O presidente da República ameaçou,
em evidente demonstração de desespero, reagir fora dos limites da Constituição
ao comentar a decisão de um ministro do Supremo Tribunal Federal, de
incluí-lo no inquérito das fake news, em acatamento ao pedido formulado pelo Tribunal
Superior Eleitoral.
O presidente do país disse, ipsis litteris: “Está dentro das
quatro linhas da Constituição? Não está. Então o antídoto para isso também não
é dentro das quatro linhas. Aqui ninguém é mais macho que ninguém”.
O chefe do Executivo se disse ainda ser “vítima de acusação
gravíssima”, tendo afirmado que a investigação em curso no Supremo não tem “qualquer
embasamento jurídico. O ministro Alexandre de Moraes me colocando no inquérito
das fake news... Não fala fake news, não, fala inquérito da mentira, me
acusando de mentiroso. Isso é uma acusação gravíssima, ainda mais em um
inquérito que nasce sem qualquer embasamento jurídico. Ele abre, ele apura e
ele pune?”.
O presidente do país aproveitou o ensejo para afirmar que “um
inquérito sigiloso da Polícia Federal” mostra o acesso de hacker a sistemas
do Tribunal Superior Eleitoral, que teria ocorrido entre abril e novembro de
2018.
Com base nesse inquérito, o presidente defendeu a abertura da “CPI da
Fake News do Barroso”, em referência ao presidente do TSE.
Segundo o mandatário brasileiro, naquele ano, uma pessoa teria acessado
o código de programação das urnas eletrônicas, assim como senhas de acesso de
um ministro e de servidor da Corte.
Segundo o presidente do país, o agente teria oferecido o material ao
blog TecMundo, em 2018.
Diante das denúncias feitas pelo presidente do país, o blog TecMundo esclarece,
por meio da sua página na internet, que as aludidas informações teriam sido
obtidas de servidor abandonado, o que tornaria os dados irrelevantes ou pouco
valiosos até para estelionatários digitais.
A plataforma do
mencionado blog mantém no ar correção sobre o material que havia sido publicado
e destaca, em reforço, que “um grupo de criminosos digitais republicou um
apanhado de dados antigos, possivelmente de 20 anos atrás, como se fossem
resultado de um ataque recente ao TSE. Fontes do TecMundo conseguiram confirmar
que existem registros de data e hora no pacote de dados divulgado neste
domingo, remetendo ao período de 2001 até 2010.”.
Não obstante, com vista ao esclarecimento
da verdade, o jornal O Estadão apurou a notícia em causa,
tendo concluído que o inquérito em referência não investiga invasão em urna
eletrônica, mas apenas tentativa de acesso ao sistema do TSE.
A propósito do
inquérito em causa, vem circulando nas redes sociais vídeo cuja mensagem
insinua a seguinte situação, in verbis: “ACABOU!! Bolsonaro dá
cheque-mate (sic) no TSE e STF – A fraude está provada... Bolsonaro durante
live no Pingo nos is acaba de provar que hacker entrou no sistema do TSE e teve
acesso ao código fonte. E o TSE ainda apagou os registros das...”.
Com a devida vênia, nesse
caso, não existe xeque-mate coisa alguma, à vista do que consta do citado
inquérito, pelo menos para as pessoas interessadas em pretenderem discutir e
tratar esse importante tema no seu devido lugar, para que a verdade seja prevalecida,
à luz dos princípios republicano e democrático.
O inquérito a que se
refere a notícia acima, com certo triunfo divulgado por parte do presidente da
República, investiga tão somente a invasão de hacker aos sistemas operacionais do
próprio TSE, fato este que é normal e pode ocorrer em quaisquer empresas do
governo ou privadas, em todo mundo, não somente naquele órgão, mas, a bem da verdade,
não houve acesso às eleitorais e muito menos manipulação de resultados de votação.
Na realidade, a invasão
que é tratada como se fosse “xeque-mate” ao TSE não investiga especificamente o
sigilo das urnas eletrônicas, porque elas não foram hackeadas, na tentativa de
possíveis fraudes, porque isso não teria ocorrido, por consequência de invasão
diretamente no processamento da votação, com vistas à perpetração ilícita de se
alterar o resultado do pleito eleitoral, o que vale dizer que não existe prova
de absolutamente nada, com relação à possível devassidão de urnas.
Ou seja, nem precisa
ser bom entendedor sobre artimanhas para se perceber que alguém se esforça e
perde precioso tempo tentando ludibriar a boa vontade das pessoas sérias, na intenção
de esticar a corda o máximo possível sobre matéria de altíssima relevância, mas
que, à toda evidência, vem sendo conduzida de forma nem tanto assim, o que é
pena, porque o povo merece respeito e precisa assim ser tratado.
Salta aos olhos, como são
penoso e deplorável que o presidente da República brasileira tenha a ingênua
capacidade para descer a esse nível mais rasteiro imaginado na qualidade da autoridade
da sua relevância, para dignar-se ao patrocínio de notícia requentada e ainda
mais produzida por meios ilícitos, sabendo-se que ela foi obtida por criminosos
da internet, os conhecidos hackers, na desvairada
tentativa de justificar a incriminação do TSE, como se isso tivesse o condão de
provar violação das urnas eletrônicas, com a consequente adulteração dos
resultados da votação.
Em termos de
competência e responsabilidade, nem precisaria ser presidente da República para
a divulgação de notícia que envolve matéria de tamanha relevância sem que antes
fossem checadas, em especial, a fidedignidade da origem, se seus autores
merecem alguma credibilidade, como profissionais dignos de respeito quanto à
segurança das informações auferidas, além da real vinculação dos fatos
abordados com o objeto em discussão.
Causa dor o despreparo
de autoridade da República no esforço para encontrar motivos para desmoralizar o
sistema eleitoral, que nem deve ser tão seguro como tem sido defendido pela direção
da Justiça Eleitoral, mas seria interessante que se encontrasse motivos
plausíveis para justificarem a reforma pretendida, no âmbito da seriedade que
realmente é necessária para viabilizá-la, por meio da competência, seriedade e responsabilidade,
que são princípios substituídos pela intolerância, agressividade e críticas que
somente dificultam a convergência de ações indispensáveis ao entendimento sobre
a implementação de causa em benefício da credibilidade e da segurança do
sistema eleitoral brasileiro.
À toda evidência, a fragilidade das atitudes do presidente da República tem
o condão de contribuir para a regressão dos princípios democrático e
republicano, diante do indiscutível e patente sentimento do presidente do país contrário
à defesa da convergência das ações demandadas pelas instituições do Estado,
quanto à pacificação de entendimentos necessários à implementação da
satisfatoriedade dos interesses maiores da sociedade.
As medidas adotadas pelo chefe do Executivo, objetivando o desejável aperfeiçoamento
do uso das urnas eletrônicas, servem como o pior exemplo já operacionalizado na
tentativa da sua implementação, à vista da escolha do caminho mais atabalhoado possível,
tendo por prioridade o confronto travado entre autoridades da República e a medição
do seu poder, com o uso de ingredientes os mais infantis imagináveis, com a
indecência de fortes críticas à credibilidade das urnas, sem a existência de
nenhuma prova de fraude, embora elas sejam terrivelmente fraudáveis, mas isso
não tem validade jurídica alguma, além da incivilidade representada pelas
agressões aos dirigentes da Justiça Eleitoral, dando a cristalina impressão de
que está em jogo não a reforma absolutamente de coisa alguma, muito a
eleitoral, mas sim a imposição da vaidade e da superioridade do poder, com
notório prejuízo para o interesse dos brasileiros de boa vontade, que realmente
anseiam pelo aperfeiçoamento dos serviços públicos prestados pelo Estado e, em
especial, na confiabilidade e na segurança dos resultados da votação, ante
muitas desconfianças apenas sobre fatos inexistentes.
É preciso que se entenda que agir fora das “quatro linhas”, como insinua
o presidente do país, significa que ele está disposto a cometer perigosa arbitrariedade,
vale dizer suicídio político, dando a entender que eventual erro praticado por
outro poder justifica o Executivo incorrer em igual prática errática.
Isso só demonstra o nível da mentalidade de quem pensa assim, de forma
absolutamente irracional, quando se delibera a se equiparar aos péssimos caminhos
para a solução das crises, quando o desejável, em termos de sabedoria, competência
e responsabilidade na condução da coisa pública, é agir com prudência, inteligência,
sensibilidade e civilidade, diante da necessidade da valorização dos princípios
republicano e democrático, onde não tem espaço senão para a pacificação de
ideias e ações voltadas ao bem comum.
Não há a menor dúvida de que o fundamento da estabilidade democrática
começa com a credibilidade do sistema eleitoral, de modo a assegurar aos
eleitores a certeza de que a escolha de seus representantes políticos seja o
real reflexo da sua vontade manifestada nas urnas, mas isso somente é possível
se houver o envolvimento dos brasileiros na defesa do sistema eleitoral saudável
e resistente às fraudes.
A democracia saudável somente se concretiza por meio de eleições
igualmente saudáveis, mediante a confirmação de seus resultados pelas partes envolvidas,
inclusive e, em especial, da Justiça Eleitoral que precisa se posicionar como instituição
garantidora da modernidade, em termos de respeitabilidade e credibilidade,
permitindo que seus instrumentos operacionais se adequem a essa real vontade da
sociedade.
Enfim, a ilação que pode ser feita, tendo por base a disposição manifestada
no primeiro parágrafo desta crônica, é a de que o presidente da República
prefere a aguerrida disputa, como forma irracional e irresponsável, para tratar
da questão relacionada com a reforma do sistema de votação, quando seria muito
mais saudável e inteligente o diálogo construtivo na busca dos mecanismos capazes
de contribuir para a aprovação das ações político-administrativas pertinentes.
A
verdade é que o atual sistema de votação eletrônico foi colocado na linha da
discussão mais desconstrutiva possível, a ponto de o presidente da República ameaçar
não ter eleição, em 2022, se não houver o voto impresso, dando a entender que
as demais eleições já realizadas foram fraudadas, quando, na verdade e o que
somente importa, é que os brasileiros anseiam por eleições regulares, deixando
claro que as autoridades incumbidas desse mister precisam apenas deliberar pela
sua normal implementação, por meio de medidas discutidas em ambiente de
tolerância, competência, sensatez, maturidade e responsabilidade, de modo que seja
satisfeito o interesse comum da sociedade.
Brasília, em 5 de agosto
de 2021
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