O
presidente do Supremo Tribunal Federal, na abertura do ano do Judiciário, aproveitou
a presença do presidente da República para reforçar que aquela corte nunca
retirou do governo federal o poder de agir contra a pandemia da Covid-19, tendo
deixado claro que a decisão apenas delegou
a ação a todos os níveis de governo, ou seja, federal estadual e municipal.
Eis o teor da decisão do Supremo, ipsis
litteris: “DETERMINAR a efetiva observância dos artigos 23, II e IX; 24,
XII; 30, II e 198, todos da Constituição Federal na aplicação da Lei 13.979/20
e dispositivos conexos, RECONHENDO E ASSEGURANDO O EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA
CONCORRENTE DOS GOVERNOS ESTADUAIS E DISTRITAL E SUPLEMENTAR DOS GOVERNOS
MUNICIPAIS, cada qual no exercício de suas atribuições e no âmbito de seus
respectivos territórios, para a adoção ou manutenção de medidas restritivas
legalmente permitidas durante a pandemia, tais como, a imposição de
distanciamento/isolamento social, quarentena, suspensão de atividades de
ensino, restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas,
entre outras; INDEPENDENTEMENTE DE SUPERVENIENCIA DE ATO FEDERAL EM SENTIDO
CONTRÁRIO, sem prejuízo da COMPETÊNCIA GERAL DA UNIÃO para estabelecer medidas
restritivas em todo o território nacional, caso entenda necessário. Obviamente,
a validade formal e material de cada ato normativo específico estadual, distrital
ou municipal poderá ser analisada individualmente. Intimem-se e publique-se.
Brasília, 8 de abril de 2020.”.
Desde
a aludida decisão, proferida em abril de 2020, o presidente do país passou a
dizer, de maneira sistemática, que teria sido impedido de agir, em mera tentativa
de se esquivar dos péssimos resultados da gestão da crise da doença do corona, no
país, onde quase 250 mil pessoas já morreram em decorrência da Covid-19.
O
presidente do Supremo declarou, com ênfase, que, "No auge da conjuntura
crítica o STF, em sua feição colegiada, operou escolhas corretas e prudentes
para preservação da Constituição e da democracia, impondo responsabilidade da
tutela da saúde e da sociedade a todos os entes federativos, em prol da
proteção de todo cidadão brasileiro".
Há
duas semanas, depois de o presidente do país ter repetido mais uma vez as afirmações
inverídicas, o Supremo respondeu, por meio de nota, que deixava claro que a
decisão estabelecia por ele diz que "União, Estados, Distrito Federal e
municípios têm competência concorrente na área da saúde pública para realizar
ações de mitigação dos impactos do novo coronavírus".
Sem
citar diretamente o Executivo, o presidente do Supremo disse ainda que não se
deve "ouvir as vozes isoladas, pessoas que abusam da liberdade de
expressão e que a ciência irá vencer a Covid-19.”.
O
presidente do Supremo fez questão de criticar o que ele denominou de
"vozes obscurantistas", que precisam ser combatidas com rigor, tendo citado,
como exemplo de negacionismo, o discurso do presidente do Tribunal de Justiça
do Mato Grosso do Sul, que chamou de "esquizofrenia e palhaçada
midiática fúnebre as políticas de isolamento social.”.
O
referido vídeo foi compartilhado pelo presidente da República, nas suas redes
sociais, certamente para servir de reforço ao seu pensamento negacionista, muito
mais em defesa da economia e em desprezo à vida humana, porquanto, o bom senso
e racionalidade, sinalizam que o isolamento social certamente poupou preciosas vidas
humanas.
O
presidente do Supremo afirmou que "Não tenho dúvidas de que a ciência,
que agora conta com a tão almejada vacina, vencerá o vírus; a prudência vencerá
a perturbação; e a racionalidade vencerá o obscurantismo. Para tanto, não
devemos dar ouvidos às vozes isoladas, algumas inclusive no âmbito do Poder
Judiciário, que abusam da liberdade de expressão para propagar ódio, desprezo
às vítimas e negacionismo científico. É tempo de valorizarmos as vozes
ponderadas, confiantes e criativas que laboram diuturnamente, nas esferas
públicas e privadas, para juntos vencermos essa batalha".
Realmente, a r. decisão em apreço é bastante clara,
porque apenas concede competência “concorrente” para governadores e
“suplementar” para prefeitos, sem mexer na competência privativa do presidente
da República, quando ela afirma: “(...) INDEPENDENTEMENTE DE
SUPERVENIENCIA DE ATO FEDERAL EM SENTIDO CONTRÁRIO, sem prejuízo da COMPETÊNCIA
GERAL DA UNIÃO para estabelecer medidas restritivas em todo o território
nacional, caso entenda necessário. (...)”.
A decisão em tela fala em competências concorrente
e suplementar, respectivamente dos governadores e dos prefeitos, deixando, como
não podia ser diferente, intacta a competência presidencial, que foi reforçada
com a cooperação conjunta daqueles agentes públicos, na condução das políticas
pertinentes ao controle da pandemia, e que ele ficou absolutamente com liberdade
para atuar em tudo objetivando o combate à doença.
É terrivelmente lamentável que o presidente do país
consiga interpretar diferentemente texto tão claro, na cristalina tentativa de justificar
omissões e falhas governamentais, pondo, de forma indevida, a culpa no Supremo,
quando não existe nada de decisão nesse sentido.
O certo mesmo é que o governo se aproveitou dessa equivocada
interpretação para tentar álibi para omissões no combate à doença, quando ele,
achando-se impedido de atuar na crise da pandemia, se realmente tivesse
interesse em agir em benefício da saúde da população, deveria ter impetrado, imediatamente,
recurso junto ao Supremo, esclarecendo a sua competência constitucional de cuidar
da saúde dos brasileiros, em âmbito federal, e que ele não poderia ficar fora
desse processo de importante sanitarização.
Ao contrário disso, muito mais por conveniência,
nenhum recurso foi manejado, talvez porque ele devesse impedir que o presidente
ficasse propalando que tem sido objeto de injustiça e vitimização por parte de
outro poder, como vem alegando, de maneira indevida, e ainda ele não teria como
justificar que o governo tem sido omisso em muitos casos, em especial no desastre
do Amazonas, quando dezenas de doentes morreram, por falta de oxigênio, onde há
possibilidade de culpa concorrente dos governantes.
À toda evidência, não há a menor dúvida de que é
inadmissível que decisão da Justiça, absolutamente clara, tenha sido aproveitada
pelo governo para o respaldo da sua injustificável omissão no combate à
pandemia do novo coronavírus, permitindo que a quantidade de vítimas só
aumentasse, o que demonstra o elevado grau da insensibilidade diante de crise
tão grave, fato este que jamais poderia ter acontecido, ante a possibilidade de
recurso, para o fim do esclarecimento sobre os fatos, o que certamente resultaria em
benefício para a vida dos brasileiros, caso houvesse boa vontade por parte dos governantes.
Brasília, em 3 de janeiro de 2021
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