quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

O escravo do povo?

 

Em crônica recente, eu analisei a degeneração reinante na gestão pública brasileira, tendo afirmando que, no caso de algum poder da República deixar de cumprir com o seu dever institucional, o outro poder tem direito de informar aos brasileiros que tal projeto não pôde ser executado porque ele não foi apreciado nem aprovado por quem tem competência para tanto, ficando este último poder com a responsabilidade de assumir o ônus por deixar de satisfazer o interesse público, sem necessidade alguma de agressões e desavenças entre autoridades da República, cujo resultado normalmente terminava em prejuízo para a população.

E conclui dizendo que urge que os brasileiros conscientes da integral degeneração dos princípios republicanos da legalidade e da moralidade, repudiem a estranha e vergonhosa aliança firmada entre o Executivo e o Centrão, por haver evidente prejuízo ao interesse público, diante da notória índole fisiológica desse grupo, que é suspeito de aproveitamento de recursos públicos.

Um atento conterrâneo, escreveu mensagem ponderando o seguinte: “Caro cronista amigo, vc é um profundo conhecedor dos bastidores de Brasília e sabe perfeitamente que o regime presidencialista parlamentarista, ninguém consegue aprovar projeto nenhum, sem aprovação do congresso. O presidente aprendeu isso a duras penas nesses 2 anos tenebrosos do Maia sentado em cima e travando tudo, infelizmente essa e a regra suja do jogo, pode ser que agora o Bolsonaro consiga cumprir com pelo menos parte do que ele tem em sua agenda. Um forte abraço ilustre conterrâneo.”.

É evidente que a gestão eficiente precisa contar com o entrosamento e a boa vontade entre os poderes da República, que são autônomos e independentes e têm funções próprias e distintas, sendo de suma importância que haja o sentimento de cooperação em tudo levando-se em conta a supremacia do interesse público.

No caso enfocado na crônica, dei destaque especial para a tristeza da degeneração moral da principal autoridade da República, que se associou prazerosamente ao Centrão, considerado organização que trabalha visando à satisfação de interesses próprios, em evidente detrimento das causas públicas, que são, em princípio, a finalidade primordial do representante do povo.

Ou seja, é mais do que patente o fato de que o presidente, ao participar como principal associado do grupo da pior fama de fisiologismo no Congresso, por defender o condenável sistema “toma lá dá cá”, não estava preocupado em governar coisa nenhuma nem muito menos aprovar projeto, mas manter aliança com aproveitadores para se proteger de possível processo de impeachment, ou será que ninguém percebe o que encontra estampado como espelho da nação, visto que as evidências comprovam exonerável vergonha, que os defensores do presidente preferem enxergar, ao contrário, como sendo, “inteligência”, em forma de golpe de mestre do “estrategista” do Palácio do Planalto?      

O fato de um dos poderes ser contra a dinâmica do outro não justifica a incompetência de ninguém, porque cada poder precisa cumprir, com competência e eficiência, as suas atribuições constitucionais, independentemente do que o poder omisso e desidioso deixa de fazer ou faz em sentido contrário.

O poder competente tem como provar que esteve sempre produzindo e se não fez mais foi exatamente porque o outro poder não aprovou os projetos enviados para ele.

Isso só serve de desculpas esfarrapadas e ingênuas, à vista da competência constitucional e legal de cada poder, ou seja, o poder Executivo precisa cuidar, de forma diligente e competente, das suas obrigações institucionais, não importando o que faz ou deixa de fazer o Legislativo, porque ambos são autônomos e independentes e cada qual é responsável pelo bom ou ruim desempenho e, de igual modo, cada um tem o dever de assumir os ônus e os bônus, sem essa de  ficar se justificando que um poder conspira contra o outro.

Há evidente demonstração de extrema incompetência o Executivo vir alegar que deixou de executar algum projeto por culpa do Legislativo, quando ele deixou de fazer algo por culpa exclusiva dele, até mesmo porque o seu projeto pode não conter os elementos suficientes para o convencimento do outro poder ou algo que deixou de justificar a sua plausibilidade para o atendimento do interesse público.

          O governo competente trabalha tendo por base os elementos à sua disposição e, caso alguma medida não seja possível de implementação, diga, com clareza, aos brasileiros, que a sua parte foi providenciada a contento, conforme os fatos que ele precisa apresentar como prova, o que vale dizer que a culpa é de quem se omitiu, que deixou de cumprir o seu dever constitucional e legal.

Agora, convenhamos, só porque um poder não cumpre o seu dever institucional, que não tem nada a ver com a responsabilidade do Executivo, diante da autonomia dos poderes, justificaria o presidente do país, que jurara ser o mais rigoroso a observar os princípios da moralidade e da dignidade na administração pública, ao quebrar as promessas e os juramentos, para se juntar aos membros do pior grupo de aproveitadores do Congresso Nacional, que compra e vende até a alma do parlamentares?

O pior e deplorável exemplo de enlameamento republicano se deu agora, com as eleições dos presidentes da Câmara Federal e do Senado Federal, em que o presidente do país disponibilizou três bilhões de reais para a compra da consciências de congressistas, cujo resultado foi aflorado com a consagradora vitória dos candidatos integrantes do Centrão, que prometem a aprovação dos projetos do governo.

Em termos de seriedade, dignidade, moralidade e outros princípios republicanos aplicáveis à administração pública, não há a menor dúvida de que, em pleno século XXI, onde o homo sapiens já experimentou extraordinária evolução, em termos de conhecimentos e conscientização sobre o sentido do certo e do errado, é absolutamente inconcebível que o governo brasileiro se digne à monstruosidade cooptação de parlamentares, com recursos públicos, que devem se destinar, com exclusividade, para a nobre finalidade de atender às necessidade da população, ou seja, o interesse público, para a aprovação de projetos que, por sua natureza institucional, eles já são remunerados para decidir sobre a matéria, quanto à sua aprovação ou não.

A aceitação dessa pouca-vergonha apenas confirma a materialização de completas indignidade e imoralidade na gestão do dinheiro público, tanto por parte do governo como dos próprios representantes do povo, quando todos se rendem à indiscutível satisfação de interesses pessoais.

Os verdadeiros brasileiros precisam compreender que essa vergonhosa “regra suja do jogo”, imposta por congressistas bandidos e aproveitadores do dinheiro público, precisa ser definitivamente extirpada da política e dos costumes brasileiros.

À toda evidência, infelizmente essa degradante prática somente passível de eliminação com a colocação, no Palácio do Planalto, de homem público de palavra, de caráter e sensível à causa pública, que tenha sentimento nobre sobre o verdadeiro significado do que seja interesse público, para o fim de compreender que o real representante político é exclusivamente escravo do povo, sim aquele que teve a grandeza e a dignidade de colocá-lo no poder com a exclusiva função de tudo fazer objetivando o bem-estar da população e o desenvolvimento da nação.       

Brasília, em 4 de janeiro de 2021

 

 

 

 

 

 

 

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