Diante
do muito que se ouve sobre o terrível coronavírus, ainda vai-se falar bastante
sobre a tristeza causada por essa peste, que tem o poder devastador de
aniquilar o ser humano, enquanto importantes autoridades e seguidores ficam
defendendo a implantação de modelo de comportamento que precisaria primeiro ser
testado, segundo os padrões científicos recomendados, embora muitos sejam os médicos
que aderem à causa, possivelmente insensíveis à cruel realidade sobre os fatos.
Acabei
de ler relato de profissional que se encontra no epicentro da crise, que contou
minúcias sobre situações que tocaram profundamente o meu sentimento de pessoa
muito sensível com os fatos da vida, procurando compreendê-los como pessoa
comum, mas chega o momento em que fica muito difícil não se comover diante da
triste, cruel e nua realidade, que não pode ser mudada por meio de medidas
meramente estapafúrdias, como se elas fossem a salvação da humanidade.
Uma
enfermeira, em depoimento ao G1 do jornal O Globo, conta o que presencia
diariamente dentro da Unidade de Terapia Intensiva de grande hospital onde
trabalha e diz a dura realidade que acontece com pacientes que não param de
chegar infectados pelo novo coronavírus, tendo chegado à conclusão de que “A
guerra veio até mim (a enfermeira)”.
Vejam
exatamente o que ela disse “Hoje, quando começa a dar uma cinco da tarde, eu
já começo a ficar ansiosa, porque amanhã eu estou de plantão. Tenho dormido
menos por causa da ansiedade e fico com insônia. Diante da importância do
depoimento da profissional, como forma de compreender um pouco a extensão da
gravidade do momento, convém que as pessoas conheçam o seu conteúdo, que é
transcrito a seguir. Eu comecei a sentir que as coisas iam mudar quando eles
isolaram a nossa maior unidade. Colocaram várias avisos, ‘a partir daqui não
entre’, e a partir desse momento eu vi que realmente estava acontecendo alguma
coisa diferente. Nesse dia, lá pelo dia 5 ou 6 de março, também começaram
treinamentos a respeito de colocação e retirada de equipamentos de proteção
individual.(...) Mas, para mim, o dia que realmente pegou foi o dia que
entrei nessa unidade onde estavam os pacientes com Covid confirmado, no dia 20
de março. Eu não sabia, eu saí da minha casa como se tivesse ido para o meu
plantão normal, ficar com os pacientes graves de UTI, mas não os com Covid.
Quando eu cheguei, a gente tem uma escala diária, e eu descobri que estava
escalada nessa unidade. Quando você vê na televisão, quando você lê as notícias
na internet, não é a mesma coisa de quando você entra dentro do quarto e se
depara com a paciente entubada, precisando de droga vasoativa, brigando com a
ventilação mecânica, e foi bem difícil. Assim, eu já estou acostumada a essa
realidade de UTI, para mim não é uma coisa assustadora, mas quando eu sabia que
era o Covid positivo, eu fiquei com medo. Esse dia tinham cinco pacientes,
quatro estavam entubados, e um estava com o uso de uma máscara de oxigênio,
porém ele foi entubado no final do plantão. A partir desse dia para cá teve uma
mobilização gigantesca, tanto da contratação de pessoas, como de treinamentos e
protocolos para atender essas pessoas.(...) De uma semana para cá, eu
vejo que esses pacientes não melhoram. De todos esses pacientes que a gente
entubou, a gente não conseguiu tirar ninguém da intubação ainda. Isso é difícil
porque você não vê progressão, você não vê o paciente evoluir de uma forma
positiva. Não que ele piore, mas ele continua naquela mesma condição. Parece
que ele não melhora, então isso é muito ruim, porque gera mais ansiedade, a
gente vê o número de pessoas que estão contraindo a doença e vão precisar de
leitos e você não consegue, sabe, gerar um fluxo de entrada e saída. Os
pacientes têm bastante medo. O paciente que eu falei que estava com uma máscara
de oxigênio, que foi entubado, aconteceu uma situação muito triste e que mexeu
bastante comigo. Ele estava consciente e a gente precisou avisar para ele que
ele ia ser entubado, e ele fez uma chamada de vídeo com a família. Então a
gente estava no quarto enquanto ele estava se despedindo dessa família. Se
despediu do filho, da esposa, chorou, ficou muito emocionado. E aí foi muito
triste, todo mundo ficou super emocionado porque assim, você vai ser entubado,
e talvez você nunca mais acorde né. Quando entuba, a pessoa recebe medicamentos
para ficar sedada, em coma induzido. A gente fala que é para acoplar melhor [o
tubo], para conseguir fazer o pulmão ventilar adequadamente, porque se ele fica
acordado, sem sedação, o tubo incomoda muito. (O paciente segue entubado). Acho
que ninguém estava preparado para isso. E eu fico mais preocupada porque acho
que ainda vai piorar muito antes de começar a melhorar. Quando eu decidi fazer
faculdade de enfermagem tinha aquela coisa toda ideológica, de querer um dia ir
para uma guerra ou participar do Médico Sem Fronteiras, sabe? Fazer uma missão
na África… E aí até falei para um amigo, acho que nem vou precisar ir para a
guerra fazer uma missão, acho que minha guerra vai ser essa daqui. Não precisei
fazer nada para enfrentar, a guerra veio até mim. Então, o que a gente pode
pedir para as pessoas é para elas ficarem em casa o máximo que elas puderem,
tentar ajudar a gente que está ali na linha de frente. Porque o que eu posso
fazer é ir para a UTI e ajudar as pessoas que estão lá. Quem não trabalha com
isso pode fazer sua parte e ficar em casa. Não disseminar o vírus também é uma
função importante nesse momento.”.
Os
fatos mostram que não passa de santa ingenuidade, para não se dizer algo mais
apropriado, se pretender caracterizar, de forma generalizada, o coronavírus como
simples “gripezinha”, porque, na realidade, ele é forte pneumonia, em alguns
casos, que mata, em estado de demorado sofrimento, conforme o relato da
enfermeira, in verbis: “a gente vê o número de pessoas que estão
contraindo a doença e vão precisar de leitos e você não consegue, sabe, gerar
um fluxo de entrada e saída.”.
À
toda evidência, o aludido depoimento tem o condão de contribuir para se ajudar
as pessoas de boa vontade a enxergarem a real gravidade da situação e a se permitir
que elas se conscientizem sobre a importância de ficar em casa, saírem apenas
em situações realmente necessárias, e continuarem higienizando bem as mãos com
água e sabão ou álcool em gel e evitarem ficar perto de muitas pessoas.
Também
é preciso se reconhecer que os profissionais da saúde, desde os médicos até as
pessoas da desinfecção e limpeza, são dignos do mais puro reconhecimento pelo
trabalho de extremo humanismo, que merecem elogios por parte da sociedade,
porque eles, no seu conjunto, fazem o máximo para salvar vidas e ainda
demonstram enorme sentimento humano em solidariedade com a dor dos outros, além
da compaixão e da exposição ao risco da própria vida, quando eles participam
nesse penoso processo de tentativa de salvação de vida.
Enquanto
esses profissionais, que merecem sublime respeito da sociedade, sentem na pele
as agruras da fragilidade da vida, que não consegue resistir ao poder destruidor
do coronvírus, pessoas insensíveis e imbuídas de outros propósitos estão
defendendo teses que podem contribuir para que as terríveis estatísticas possam
disparar com o número descontrolado e descomunal de infectados, a despeito da
impossibilidade de tratamento compatível com a gravidade desse vírus, fato que
choca e estarrece a sensibilidade humana.
Parece
pouco importar a guerra travada nos hospitais,
mostrada por quem sente no dia a dia a cruel realidade de perto, nos olhos, nas
mãos, na pele, na alma, porque há quem a ignore e ainda desdenhe dela, como se
fosse uma “gripezinha” qualquer, que não incomoda a ninguém, mesmo que os fatos
digam o contrário.
Lamentavelmente,
a ciência ainda cogita quadro desolador de infectados e mortes, com destaque inclusive
para grupos de risco e o pior é que esteja em isolamento ou não.
Pode-se
perceber que a citada enfermeira trabalha em hospital de referência médica,
onde há muito mais recursos do que em hospital público e ainda mostra, mesmo
assim, quadro bem deprimente, o que se pode inferir que a situação é bem mais
grave nos demais hospitais da rede pública, onde as carências são mais
acentuadas, o que será ainda mais difícil para o tratamento dos doentes infectados
pelo coronavírus.
A
preocupação existente nos hospitais públicos diz respeito tanto à falta de equipamentos
de proteção para esses verdadeiros heróis como pela carência de recursos
materiais e de pessoal, que certamente serão insuficientes para o atendimento da
demanda de doentes gravíssimos.
Se
as pessoas não se sensibilizam com seus entes queridos, com aqueles com mais de
60 anos ou até consigo mesmo, já que acreditam que a doença será inofensiva
para eles, pensem naqueles que estão na linha de frente, que serão, certamente,
afetados se a disseminação não for contida com o devido rigor.
Enfim,
trata-se de relato com muita naturalidade que retrata cenário apenas de pequena
dimensão, mas que exprime ambiente de extremas desolação, tristeza e comoção, levando
ao preocupante entendimento de que as principais autoridades públicas brasileiras
precisam, com muita urgência, tomar conhecimento do que realmente está
acontecendo nas Unidades de Terapia Intensiva dos hospitais que tratam do
combate à desgraça do coronavírus, inclusive indo lá, para terem reais condições
humanas de decidir sobre as medidas, tendo por base a experiência in loco
sobre a dureza dos fatos e sentir exatamente como a vida humana passa a ser transformada,
em pouco tempo, apenas em meras cinzas.
Brasília,
em 28 de março de 2020
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