terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Degeneração moral

 

Hoje, o presidente da República deve ser só sorriso de alto a baixo, com as vitórias de seus candidatos às presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, segundo a imprensa, à custa do esforço do Palácio do Planalto, que se empenhou ao máximo com o oferecimento de cargos e emendas parlamentares para os congressistas.

Sem muita demora, o Centrão, que faz parte da aliança com o governo, já se antecipou, tendo apresentado a fatura, com a cobrança ao presidente, por ter ajudado a eleger os candidatos apoiados pelo Palácio do Planalto, dos cargos prometidos.

Já se sabe que a principal promessa do presidente ao Centrão foi a passagem da chave do Ministério da Cidadania ao Republicanos, partido da base do presidente da Câmara, que já tem até nome favorito para o posto e espera assumi-lo, o quanto antes.

Há notícia de que os partidos integrantes do Centrão estão querendo, além da Cidadania, que já foi definido, os Ministérios da Saúde e Indústria, sendo que este precisa ser recriado, além do Ministério da Educação.

Em que pesem as cobranças por ministérios, o presidente estuda, na tentativa de minimizar o desgaste junto à sua base mais radical, sob possíveis acusações de que ele teria cedido ao indigno e vergonhoso "toma lá, dá cá", o que é completamente inevitável, promover mudanças, para o atendimento das exigências do Centrão, de maneira espaçadas, mediante a distribuição dos ministérios, como se diz no popular, de conta-gotas, para que a desmoralização do seu governo não seja tão flagrante e vergonhosa.

A entrega de ministérios ao Centrão, grupo político duramente criticado pelo candidato à Presidência da República, que o considerava a antipolítica brasileira, é algo extremamente ridículo e patético, por mostrar a total perda de caráter do homem público, por se dignar a mudar de ideia diante de situação que pode resultar em prejuízo aos seus interesses políticos, no caso de iminente impeachment.

Ou seja, o Centrão participa em coalizão com o governo exatamente porque ele pode garantir a permanência do presidente no cargo, que vem sendo ameaçado de impeachment, que poderia ser factível sem o acordo espúrio com esse grupo que defende o fisiologismo como princípio e que os governos sem moralidade terminam se submetendo às exigências dele, o que, na prática, a instituição da fraqueza moral no governo, por contar, nas suas estruturas com políticos declaradamente avessos aos princípios da ética e da moralidade.

A propósito, convém ser trazido à lume, com o fito apenas de refrescamento da memória, mensagem pronunciada pelo candidato, quando ainda defendia a dignidade na administração pública, em demonstração de repugnância aos abutres que se aproveitavam de recursos públicos, nestes termos: “Nenhum presidente é maior do quer o seu ministério. O segredo para bem administrar o Brasil é você botar as pessoas certas nos ministérios certos. O que vem sendo feito ao longo dos últimos anos? O presidente indica os seus ministros de acordo com interesses político-partidários. Tem tudo para não dar certo. Qual é a nossa proposta: é indicar as pessoas certas para os ministérios certos. Por isso, não integramos o Centrão. Tampouco estamos na esquerda de sempre. Vamos escalar as pessoas certas, porque assim você poderá, de verdade, ter saúde, educação e segurança.”.

As palavras bastantes claras do então candidato à Presidência da República mostram o pensamento de muita lucidez de homem público que sabia perfeitamente distinguir o certo do errado na administração do Brasil, quando ele tinha a precisa consciência de que era errada a indicação de ministros apenas por interesse político-partidário, possivelmente diante do entendimento de que os ministérios entregues aos cuidados dos partidos levariam a sua gestão para a exclusiva orientação dessas agremiações, que passam a imprimir a sua política de interesse partidário, sem a menor vinculação mais com as orientações do governo, exatamente como eram no passado, em que somente as regiões de maior influência do titular da pasta merecem a execução dos melhores projetos, em termos de melhoramento com recursos públicos.

A verdade é que a entrega de ministérios aos partidos políticos termina com a integridade de comando e orientação do presidente do país, porque ele não pode mais interferir nos ministérios partilhados, como espécie de capitania hereditária, em que o domínio do órgão passa para o partido, que tem total autonomia sobre as atividades de incumbência dele.

Essa forma de distribuição de ministério, conforme disse o candidato, no auge da campanha eleitoral, realmente não pode dar certo, exatamente porque o principal reflexo surge com a prestação dos serviços de incumbência dele, que passará a ser de péssima qualidade, porque o partido aquinhoado não tem nenhum compromisso com a população, senão com os próprios interesses, o que é bem diferente quando o presidente indica o ministro da sua confiança.

É bem de se ver que os titulares dos ministérios não são mais “as pessoas certas para os ministérios certos”, porque, com o Centrão tendo a chave dos ministérios, os ministros passam a ser indicados pelo aloprado grupo, que vai indicar pessoas da sua preferência, normalmente político despreparado e sem nenhum compromisso com o interesse público, fato este extremamente recriminável, porque isso só demonstra extrema irresponsabilidade da gestão pública, que abandona a responsabilidade de zelar pela coisa pública.

À toda evidência, é extremamente vergonhosa a espúria aliança do governo com o abominável Centrão, por evidenciar a degeneração da moralidade da administração pública, ainda mais agora, que o presidente acaba de entregar a alma ao diabo, com os esforços para a eleição dos presidentes das Casas do Congresso Nacional, quando se obrigou a partilhar entre partidos os principais órgãos do Executivo, em consentimento da desorganização e da esculhambação dos serviços públicos, diante da certeza da péssima prestação dos serviços de incumbência do Estado, que já eram precários e a tendência agora é de simples piora.

É bem possível que os fiéis seguidores do presidente do país possam alegar que, sem a imoral e indigna aliança com o Centrão, não é possível governar o Brasil, porque falta apoio no Congresso, o que não é verdade, porque as instituições são independentes, em termos de competência e finalidade, tendo o dever de cada qual cumprir a sua obrigação institucional.

O que o governo precisa, sobretudo, são de competência e eficiência no exato cumprimento das suas funções institucionais, ao executar rigorosamente as atribuições inerentes à agenda presidencial e mandando para o Congresso os projetos que possam satisfazer o interesse público, ficando a cargo do Legislativo o dever aprová-los ou não, conforme as suas conveniências, sem necessidade de ninguém ficar brigando como ratos e gatos, na medida em que cada poder da República se encarregue de observar e cumprir as suas obrigações constituições e legais.

No caso de algum poder deixar de cumprir com o seu dever institucional, o outro poder tem todo direito de informar aos brasileiros que tal projeto não pôde ser executado porque ele não foi apreciado nem aprovado por quem de direito e pronto, ficando este último com a responsabilidade de assumir o ônus por deixar de satisfazer o interesse público, sem necessidade alguma de agressões e desavenças entre autoridades da República, cujo resultado normalmente terminava em prejuízo para a população.

Enfim, urge que os brasileiros conscientes da integral degeneração dos princípios republicanos da legalidade e da moralidade, repudiem, com veemência, a estranha aliança firmada entre o Executivo e o Centrão, por haver evidente prejuízo ao interesse público, diante da notória índole fisiológica desse grupo, que é suspeito de aproveitamento indevido de recursos públicos.

Brasília, em 2 de fevereiro de 2021

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