sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

A indecência

 

Com a eleição dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, o Congresso Nacional, os titulares podem ter vestido os figurinos preparados pelo presidente da República, porém sob estratégia de altos investimentos, com o uso  de bilhões de reais, na forma da mais despudorada farra  envolvendo distribuição de cargos e emendas parlamentares à luz solar, em clara subserviência ao modelo fisiológico nada republicano.

Em reunião com parlamentares apoiadores, antes da citada eleição, na residência oficial do Palácio da Alvorada, o presidente do país declarou à imprensa: "Viemos fazer uma reunião com 30 parlamentares do PSL e vamos, se Deus quiser, participar, influir na presidência da Câmara com esses parlamentares, de modo que possamos ter um relacionamento pacífico e produtivo para o nosso Brasil".

Ou seja, sem o menor pudor, o presidente brasileiro disse que ia sim influenciar na escolha do mandatário da Câmara, algo absolutamente insensato para quem comanda outro poder da República, que, por ética, nem deveria discutir sobre o tema, por não ser da sua competência institucional, quanto mais interferir na consciência dos parlamentares eleitores, como fez, com a compra de votos, como mostraram os fatos, à saciedade.

Os cálculos dos gastos públicos indevidos são estimados em R$ 3 bilhões em emendas “extras”, totalizando R$ 20 bilhões compromissados com as “costuras” e negociatas bem sucedidas nas Câmaras Alta e Baixa do Congresso, com o que foi possível o apoio que se precisava para emplacar candidatos apadrinhados pelo governo, que foram escolhidos a dedo, tendo ainda a garantia do abafa sobre qualquer das mais de seis dezenas de pedidos de abertura de processo de impeachment contra o afastamento do cargo presidencial.

Nessa inteligente manobra de  submissão do Parlamento ao vil servilismo palaciano, o presidente expôs às claras e assumindo o cristalino estelionato eleitoral, ao revés das promessas defendidas na campanha eleitoral, quando não se falava em outra coisa senão no ferrenho combate à corrupção, ao toma lá dá cá, que, a propósito, o presidente tanto criticava e com bastante veemência.

O presidente, com a sua indiscutível interferência no citado processo eleitoral do Congresso, precisamente em poder autônomo e independente, diferente do Executivo, ou seja, em indiscutível atitude irregular, deixa patente que os sábios eleitores que votaram nele, acreditando nas promessas do novo e valente paladino da moralidade, foram enganados e isso tem o nome real de estelionato eleitoral, quando ele revela o verdadeiro pendor para o mesmo sentimento dos velhos políticos, afeitos às maracutaias tais quais as suas incursões nas hostes do Congresso, por ser seara estranha ao cargo para o qual ele foi eleito sob falando em tudo sobre ética e moralidade.

É curioso não se ter conhecimento de que, nas negociatas envolvendo cargos e recursos públicos, tenha havido discussão sobre planos e metas de governo, gestão pública, princípios, projetos ou cousa que o valha, senão a simples cooptação da consciência daqueles que aceitaram o que se denomina de prática fisiológica, para ficar ao lado do governo, não importando o preço da fatura, para trazê-los para a causa do poder, que passou a ser chamada sabiamente de governabilidade, com o carimbo da imoralidade, eis que não teria havido perfeita união sem o famoso e recriminável “jeitinho” brasileiro.

Nem foi preciso o emprego de disfarces, porque as indecorosas conversas foram abertas e às claras entre o governo e os parlamentares, que se uniram nos anseios e objetivos comuns de se satisfazerem mutuamente, na confirmação de sólida e perfeita opção pelo que há de mais venal nas relações institucionais entre Executivo e Legislativo.

Como não poderia ser diferente, o presidente do país era só sorriso à boca larga, por ter alcançado quase que de forma miraculoso o objetivo da submissão, da colocação sob seus pés, de joelhos, muitos congressistas, como se vassalos fossem do soberano, evidentemente às custas de régio pagamento que somente envergonha a República, que ficou bem menor ainda diante disso, em termos de dignidade, que não resiste à sanha da ambição dos homens de atrofiada consciência cívica, patriótica e política.

Todo esse arcabouço construído para a eleição dos citados presidentes tem a viva e efetiva participação, pasmem, do Centrão, tudo ao gosto e aos propósitos do famoso grupo político, por suas práticas fisiológicas e que se junta orgulhosamente ao governo, cujo comandante até há pouco tempo o criticava por seus métodos próprios da velha política, sempre na garantia de que ambos jamais se sentariam na mesma mesa, mas os tempos mudaram como se transforma a posição das nuvens, muito instantaneamente, tendo como ingredientes a conveniência e o interesse pessoais, voltados para a manutenção no poder e não somente isso, porque acima das causas nacionais e dos princípios da moralidade e da dignidade na administração pública está a sonhada reeleição, palavra mágica que corrompe e desmoraliza os homens públicos desbotados moralmente pela perda da decência.  

Não será surpresa, como já vem acontecendo, que o grupo disforme de excelentes oportunistas do Legislativo há de cobrar a fatura sob preço bem caro e o governo tem consciência sobre isso, porque ele sabe que a sua alma foi entregue ao diabo, que não dispensa descumprimento dos compromissos perante o grupo, sempre atento ao acordo firmada com o governo, que agora se digna a entregar ministérios, de porteira fechada para o Centrão, que era algo imaginável até há pouco tempo, mas as circunstâncias permitem se pensar diferente, evidentemente para o bem pessoal, em detrimento dos interesses nacionais.

A propósito, convém trazer à lume importante mensagem do então candidato à Presidência da República, vazada nestes termos: “Nenhum presidente é maior do quer o seu ministério. O segredo para bem administrar o Brasil é você botar as pessoas certas nos ministérios certos. O que vem sendo feito ao longo dos últimos anos? O presidente indica os seus ministros de acordo com interesses político-partidários. Tem tudo para não dar certo. Qual é a nossa proposta: é indicar as pessoas certas para os ministérios certos. Por isso, não integramos o Centrão. Tampouco estamos na esquerda de sempre. Vamos escalar as pessoas certas, porque assim você poderá, de verdade, ter saúde, educação e segurança.”.

Ou seja, se mantido esse entendimento na atualidade, já se sabe o resultado do conchavo perpetrado com as negociatas com parlamentares, que envolvem a entrega de ministérios ao Centrão.

Causa enorme perplexidade o fato de o presidente do país ter se aliado como parceiro privilegiado, o presidente da Câmara, que responde a inquéritos sobre suspeita de improbidade administrativa e outros crimes, mas mesmo assim nada impediu que o poder fosse loteado, para que ambos se colocassem no mesmo barco e remassem na mesma direção, em que pese essa estranha união não se conformar com o sentimento de pureza moral do candidato presidencial, que chegava a babar quando se referia aos princípios da moralidade e da dignidade na vida pública.

Nas negociatas, entraram o compartilhamento dos ministérios entre participantes do Centrão, que terá as suas capitanias hereditárias nas Explanada dos Ministérios, com a criação do instituto do arrendamento da máquina pública, fazendo com que a coordenação das políticas públicas seja dividida e esfacelada, diante da impossibilidade de o presidente poder mandar no órgão que esteja sob o comando do Centrão, que passará a ter competência para indicar o seu titular e impor as políticas que bem entender na área da sua competência, sem a interferência da pessoa que foi eleita exatamente para comandar a máquina pública, que perderá a unidade de comando, coordenação e direção.

A ambiciosa e ansiada promessa de diminuição dos ministérios também vai para o espaço sideral, porque novos ministérios vão aparecer logo em breve, para satisfazer a sanha de poder do Centrão, fato que vai também contrariar mais uma promessa de campanha, quando o candidato reclamava, indignado, que os cargos no poder eram criados e entregues para aparelhar o sistema.

O pior é que tudo isso está muito prestes a acontecer, precisamente para satisfazer aos termos das negociatas com o Centrão, em claríssima confirmação da falta de palavra presidencial, que se mostrava ser a pessoa mais sensata do planeta e fez ser acreditado por muitos eleitores, que continuam com a mesma mentalidade de achar que tudo isso é normal, embora muitos atos do presidente estejam na contramão das suas afirmações de campanha, bem assentada em princípios da ética e da moralidade.

O desejo do candidato era ter a Esplanada dos Ministérios com, no máximo, 15 pastas, em conformidade com a meta de campanha tendo por ideia de que “vou criar uma estrutura enxuta”, mas já começou o governo com 22 e depois 23, e outros virão, em torno de mais três, tudo desnecessário, com a criação de mais despesas, nada importando, nesse particular, porque eles devem fazer parte do ajuste embutido nas negociatas em apreço, que são muito mais importantes do que a austeridade na gestão dos recursos públicos.

Além dos novos ministérios, é natural que surjam, por óbvio, milhares de cargos extras para o azeitamento do funcionamento das repartições que são necessárias para a colocação dos apaniguados dos políticos do Centrão, os quais são absolutamente dispensáveis para o serviço público.

À toda evidência, é notória falta de recursos para o Auxílio Emergencial, o Bolsa Família e muitos compromissos de incumbência prioritária do Estado, mas já foram liberados valores equivalentes a R$ 3 bilhões das emendas “extras” para satisfazer parlamentares eleitores, como forma de investimentos essenciais e urgentes, para resolver situação de força maior e da maior importância pessoal do presidente do país, que, por sua vez, não se sensibiliza com as carências da população.  

À vista dos fatos, em especial com relação à interferência presidencial nos destinos do Congresso Nacional, que teve o poder de decidir a escolha de seus dirigentes, por meios visivelmente espúrios e imorais, em todos os sentidos, há nítido sentimento de que adoradores fanáticos consideram essa patifaria não somente normal, mas necessária ao sistema, nas circunstâncias, diante dos acalorados aplausos e incentivos.

Nesse caso, ninguém leva em conta que muitos atos do presidente contrariam não somente os importantes princípios republicanos da moralidade e da dignidade, mas em especial muitas das salutares promessas de campanha, que se tornam sagradas e precisam ser fielmente observadas no exercício do cargo, à luz da seriedade contida nas metas abonadas por meio do voto de cada eleitor, porquanto pensamento diferente disso causa o que se evidencia verdadeiro estelionato eleitoral, quando se desvia delas, por qualquer motivo, sem a devida justificativa plausível, quanto mais no caso de prejuízo ao interesse público.

Por certo que o Brasil, pela grandeza do seu povo e da sua economia, bem que merece ser governado sob os princípios do bom senso, da racionalidade, da moralidade, da dignidade, entre outros em que seus dirigentes devam manter acesas as promessas perante o povo, não importando às suas consequências, diante do péssimo sentimento prevalente quando elas são ignoradas por meras conveniências pessoais, como vem acontecendo nos últimos governos, em que o interesse público tem sido injustificadamente menosprezado e, o pior, com o beneplácito do povo, que aceita conformado a continuada e abusiva deformação da estrutura do Estado.

Brasília, em 12 de fevereiro de 2021  

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