segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

O show da insensibilidade

Como prova inconteste do questionável gerenciamento dos recursos públicos, o governador do Ceará decidiu incrementar a inauguração do Hospital Regional Norte, em Sobral, cidade do seu berço político, com um show comandado pela mais famosa cantora baiana, pelo “módico” valor de R$ 650 mil, sem dispensa de licitação, por se tratar de artista singular. O altíssimo preço do espetáculo, com duração de apenas duas horas, até poderia ser considerado uma pechincha não fossem as condições de excepcionalidade pelas quais o povo do estado do Ceará convive no dia a dia, em pleno seca, com escassez de água e falta de alimentos, ou seja, diante do visível estado de carência e penúria reinante naquele Estado, essa importância, que se destinaria à saúde, com inserção no Sistema Único de Saúde, certamente faria diferença para amenizar as mazelas que infernizam as comunidades que não têm as mordomias dos palácios, onde também não se faz a menor ideia do que é clamar por assistência, que jamais aparece. Questionado sobre a absurda contratação, o governador declarou que não houve irregularidade no caso e continuaria a promover eventos análogos, "doa a quem doer", porque o "povo precisa de diversão". Essa afirmação mostra muito bem o tamanho da mentalidade insensata e irresponsável da maior autoridade pública do Ceará, ao defender uma gritante aberração, consistente no desvio de dinheiro carimbado com o sinete da saúde pública para finalidade diversa, cujo procedimento caracteriza grave irregularidade, por contrariar, de forma cristalina, os princípios da administração pública, com a implicação de responsabilização de quem tenha dado causa ao ato irregular. Noutro momento, o governador justificou o show sob o argumento de que a inauguração deveria ter repercussão nacional, servindo como "instrumento de ampla divulgação do Hospital Regional Norte e de todos os serviços públicos". Trata-se de alegação vazia e destituída de razoabilidade, a considerar que a saúde teria funcionado, nesse caso, como pretexto para fins políticos e como forma de afagar o ego da incompetência gerencial pública, não sendo admissível que serviços alheios à saúde pública sejam contratados com dinheiro para a sua destinação, por caracterizar claro desvirtuamento de finalidade proibido pela legislação de regência da matéria. Nesses casos de infringência da norma legal, impõe-se que o valor despendido retorne aos cofres públicos, para que a sua finalidade seja efetivamente satisfeita, além disso, o péssimo exemplo do administrador público precisa ser penalizado com rigor, como forma pedagógica, salutar na gestão de recursos públicos. Em última análise, a atitude do governador do Ceará demonstra a falta de prioridade na administração pública e a promiscuidade na aplicação dos recursos públicos, impondo-se que a sociedade e os órgãos de controle e fiscalização coíbam esses absurdos na administração pública. A evolução e modernização da humanidade exigem que o patrimônio da sociedade seja administrado com responsabilidade e probidade, não sendo mais aceitável que a pesada carga dos tributos suporte gastos sem a menor vinculação aos princípios da economicidade e legitimidade. Não há dúvida de que, quando o gestor público paga quantia astronômica para a realização de mero show de poucas horas, para a inauguração de hospital, fica a sensação da grandeza da sua prepotência, incompetência e falta de sensibilidade para as questões prioritárias do sua gestão. Urge que os homens públicos se conscientizem sobre a necessidade de ser respeitada a finalidade dos gastos públicos e as prioridades sociais, evitando que seus caprichos pessoais sobressaiam sobre o interesse público. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
 
Brasília, em 17 de fevereiro de 2013

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