sexta-feira, 13 de março de 2020

O berço como salvação

Foi apresentada, na Câmara dos Deputados, proposta certamente com feição para lá de surrealista, ante os parâmetros dessa Casa Legislativa, fato que a tornou inaceitável in limine, diante do distanciamento já demonstrado, de maneira reiterada, pelos poderosos parlamentares aos saudáveis princípios da moralidade.
Pois bem, a aludida proposta bastante contraditória aos costumes do Parlamento brasileiro cinge-se na obrigatoriedade, pasmem, da amputação das mãos de políticos, feita pelo Sistema Único de Saúde, que cometerem crimes de corrupção, ou mais precisamente, nas palavras dele, pelos políticos que praticarem, “abuso de poder econômico, improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação até o trânsito em julgado.”. 
O parlamentar paranaense justifica a sua ousada proposta com base em normas existentes, pasmem, na China, no Irã e na Coreia do Norte, países tradicionalmente desconhecedores da exuberância dos princípios democráticos, além de ignorarem os comezinhos direitos fundamentais da humanidade.
Em reforço à sua espetaculosa tese, o deputado alega ainda, na justificativa, que “os políticos se aproveitam da boa-fé dos eleitores, prometem tudo, não cumprem e nada lhe acontece (…), são inescrupulosos e frios, pessoas más e desumanas”. 
Não obstante, a proposta em apreço foi recebida pela Mesa Diretora da Câmara e logo depois devolvida ao autor, diante da constatação de versar nela medida que não se coaduna com o texto constitucional, como, por analogia, a disposição insculpida no artigo 5º da Constituição, que, em seu inciso XLVII, estabelece: “Não haverá penas: a) de morte, salvo em casa de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; (...)  e  e) cruéis”, o que significa dizer que amputação de membros humanos equivale a morte de parte do corpo, que tem direito à sua integralidade, bem assim de tratamento extremamente cruel e definitivo, perpétuo. 
Agora, parece até paradoxal a presente proposta, porque o seu autor, segundo a média, coleciona uma série de atos que até podem ser considerados como corrupção, quando, por conduta contrária à ética parlamentar, ele já teria sido afastado pelo Conselho de Ética da Câmara por “ataques a colegas parlamentares, abuso de poder, invasão de hospitais para filmagens não autorizadas e apresentação de documento falso ao STF.”.
Estudos realizados por pesquisadores mostram que a disseminação das práticas corruptivas têm origem no Brasil Colônia, onde existia falta de definição sobre o que eram bens públicos ou privados, nascendo aí muita confusão e erradas ideias que terminaram se consolidando no sentido de que o Brasil era nação própria para enriquecimento fácil, seguro e vertiginoso, graças a esses costumes prejudiciais aos interesses nacionais.
Naquela época, também existia a concepção de que o Estado era visto como inimigo da população, porque tinha o poder de cobrar muitos tributos, exatamente como é hoje, os quais eram considerados forma de imposição de entraves à iniciativa privada.
Diante disso e sem alternativa, as pessoas com maior criatividade criminosa não tiveram a menor dificuldade em entender que a melhor saída era roubar do erário, sob o entendimento que se tratava de ato normal e aceitável, só que isso se tornou regra com o nome próprio de corrupção.
Não há a menor dúvida de que a proposta em causa representa atitude que não passa de mero delírio, por evidenciar iniciativa muito longe do razoável para se contribuir para a solução de grave problema enraizado na cultura de um povo que precisa muito ser educado de berço sobre o tema da moralidade, porque, do contrário, a desgraça da corrupção somente se ramifica e cria raízes, no país tupiniquim.
É notório que, na Câmara dos Deputados, já passaram várias e excelentes propostas com conteúdos extraordinários, visando exatamente à implantação de mecanismos tendentes à moralização da administração pública, com abrangência nas atividades pertinentes aos políticos, mas, não se sabe ainda por qual motivo, nenhuma foi aceita pelos parlamentares, que preferiram transformá-las em medida de proteção às atividades corruptivas, a exemplo da Lei de Abuso de Autoridade, onde há dispositivo que pune investigações de autoridades, o que disciplina a facilitação da roubalheira generalizada, com maior poder para a impunidade.
 Dificilmente surgirá mecanismo capaz de eliminar a corrupção no Brasil, por mais que surjam instrumentos com os propósitos de implacabilidade, como aconteceu recentemente, com inicial força titânica da Operação Lava-Jato, mas seu ímpeto foi, aos poucos, perdendo fôlego, esmorecendo, enfraquecendo e estando, nos dias atuais, praticamente sumida, enquanto muitos corruptos envolvidos em falcatruas se encontram distantes das investigações e sem perspectivas de julgamento por seus atos delituosos, a exemplo dos criminosos de colarinho branco, que têm foro privilegiado e estão na maior tranquilidade exercendo cargo político eletivo, na certeza que jamais serão incomodados pelo Supremo Tribunal Federal.
Na verdade, a mudança de mentalidade e cultura tem sido o maior obstáculo para se alcançar outro nível de modernidade social, com a aceitação de que os corruptos pudessem ser exemplarmente punidos, sem dificuldade nem demora, tendo por base legislação sob primor punitivo, sem qualquer forma de alívio à impunidade.
De certa forma, ao contrário do que muitos pensam, a impunidade quase generalizada não está na falta de leis, porque elas até existem, boas ou ruins, o suficiente para o combate à corrupção, mas o grande problema é que não são cumpridas por razões diversas, que ainda contam com o beneplácito da eterna e perniciosa morosidade da Justiça brasileira, que se mostra altamente ineficiente e incapaz de julgar com a necessária rapidez as ações penais, fato que conspira contra a ansiada moralização da administração do Brasil.

A esperança derradeira fica por conta do interesse da sociedade, que precisa se conscientizar no sentido de que depende exclusivamente dela para se mudar todo sistema político eleitoral, com a modernização da legislação pertinente,  inclusive com a possibilidade de recall automático para os políticos que deixarem de corresponder às verdadeiras finalidades públicas, no caso da prática de corrupção ou de outras quebras do decoro parlamentar ou político, em que a punição, a nível cívico-eleitoral, independentemente das sanções cíveis e penais, seria a perda do mandato pela quebra da confiança do eleitor.
Brasília, em 13 de março de 2020

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