quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

O trabalho da Anvisa

 

O diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) disse que pediu ao presidente da República que vete trecho do projeto aprovado pelo Congresso Nacional que prevê prazo de somente cinco dias para aprovação de uso emergencial de vacinas contra a Covid-19.

O aludido projeto só precisa agora da sanção presidencial para entrar em vigor como lei, mas, se for vetado o trecho questionado pela Anvisa, a medida ainda pode ser derrubada pelo Congresso.

Segundo o texto, o prazo previsto não é para análise, mas sim para autorização do uso pela Anvisa se o imunizante já tiver sido aprovado por uma de outras 9 agências regulatórias, de um dos seguintes países ou comunidades: Estados Unidos da América; União Europeia; Japão; China; Canadá; Reino Unido; Coreia do Sul; Rússia; ou Argentina.

O diretor da Anvisa disse que o texto é "ameaça à soberania nacional no que tange aos aspectos sanitários. O que protege o cidadão brasileiro é um escudo chamado Anvisa. Esse escudo está sendo removido das mãos dos servidores e gerando uma insegurança sanitária, na medida em que o texto, no seu artigo quinto, logo na sua primeira fase, contempla uma única possibilidade: que é de conceder autorização. É como que dizer ao juiz antes do julgamento: o réu já está condenado ou absolvido. Não seria razoável pedir que o presidente sancionasse a medida provisória que anula o nosso trabalho.".

As regras vigentes são diferentes, porquanto “a Anvisa tem até 10 dias para analisar os pedidos de uso emergencial de vacinas.”.

Se as vacinas tiverem registros definitivos nos Estados Unidos, Europa, Japão ou China, a agência tem prazo de 3 dias para autorizar a importação.

O diretor da Anvisa disse que "Seja decisão de 3, 5, 2 dias, nós temos um limite de trabalho. Nossos servidores que analisam, que leem o dossiê de 20 mil páginas, eles estão hoje com dois protocolos de registros pesadíssimos na mão: AstraZeneca e Pfizer, dois dossiês imensos. Esses servidores já estão trabalhando no limite. Não tiro servidor da gaveta para somar esforços, os grupos são específicos. O que acontecerá é que, diante de um prazo insuficiente, prestaremos conta do que foi analisado até aquele momento e faremos constar em bula e em caixa: aprovado pela lei XYZ, produto sem análise da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Nós somos legalistas, estamos usando todos os recursos para tentar convencer as autoridades de que não é razoável agir dessa maneira".

Em data anterior, o diretor da Anvisa havia dito que "Não está escrito 'analisará', não está escrito que vai estudar o tema, não está escrito que vai verificar se há risco, se não há. Está escrito ‘concederá autorização’. Só nos é dada uma opção; é o sim, só tem essa opção".

No mesmo dia, a Anvisa dispensou o registro e a autorização emergencial para vacinas do consórcio Covax Facility.

Nesse caso, a agência avaliou que a análise dos imunizantes pela Organização Mundial de Saúde, que coordena a Covax, dispensa a necessidade de nova análise, uma vez que a própria Anvisa participa do consórcio.

No momento, o Brasil tem duas vacinas aprovadas para uso emergencial contra a Covid-19, quais sejam: a de Oxford e a CoronaVac.

Em se tratando de saúde da população, é preciso que haja conscientização sobre a segurança no que se refere à aplicação da medicação e a Anvisa é o órgão especializado que precisa ser preliminarmente ouvido, exatamente na forma da sua competência institucional.

No caso, fala-se em autorização em prazo exíguo que contraria a dinâmica da agência, mesmo em se tratando de situação excepcional, como a pandemia da Covid-19, mas, mesmo assim, é preciso respeitar a autonomia do órgão, porque a autorização do imunizante implica assumir responsabilidade sobre a eficácia do produto, que deixou de ser devidamente examinado.

Não há a menor dúvida de que a autorização sobre o uso de vacinas, a toque de caixa, é no mínimo, temerário, para não dizer irresponsabilidade perante os usuários.

Além do que estar-se impondo medida goela abaixo da Anvisa, que é mundialmente reconhecida pela presteza das informações sobre o seu trabalho, obrigação que pode fugir da padronização de segurança e garantia científicas, preferindo que a medida cogitada seja mais estudada, para o bem da população e não para satisfazer medida de força aprovada pelo Congresso.

O bom senso aconselha que não se pode ficar perdendo tempo com mera burocracia, em que pese se tratar de produto já aprovado por importantes agências de credibilidade, autorizando o seu uso, mas não se pode desprezar o trabalho responsável da Anvisa.

Tem-se urgência no uso das vacinas, para que o país possa retomar a vida e as atividades normais, o mais breve possível, mas se não pode descurar das medidas preventivas que assegurem a maior prudência possível quanto à credibilidade do produto aplicado na população.

O certo é que existem medicamentos que são proibidos em determinado país e liberados em outro e ainda que tem medicamentos que são testados em grupos específicos, como, por exemplo, numa população asiática ou africana, mas podem não ser liberados na Europa ou nos Estados Unidos e isso é complicado, em termos científicos.

Acredita-se que, nos casos indicados no projeto em causa, não seja necessária a realização das análises técnicas aprofundadas, mas, por segurança, convém que que tudo seja devidamente conhecido e certificado, até mesmo por meio de exames técnicos na forma usual, em termos científicos recomendados, sem atropelamento por conta de prazo.

          Caso isso não aconteça e qualquer evento danoso vier a ocorrer, por causa disso, certamente que as críticas hão de cair sobre a Anvisa e não o Congresso, porque a competência é da responsabilidade dessa agência, que tem a palavra final e nem adianta alegar exiguidade de tempo, ditado pela lei, que não autoriza a contratação de mais pessoal.

É sabido que vidas humanas não compreendem a espera por prazo que a Anvisa imagina, mas é evidente que, em se tratando de medicamentos, os cuidados devem ser redobrados como forma de se garantir segurança nos procedimentos, uma vez que, em caso de revés, quem vai assumir as consequências é exatamente a Anvisa, por ter sido a responsável pela liberação do medicamento, em atendimento ao previsto na lei, que, friamente, estabeleceu prazo para a sua manifestação, já que tudo precisa passar pelo seu criterioso crivo, salvo quando a autoridade do Congresso Nacional entender que cinco dias são suficientes, independentemente do que vier a acontecer por conta disso.

Infelizmente, trata-se de corrida desesperada para se tentar combater vírus alarmante, que parece estar fora de controle e exige que tudo seja feito em toque de caixa, mas nada, nada mesmo, pode ser determinado além do que seja possível, porque fora disso, só Deus sabe o que poderá acontecer em prejuízo da própria vida.

Não se pode menosprezar qualquer arma para se tentar combater o terrível vírus, porque tudo é muito bem-vindo, neste momento crucial, principalmente no que diz com o uso das vacinas, mas é preciso cautela nos procedimentos, que não podem ficar à mercê de prazo nem da vontade de congressistas, que somente entendem de leis.

É preciso que esse assunto seja tratado sob os princípios da racionalidade e da inteligência, diante da importância dos fins pretendidos com os exames procedidos pela Anvisa, de modo que as partes envolvidas possam se sentir satisfeitas com o trabalho objetivado por esse órgão, que precisa, acima de tudo, se levar em conta a preservação de vida humana.

Convém que o prazo seja o mais razoável possível, porque a Anvisa tem consciência sobre a urgência exigida na análise dos produtos colocados sob a sua incumbência, à vista da situação imposta pela crise da pandemia da Covid-19, em que qualquer demora implica na perda de vidas humanas.

Acredita-se que a Anvisa não seja pressionada por meio de prazo tão exíguo, porque isso significa a entrega do resultado sem a necessária qualidade, que precisa e é esperada da sua experiência, como forma da garantia da credibilidade a ser impregnada nos produtos aprovados e autorizados por ela, porque é exatamente assim que os brasileiros confiam no trabalho de competência e eficiência.

Brasília, em 11 de fevereiro de 2021

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