quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Insensibilidade humana?

 

O símbolo da campanha eleitoral e da trajetória do presidente da Repúblicas é o posicionamento dos dedos polegares e indicadores direcionados para cima, em simulação a arma de fogo, fazendo lembrar a meteórica tragédia causada pela Covid-19.

Há exatamente um ano, em 25 de fevereiro de 2020, morria, no Brasil, a primeira vítima da Covid-19 e as manchetes dos jornais destacavam como principal notícia: “Brasil tem 1º caso de coronavírus”.

O homem objeto dessa notícia tinha 61 anos, que regressara da Itália, país considerado epicentro da doença.

Ele também foi o primeiro caso confirmado na América Latina.

Se passou um ano e o Brasil registra 10 milhões de habitantes contaminados pela Covid-19, em curva ascendente e acelerada da doença, desde o fim de 2020.

Convém se registrar, como fato extremamente lamentável, que, na véspera do aniversário da primeira vítima fatal da doença, o Brasil enterrava, com intensos pesar e dor no coração, a sua 250.000ª vítima da Covid-19.

Mal comparando, é como se as cidades de Cajazeiras, Patos e Souza, na Paraíba, fossem condenadas, juntas, à perda da sua população, em apenas um ano, sob a condenação da sua supressão do mapa e ficassem sem ninguém.

Convém que esse terrível registro fique guardado na memória das gerações de brasileiros, para que esse triste episódio nunca seja esquecido, de modo que, no futuro, se mantenha nos museus, em homenagem e memória às vítimas da Covid-19, as fotos, os nomes, as imagens e as frases ditas pelas pessoas incumbidas direta e indiretamente por essa monstruosidade.

Certamente ela não seria tão alarmante se tivessem havido sensibilidade e compreensão, no que diz ao sentimento humano, sobre a real gravidade da mortífera pandemia.

Não se pode esquecer que a pandemia foi indevida e perigosamente relativizada, desde seu início até o presente momento, mesmo sendo preocupantes os sintomas da grande tragédia, ante à constatação do seu diagnóstico.

Não obstante, havia quem vaticinasse, no âmbito da infinita sabedoria do Palácio do Planalto,  “apostando” que, no Brasil, haveria de morrer bem menos gente por coronavírus do que por gripe comum, cujo prognóstico apenas evidenciava o tamanho da má vontade para se cuidar de doença indiscutivelmente destruidora, conforme mostram os resultados da atualidade.

Não há negar que há pessoa do governo que prefere creditar à divulgação dos estragos da doença e dos riscos de contaminação a mera conspiração para derrubar ou prejudicar o presidente brasileiro.

Na atualidade, qualquer notícia que não seja do agrado do governo, no que se refere à pandemia, funciona como algo para sacanear e prejudicar a reeleição do presidente, que não pensa em mais nada senão nela, o que não passa de idiotice levada pela supressão da inteligência.

A verdade é que a história e a memória hão de contar e lembrar a tragédia que vem acontecendo, dia após dia, na forma da experiência tenebrosa estampada em cada internação, cada ferida, cada trauma e cada corpo, que apenas faz parte de drama humano que tem sido verdadeiro e não se sabe quando será o seu fim.

É preciso lembrar sim que o presidente da República, próximo da confirmação do primeiro caso de morte de brasileiro, disse, ipsis litteris:No meu entender, está superdimensionado o poder destruidor desse vírus. Então talvez esteja sendo potencializado até por questão econômica, mas acredito que o Brasil, não é que vai dar certo, já deu certo.”.

Não conformado somente com o sentimento de pessoa forte, corajosa e valente no enfrentamento da Covid-19, diferentemente dos fracos que não resistiram à ação letal da doença, o presidente brasileiro já teve oportunidade de declarar muitas pérolas sobre a pandemia, que certamente hão de passar para a história da República, conforme as que foram selecionadas e transcritas a seguir:

No meu entender, há muito mais fantasia, a questão do coronavírus, que não é isso tudo que a grande mídia propala ou propaga pelo mundo todo”.

“Não podemos entrar numa neurose como se fosse o fim do mundo”.

“Pode ter aproveitamento político em cima disso, a gente não quer pensar nisso daí, mas tem que ter calma. Vai passar. Desculpa aqui, é como uma gravidez, um dia vai nascer a criança. E o vírus ia chegar aqui um dia, acabou chegando.”

“Depois da facada, não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar”. “O brasileiro precisa ser estudado. Ele não pega nada. Você vê o cara pulando esgoto ali. Ele sai, mergulha e não acontece nada com ele”. “Vem aí a cloroquina na área. Na região norte, (a quantidade de infectados) tá pequena. Grande parte (da população) usa (cloroquina) pra malária. Está vacinada (sic)”. “O coronavírus parece que está começando a ir embora”. “Eu não sou coveiro”. “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”. “Quem for de direita, toma cloroquina; quem for de esquerda, toma tubaína”. “No meu entender, houve uma propaganda muito forte em cima disso. Trouxe o pavor para o seio da família brasileira”. “A gente lamenta todos os mortos, mas é o destino de todo mundo”.

A essa lista de declarações absurdas somam-se outras estapafúrdias tiradas do presidente do país, a respeito da vacinação, como, em especial, a repulsa ao distanciamento social e ao uso de máscara, como medida de combate ao contágio da Covid-19.

O presidente do país já insinuou que era preciso combater a pandemia “como homens”, não como “bundões” ou “maricas”, o que bem demonstra a insensibilidade humana para se cuidar de pandemia, onde se exige, no mínimo, respeito à dignidade das pessoas.

Mesmo diante de completa crise na saúde pública, por força da gravidade imposta pelo coronavírus, dois ministros da Saúde foram dispensados pela porta da descarga, sendo que, na atualidade, o Ministério da Saúde se encontra acéfalo, uma vez que é comandado por general especialista em almoxarifados, fato este que bem demonstra a completa insensibilidade e irresponsabilidade gerenciais, quando, em situação de grave pandemia, a saúde dos brasileiros merecia ser tratada por pessoa qualificada e entendida de sanitarismo.

Eram dois médicos que, por certo, tinham melhores condições para cuidar da saúde dos brasileiros, quando a crise ainda era passível de controle e nada mais sensato do que o especialista em medicina ou sanitarismo para comandar o ministério incumbido da execução das políticas pertinentes.

O balanço que se tem nesse ano de convivência com muitas mortes causadas pela Covid-19, em quantidade assustadora de 250 mil vítimas, viu-se muita incompetência, má fé de governadores, prefeitos e autoridades, que levaram o tempo tentando minimizar os efeitos da tragédia, desdenharam das mortes e claudicaram na adoção das medidas necessárias à imunização da população, que é a única e segura maneira de salvação de vidas humanas.

É evidente que o país que tem governante capaz de demonstrar insensibilidade humana diante do caos da saúde pública, representado por tantas mortes e ainda ter deixado de priorizar a principal política de combate à Covid-19, por meio da imunização, conforme a mais extraordinária desorganização jamais vista no país, precisa que seu povo se conscientize quanto à real valorização dos princípios humanitários, de modo que a vida humana mereça tratamento especial e de qualidade, porque ela ascende em tudo, em termos de preferência da administração pública.     

Brasília, em 25 de fevereiro de 2021

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