sábado, 9 de novembro de 2019

Sobre a prisão injusta


Na crônica intitulada “Abaixo de republiqueta”, foram tecidas interpretações sobre os assuntos que levaram a desconformidade da decisão do Supremo Tribunal Federal com relação à prisão na segunda instância, tendo concluído que a República tupiniquim passa, a partir de agora, a ser fantástico paraíso da criminalidade, que se engrandece com o passaporte da liberdade para a prática de crimes conta a sociedade, que bem merece ser tratada como um bando de alienados, que recebem pauladas do Judiciário e simplesmente as aceitam, em demonstração de passivo acovardamento.
Uma atenta leitora transcreve, segundo ela, para meu conhecimento, lapidar parecer, que ela disse ter achado interessante e importante, como explicação, da lavra de um especialista em processo penal e também doutorando em Direito Penal, que discorre com muita propriedade sobre as formas de prisão, com base em disposição constitucional e legal, e suas consequências, em termos de periculosidade dos criminosos, entre outras questões que o levaram a concluir que o Supremo Tribunal Federal se houve com correção, tendo cumprido a lei e a Constituição.
Não obstante, um texto desse parecer chama a atenção, por discorrer sobre o seguinte tema, verbis: “Imagine só a possibilidade de uma pessoa cumprir a pena, ou parte dela, e posteriormente ser absolvida. Ninguém pagará a ela o prejuízo da prisão injusta.”.
Em tese, o parecer em epígrafe tem suas razões, porém, no que se refere à questão sobre a comprovação da inocência, quando o condenado já esteja cumprindo a pena, isso é realmente muitíssimo grave e precisa ser levado em conta nessa forma suscitada, porque dificilmente há como reparar a injustiça de que se trata, quando se constata a inocência e o condenado se encontra preso indevidamente.
Só que, a propósito, nesse particular, existe curioso e determinante detalhe de muita relevância, que precisa ser devidamente analisado, tendo por base importante levantamento promovido, nada mais nada menos, pelo Conselho Nacional de Justiça, realizado exatamente com o fito de subsidiar o julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre as ações referentes à prisão na segunda instância, que possivelmente o parecerista não tenha conhecimento disso, assim também a aludida leitora.
Precisamente com base nessa pesquisa, pasmem, houve a constatação de que somente 0,62% do universo das ações penais julgadas e confirmadas pela segunda instância conseguiram a reversão das sentenças, com a sua anulação e decretação da inocência dos condenados.
Ou seja, depois da confirmação da segunda instância, que é o último órgão da Justiça para dizer sobre a culpabilidade ou não do denunciado, nenhum outro órgão da Justiça tem competência para rever e reavaliar o mérito das sentenças prolatadas nas primeira e segunda instâncias, nem mesmo o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Regional, que podem fazer senão se pronunciarem, respectivamente, sobre possíveis falhas procedimentais e a inconstitucionalidade sobre os procedimentos adotados.
Essa constatação tem a confirmação da correção das decisões, em matéria penal, prolatadas pelas primeira e segundas instâncias, o que equivale à representatividade segura do altíssimo índice de 99,38% dos processos confirmados em toda a sua tramitação nos órgãos do Poder Judiciário, motivo pelo tanto se defende a prisão depois da confirmação da segunda instância, à vista da segurança patenteada no seu veredicto, conforme mostram as estatísticas e isso os ministros do Supremo sabem muito bem que eles são apenas carimbadores das decisões da segunda instância, porque, em termos de mérito, eles não têm a mínima competência.
Para os menos informados e até mesmo para quem acredita em milagre, será trágica decepção se acreditar que os processos confirmados na segunda instância poderão ter fácil anulação, passando por alguma forma de reversão sobre o mérito pertinente aos julgamentos após as primeira e segunda instâncias, porque, como visto acima, somente pouquíssimos casos (0,62%) conseguem alteração dos veredictos proferidos nessas instâncias.
Ou seja, parece ser quase milagre se pensar diferentemente disso, à vista da assombrosa confirmação de seus julgados, no patamar de 99,38%, quase a plena segurança de correção, o que não à toa que a prisão em segunda estância é marco de altíssimo grau de confiabilidade.
Com o pouco de experiência jurídica, penso que parte dos ministros do Supremo irmanada e motivada por alguma causa, porque os magistrados legalistas votaram unanimemente no mesmo sentido, defendendo o mesmo entendimento, enquanto outra ala distinta votou também uniformemente no mesmo sentido, embora diferente daquele, quando, por dever de interpretação correta e justa seria possível que todos, com uma ou outra divergência, votassem com o mesmo pensamento sobre a constitucionalidade ou não da prisão na segunda instância, mesmo porque o texto constitucional fala que ninguém será considerado culpado até haver possibilidade de recursos, quando se opera o trânsito em julgado, mas em lugar nenhum dela há menção de que o condenado não possa ser preso desde logo, depois da sentença condenatória, como se procedem nos países sérios e civilizados, em termos de legislação penal.
Nesses países, o juiz dá a sentença e o criminoso já sai da presença dele diretamente para a cadeia, de onde pode demandar os recursos que tiver direito legalmente.
Se o Supremo agiu corretamente ou não pode ficar a critério de quem interpreta a decisão pertinente, principalmente a depender da sua conveniência, mas, em termos jurídicos, não há a menor dúvida de que o julgamento da ação na segunda instância é o parâmetro ideal para que o condenado comece a pagar a sua pena, exatamente porque o mérito da questão dificilmente será modificado depois dela, salvo se houver caso novo sobre os fatos objeto da sentença condenatória, em que os autos voltam à origem para novo julgamento e isso também dificilmente tem ocorrido depois do veredicto da segunda instância.
Não tenho a menor pretensão para induzir ninguém a pensar como penso, porque tenho muita convicção sobre o que escrevo e o faço com base nos fatos, na realidade, completamente isento de pensamento ideológico, mas imbuído do sentimento de isenção, sem me preocupar se alguém concorda ou discorda do que escrevo, porque, sabidamente, cada pessoa já tem a sua opinião formada sobre os fatos da vida.
Seria bastante relevante a tese suscitada no parecer técnico-jurídico em apreço, se realmente houvesse histórico com estatística de muitos casos de condenações transformadas anulação por comprovação da inculpabilidade do apenado, mas a confirmação de realidade tranquilizadora de pequena incidência põe por terra argumento de quase nenhuma consistência, embora não se pode dizer que ela não exista, não a ponto de servir de defesa jurídica para a sustentação sobre a desnecessidade da prisão na segunda instância ou somente quando a sentença transitar em julgado, diante da irrelevância da constatação sobre a matéria, por órgão de extrema credibilidade, qual seja, o Conselho Nacional de Justiça.
Brasil: apenas o ame!  
Brasília, em 9 de novembro de 2019 

Nenhum comentário:

Postar um comentário