quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

A insensibilidade do estadista

 

Alguns médicos e cientistas protocolaram, na Câmara dos Deputados, pedido de impeachment contra o presidente da República, sob o argumento de que ele teria cometido crimes de responsabilidade, em especial, na condução da pandemia da Covid-19.

Os autores do documento embasaram-no com uma série de declarações públicas e ações protagonizadas pelo mandatário, com início em março de 2020, quando o coronavírus começou a se alastrar pelo país, até o dia 20 do mês passado.

Entre outras, os peticionários citaram, por exemplo, a expressão que se tornou símbolo da indiferença do presidente pelos mortos, quando ele disse que “Não sou coveiro. Todos nós vamos morrer.”, ao ser questionado por jornalistas sobre o elevado número de óbitos pela doença, no país.

O pedido lembra ainda as declarações do presidente contra as medidas de isolamento social e os momentos em que ele tentou minimizar os graves efeitos da doença.

Ainda de acordo com os médicos e cientistas, o presidente brasileiro "usou seus poderes legais e sua força política para desacreditar medidas sanitárias de eficácia comprovada e desorientar a população cuja saúde deveria proteger".

O pedido também ressalta que o negacionismo do presidente tem contribuído para a perda de muitas vidas de brasileiros, fato este que não condiz com a dignidade do exercício do cargo máximo da nação.

Consta em um trecho da petição que "o Sr. Jair Messias Bolsonaro insistiu em arrastar a credibilidade da Presidência da República (e, consequentemente, do Brasil) a um precipício negacionista que implicou (e vem implicando) perda de vidas e prejuízos incomensuráveis, da saúde à economia".

Na forma constitucional, compete ao presidente da Câmara decidir se aceita ou não pedido de impeachment do presidente da República, fato que, nas circunstâncias, jamais o presente pleito será aceito, diante da forte amizade que há entre ambos.

O certo é que, até o momento, já foram protocolados, na Câmara, mais de 60 pedidos de impeachment contra o presidente, mas nenhum sequer foi examinado pelo presidente da Câmara Baixa, sendo que muitos dos quais versam exatamente sobre o mesmo assunto pertinente à insensibilidade humanitária demonstrada pelo presidente, no combate à crise da pandemia, que vem apenas permitindo que seu governo atenda às demandas, em termos de disponibilização de recursos financeiros, o que seriam as providências mínimas ante situação de notória calamidade pública.

No pedido em causa, há a avaliação de médicos e cientistas que trabalham diretamente cuidando da própria vida e da vida de outras pessoas, tendo reais condições de se manifestarem sobre o que significam os posicionamentos refratários do presidente do país, ante à temível doença objeto da pandemia, mas isso, infelizmente, não tem expressão para sensibilizar o julgamento meramente político, mesmo diante de fatos da maior insensibilidade contra a vida humana, atribuídos a ele.

Induvidosamente, na qualidade de estadista, que difere de maneira extraordinária da pessoa comum, algo que o presidente tem enorme dificuldade para compreender, falta nele a conscientização de que as suas manifestações e posições são absolutamente contrárias ao interesse público, uma vez que elas podem contribuir sim para influenciar a opinião pública, que se orienta muito pelo que dizem e fazem as autoridades do país, como atitude que pode servir de modelo, que precisaria ser somente em sentido contrário ao que vem sendo protagonizado por ele, neste caso, como forma de encorajamento do efetivo combate à crise de saúde pública.

A meu juízo, o ato da maior gravidade administrativa e humana, praticado pelo presidente do país, foi a nomeação de leigo para comandar o principal órgão do governo incumbido da adoção das medidas necessárias ao combate à pandemia do coronavírus.

Nesses casos agudos da saúde, que afetam direta e perigosamente a vida dos brasileiros, necessariamente o citado órgão assume importância capital, em termos de salvamento de vidas, e somente poderia ser chefiado por sanitarista ou especialista em saúde pública, com notórios e reconhecidos conhecimentos na área específica, à luz do bom senso e da razoabilidade, como forma de se mostrar vivo interesse do mandatário para com a vida humana, ao se disponibilizar tudo de bom e do melhor para satisfazer com presteza, competência e eficiência todas às demandas relacionadas com a doença que já matou mais de 230 mil brasileiros, até o momento, o que é algo bastante preocupante, em termos de prejuízo humanitário.

Cite-se como imperdoável negligência a total desorganização quanto à aquisição do imunizante, sem falar-se em seringas e agulhas, quando certamente o especialista da área teria providenciado a sua aquisição com bastante antecedência, permitindo que as vacinas fossem aplicadas desde o ano passado e de maneira bem planejada e organizada, em benefício da proteção da vida humana.

Ao contrário disso, tudo vem funcionamento na base do improviso, do empirismo, em notório prejuízo para a população, que continua à mercê da incompetência na condução de tão importante procedimento de vacinação, que é, certamente, a única medida capaz para tanger o Covid-19 para bem longe, que tem sido o eterno anseio dos brasileiros, ante a certeza de se evitar expressiva diminuição de mortes, como forma segura de propiciar a tranquilidade no seio da sociedade.

À toda evidência, os argumentos apresentados pelos peticionários são muito fracos e sem consistência como reforço a obrigar o afastamento do presidente do trono do Palácio do Planalto, em especial porque não há prova alguma de que o comportamento negativista dele, que tem sido evidenciado com robusteza, tenha contribuído, de forma clara e objetiva, para a efetividade de dano à vida ou aos direitos da população, porque só assim seria capaz de caracterizar crime de responsabilidade, diante da autoria de ato lesivo a outrem, na forma prevista no ordenamento jurídico pátrio.

Não obstante, os reiterados pedidos de impeachment têm o forte condão de mostrar ao mundo que o comportamento do presidente brasileiro, ao contrário do imaginado como compatível com a dignidade da  liturgia do cargo máximo da nação, ofende os princípios da gestão pública e humanitários, em especial, em momento quando se exige muitas compreensão e sensibilidade, precisamente no melhor sentido para a condução construtiva e de eficácia das medidas de combate à tão perigosa doença.

Enfim, os brasileiros anseiam por que o presidente da República tenha suficiente sensibilidade para assimilar e aprender, como fundamental e importante lição, os argumentos apresentados nas dezenas de pedidos de impeachment contra ele, porque são apontados neles fatos e argumentos capazes de envergonhar e indignificar o verdadeiro estadista, diante da indicação de atitudes que vão na contramão dos princípios administrativo e humanitário.

Brasília, em 10 de fevereiro de 2021

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