quinta-feira, 26 de março de 2020

Desastre ou assombro?


Em cadeia nacional de rádio e televisão, o presidente da República fez pronunciamento à nação sobre a crise provocada pelo novo coronavírus, cujo conteúdo contrariou tudo o que especialistas e autoridades sanitárias do país e do mundo vêm defendendo como política pública destinada a se evitar que a temível chaga do século se espalhe de maneira incontrolável.
O presidente do país criticou, sobretudo o pedido para que todas as pessoas que possam fiquem em casa e culpou os meios de comunicação por espalharem, segundo ele, sensação de "pavor", tendo alegado que, se ele contraísse o vírus, não pegaria mais do que "gripezinha".
Ele declarou que, verbis: "O vírus chegou, está sendo enfrentado por nós e brevemente passará. Nossa vida tem que continuar. Os empregos devem ser mantidos. O sustento das famílias deve ser preservado. Devemos sim voltar à normalidade. Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de transportes, o fechamento de comércios e o confinamento em massa. O que se passa no mundo tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima dos 60 anos. Por que fechar escolas?".
O presidente entende que "raros são os casos fatais de pessoas sãs com menos de 40 anos de idade. 90% de nós não teremos qualquer manifestação caso se contamine. Devemos sim é ter extrema preocupação em não transmitir o vírus para os outros, em especial aos nosso queridos pais e avós, respeitando as orientações do Ministério da Saúde".
Dando exemplo pessoal, ele afirmou que, "No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado com o vírus, não precisaria me preocupar. Nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho, como disse aquele famoso médico daquela famosa televisão. Enquanto estou falando, o mundo busca um tratamento para a doença.".
O presidente disse que os meios de comunicação espalharam "pavor" e provocaram "histeria" no país, porquanto "Grande parte dos meios de comunicação foram na contramão. Espalharam exatamente a sensação de pavor, tendo como carro chefe o anúncio do grande número de vítimas na Itália. Um país com grande número de idosos e com o clima totalmente diferente do nosso. O cenário perfeito, potencializado pela mídia, para que uma verdadeira histeria se espalhasse pelo nosso país”.
Ainda no entendimento do presidente: "percebe-se que, de ontem para hoje, parte da imprensa mudou seu editorial, pedem calma e tranquilidade. Isso é muito bom. Parabéns, imprensa brasileira. É essencial que o bom senso e o equilíbrio prevaleçam entre nós".
Em princípio, sob o prisma do sentimento de democracia, é preciso se respeitar a posição explanada em entendimento do mandatário brasileiro, que tem todo direito de dizer a sua opinião sobre o momento de muita ansiedade por que atravessa o Brasil, dentro do contexto mundial de crise que abala todas as estruturas universais, na área da saúde pública.
Agora, é preciso que a autoridade suprema do país tenha inteligência, em termos de ponderação e modicidade, para transmitir à nação exatamente o verdadeiro sentido da sua preocupação, que pode estar centrada também em questões outras, a exemplo da situação econômica nacional, da produção, da manutenção do emprego etc., porque tudo isso faz parte do contexto da governança responsável.
Tudo isso tem muita relevância, no contexto da governabilidade da nação, mas os fatos relacionados com cada situação precisariam ser explanados de maneira didática e sistemática, de modo que tudo tenha o mínimo de coerência e racionalidade quanto à demonstração de preocupação do presidente, sem que o seu pronunciamento pudesse, que não foi o caso, denotar o menor desconforto possível, em relação ao tema central da crise envolvendo o coronavírus, que vem sendo conduzida em estrita harmonia com os objetivos pretendidos de salvamento de vidas humanas.
Ou seja, o presidente brasileiro poderia, ao invés de dizer que é decididamente contrário à quarentena na forma como adotada no país, que apenas acompanha o que se faz em outras nações, ele poderia afirmar que tem entendimento diferente que poderia, antes, ter sido exposto e discutido com a sociedade, no sentido de ser estudada a possibilidade da flexibilização do confinamento, de modo que ele seria aplicado cuidadosamente com relação aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que precisam merecer tratamento especial de proteção contra a ação do coronavírus.
Com isso, poder-se-ia se examinar a possibilidade, observadas as experiências de outros países e as orientações de organismos internacionais de saúde, sobre a livre movimentação de pessoas com até determinada idade, observadas as cautelas contra contágios, como assepsia de mãos e distanciamentos etc., de modo que elas pudessem trabalhar e exercer suas atividades normas, abrangendo as escolas, o que se permitiria que as atividades produtivas não tivessem solução de continuidade.
Em síntese, o que se imagina é que o presidente do país tem sim preocupação com a saúde dos brasileiros, tanto que tem abonado, com regularidade, as medidas de muita competência e eficiência que o ministro da Saúde vem adotando, que estão sendo aprovadas pelos especialistas e pela sociedade em geral, a ponto de hipotecarem os melhores apoios e elogios à sua atuação, nesta importante e crucial fase preparatória de combate ao coronavírus.
Afora isso, no geral, tendo-se em conta o pronunciamento limpo e seco, tal como o presidente teve coragem de expô-lo à nação, sem nenhum polimento político, especializado ou administrativo, certamente que a sua atuação muito se compara ao de agente público sem o mínimo de noção ou preparo para o exercício do mais relevante cargo do país, em razão da maneira tosca e intempestiva que houve o seu aparecimento na mídia, para plantar ideia completamente diferente do plano já implantado contra o coronavírus, além de fazer críticas absolutamente dispensáveis, neste momento tenebroso.
No discurso, ele reverberou muitas palavras completamente fora do contexto do momento difícil e crucial que se exige o máximo de bom senso, ponderação, responsabilidade, maturidade, sensibilidade, sensatez, ao contrário de suas insanas exposições condenando o conjunto dos esforços das autoridades públicas de saúde e da sociedade brasileira, devotados no maior empenho na luta e na defesa do mesmo sentimento de salvação de vidas humanas.
O presidente do país não teve o menor cuidado de respeitar o sacrifício de cada um dos brasileiros, que estão se empenhando, conforme mostram os fatos, por causa que é de todos e da nação, que precisam demonstrar que a salvação de vidas é extremamente fundamental neste momento de muita dificuldade, principalmente sob a conscientização de que, em caso de catástrofe, os serviços públicos de saúde não têm as mínimas condições de atendimento de maneira satisfatória da demanda dos doentes, o que seria verdadeira tragédia nacional e vergonha para o governo, que parece falar pelo umbigo sobre assunto da maior importância, sem sopesar os fatos estritamente como eles são e devem ser analisados, com sobriedade e competência gestivas.
Não há a menor dúvida de que o pronunciamento do presidente do país merece os mais veementes repúdios da sociedade, das autoridades de saúde, das entidades internacionais de saúde, dos políticos e, enfim, de todos que esperam sensatez e racionalidade do mandatário da nação para somente se dirigir à população quando for para transmitir informações e esclarecimentos que condigam com os melhores sentimentos capazes de contribuir para o bem comum, de forma a satisfazer plenamente ao interesse público, cujo conteúdo do pronunciamento esteja em perfeita harmonia com as orientações emanadas pelas entidades com fidedignidade e credibilidade para a proteção dos direitos das pessoas.  
O desprezível e preocupante pronunciamento presidencial expôs, literalmente, que o governo se encontra completamente desorganizado, desorientado, desarticulado, desordenado e pouco acreditado pela sociedade, quando mostra que não tem linha firme e uniforme de política pública, ao deixar claro que a nação adotou determinada ação que não tem o respaldo do seu comandante, que entende, depois, que é outro o caminho que ele trilharia, embora não tivesse competência para oferecer alternativa satisfatória que melhor atendesse à difícil situação, posto que seria perfeito desastre não ter qualquer medida de prevenção contra o famigerado coronavírus.
Tem-se como atitude presidencial extremamente precipitada, desastrada e absolutamente inoportuna, nas circunstâncias, em meio à plena execução de plano adotado com a participação do governo, que, não concordando com ele, poderia ter apresentado, com a devida antecedência, alternativa que melhor se encaixasse nos propósitos de combate ao coronavírus e atendesse aos interesses da população e do país, evitando-se pronunciamento que desagradou à maioria absoluta de quem se encontra envolvido com a causa em apreço.  
Por derradeiro, penso que o presidente do país comete ato falho ao criticar o desempenho impecável da imprensa, acusando-a de espalhar “pavor” e provocar “histeria”, quando a verdade mostra que os meios de comunicação têm sido fiéis aos acontecimentos e fatos que estão acontecendo além-mar, procurando evidenciar a exata dimensão sobre a monstruosidade que são os efeitos letais do terrível coronavírus, que precisa ser contido, controlado e exterminado, com todo empenho e total tenacidade, inclusive com a importante colaboração da imprensa, que tem sido fundamental nessas causas de extrema gravidade.
Diante do momento de crise generalizada, com predominância de intranquilidade e incerteza no âmbito social, os brasileiros anseiam por que o presidente da República tenha maturidade e inteligência de autêntico estadista, para somente se dirigir à nação, em respeito à dignificação representada pelo cargo, quando for para a transmissão de notícias efetivamente de extremas relevância e motivação tais que realmente justifiquem as informações pertinentes, especialmente para a satisfação do interesse público, com embargo de pronunciamentos que servem apenas para a perturbação de orientações e medidas já acomodadas pela sociedade e pelas entidades envolvidas, por terem sido consideradas apropriadas ao bem-estar social.
Brasília, em 25 de março de 2020

Nenhum comentário:

Postar um comentário