sábado, 27 de fevereiro de 2021

Insensibilidade humana?

 

O presidente da República afirmou que, doravante, os governadores que "fecharem seus estados" é que devem bancar o auxílio emergencial, não tendo anunciado os detalhes como essa medida seria feita.

O presidente fez referência aos governadores que adotam medidas mais restritivas com a finalidade de conter o avanço da pandemia da Covid-19, por meio da implantação do toque de recolher e da proibição total de atividades não essenciais.

A afirmação do presidente foi bastante clara, no sentido de que "A pandemia nos atrapalhou bastante, mas nós venceremos este mal, pode ter certeza. Agora, o que o povo mais pede, e eu tenho visto em especial no Ceará, é para trabalhar. Essa politicalha do 'fica em casa, a economia a gente vê depois' não deu certo e não vai dar certo. Não podemos dissociar a questão do vírus e do desemprego. São dois problemas que devemos tratar de forma simultânea e com a mesma responsabilidade. E o povo assim o quer. O auxílio emergencial vem por mais alguns meses e, daqui para frente, o governador que fechar seu estado, o governador que destrói emprego, ele é quem deve bancar o auxílio emergencial. Não pode continuar fazendo política e jogar para o colo do Presidente da República essa responsabilidade. Esses que fecham tudo e destroem empregos estão na contramão daquilo que seu povo quer. Não me critiquem, vão para o meio do povo mesmo depois das eleições.".    

O presidente já havia anunciado que o governo estuda pagar quatro parcelas, do valor de R$ 250 cada, na nova rodada do auxílio emergencial, a partir de março.

O discurso do presidente em Caucaia/CE foi feito em momento em que governadores e prefeitos adotam medidas mais rígidas para conter o avanço da Covid-19, em várias partes do país, cuja doença vem batendo recordes de mortes diárias, como no último dia 25, que foram registrados 1.582 óbitos, e diversos estados entraram em colapso, no que se refere ao atendimento médico-hospitalar, em razão da falta de leitos de UTI para atender aos doentes que só aumentam.

O presidente do país fez visita ao Ceará, no exato momento em que o estado enfrenta aumento de casos do coronavírus, tendo sido duramente criticado, por isso, pelo governador daquele estado, que não compareceu ao evento, que, como já era esperado, transcorreu em clima de notória aglomeração, sob risco da disseminação da Covid-19, mas, mesmo assim, o presidente, como de costume, não fez uso de máscara.

Diante da realidade, no momento, os números da contaminação da Covid-19 vêm inspirando cuidados e atenção redobrados, em todos os estados, o que somente aconselha a permanência do isolamento social, como única política pública mais segura, eficiente e indispensável no combate à disseminação do vírus, evidentemente depois da vacina, que não vem sendo assegurada pelo governo, na quantidade necessária.

Chega a ser risível a afirmação do presidente de que “nós venceremos este mal “, como se o governo, em algum momento tivesse demonstrado alguma preocupação com a existência da doença e, por conta disso, tivesse se empenhado ao máximo, de maneira prioritária, para combatê-la com o emprego de todos os recursos possíveis e imagináveis.

Somente para comprovar que tudo não passa de falácia do presidente, sem adentrar-se em maiores detalhes, ressalte-se que o mais importante órgão do governo, incumbido de cuidar das medidas essenciais à proteção da saúde e da vida dos brasileiros se encontra acéfalo, apenas tendo como titular general especialista em almoxarifado, quando a relevância da situação dramática da pandemia exige, necessária e prioritariamente, o comando da pasta por pessoa com especialização, no mínimo, em sanitarismo, como demonstração de sensibilidade e interesse na proteção da vida humana, para quem é preciso a dedicação de efetivas e verdadeiras ações e não de afirmações vazias, porque os fatos falam por si sós.

Para tanto, basta o exemplo do vexame patente com a imunização, cujo fracasso é cristalino, tendo sim a quem se responsabilizar, se realmente o governo tivesse minimamente interesse em mostrar competência, porque o planejamento sobre a vacinação somente veio a acontecer praticamente quando muitos países conscientes sobre a importância da vida humana já tinham começado a imunização e o resultado do descaso no combate à pandemia do coronavírus se evidencia na situação caótica que se encontra a saúde pública, com a terrível estatística de mais de 250 mil óbitos, que poderiam não ter chegado a tanto, caso realmente a vida dos brasileiros tivesse algum valor.

Sim, o povo pede trabalho, conforme alega o presidente, e não é somente na pandemia, porque ninguém vive sem emprego, mas é preciso que o governante se conscientize e tenha o mínimo de sensibilidade que, no momento em que os hospitais estão abarrotados de gente doente pela Covid-19, não se pode pensar em outra medida senão na proteção das pessoas, que é a mais primária possível, por meio do isolamento social, ante a inexistência de vacina, de incumbência do governo, que tem demonstrado dificuldade em atender às demandas da população.

A crítica que se faz aos governadores por tentar minimizar a situação dramática dos hospitais, que não conseguem mais suportar a capacidade de atendimento, tanto em termos de profissionais especializados e leitos de UTI, é de extrema irracionalidade e desumanidade, no simplista entendimento de que não seja feito mais nada, para que as atividades prossigam na normalidade, mesmo com os hospitais superlotados de doentes, porque a economia tem prioridade sobre a vida humana, o que só demonstra o elevadíssimo grau de insensibilidade quanto à compressão sobre o valor da vida dos brasileiros.

Não e verdade que não se possa “dissociar a questão do vírus e do desemprego”, conforme declarou o presidente do país, uma vez que o tratamento a ser conferido ao vírus é eminentemente de saúde pública, que diz respeito à integridade da vida humana, que tem ascendência sobre os demais bens materiais, para a qual os verdadeiros estadistas com o mínimo de sentimento humano jamais imaginaria fazer afirmação tão despropositada, em momento em que é preciso entender que a prioridade é sim tratar do vírus e depois do emprego se houver impossibilidade de que ambos sejam cuidados simultaneamente, de modo que se possa adotar medidas apropriadas em cada caso, diferentemente do que vem sendo adotado, presentemente, com relação ao vírus e ao desemprego, porque nada vem sendo feito para estudar e normatizar as necessárias medidas na equalização e no saneamento das questões que somente se acentuam em ambos os casos.

Por fim, parece que faltam boa vontade e compreensão sobre a gravidade da incidência da Covid-19, que se intensificou com muita voracidade no momento, exigindo que os governadores adotem as necessárias medidas da sua alçada, diante da incapacidade do atendimento dos doentes, um vez que os hospitais, em termos de pessoal e material, já chegaram ao limite operacional, de modo a se evitar o colapso absoluto em comprometimento da vida humana.

A ameaça do presidente, exatamente no momento de extrema dificuldade da saúde pública, só contribui para potencializar o caos, além de não resolver absolutamente nada, em termos econômicos, mas sim de aumentar a crise, que já está complicadíssima.

A demonstração de desespero do presidente da República só transparece a urgente necessidade do entendimento em torno do combate conjunto da pandemia, em que os governos federal, estaduais e municipais possam expor os problemas localizados e colocarem em discussão as melhores medidas capazes de contribuir para a solução que seja apropriada para o atendimento do interesse público, no âmbito do entendimento, da racionalidade, da competência e da responsabilidade públicos, em que haja o verdadeiro sentimento voltado exclusivamente para a convergência em torna da causa dos brasileiros, no seu todo, sem necessidade de estadualização ou municipalização, mas sim da federalização.

Brasília, em 27 de fevereiro de 2021

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