência, é preciso sim que a sociedade se mobilize em reação, de maneira
coesa e veemente, diante desse discurso canceroso com a clara tentativa de deformação
das estruturas da democracia brasileira, em manifestação de integral desaprovação
a qualquer medida que tenha por propósito enveredar o país para caminhos tortuosos
das incertezas políticas, que certamente levariam às consequências de gravíssimos
prejuízos não somente para os princípios democráticos, mas notadamente para o
desenvolvimento socioeconômico do Brasil.
Brasília, em 1º de novembro de 2019
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