sexta-feira, 27 de março de 2020

O mais importante é a vida


Em videoconferência, os governadores da região Sudeste se reuniram com o presidente da República, tendo por objetivo tratar de questões relacionadas com a gravíssima crise causada pelo poderoso coronavírus.
Não obstante, o que seria evento para se buscar subsídios com vistas ao afinamento dos ajustes de ideias e enfrentamento da aludida questão acabou mesmo foi servindo de verdadeiro campo de batalha política, onde cada governador teve espaço para formular contundentes acusações ao desempenho do presidente do país.
          O governador de São Paulo disse que, ao invés do “(...) respeito ao Brasil e aos brasileiros, e em respeito ao diálogo e ao entendimento. Mas o senhor que é o presidente da República tem que dar o exemplo, e tem que ser o mandatário a dirigir, a comandar e liderar o país e não para dividir".
A irritação do presidente foi exposta de imediato, tendo respondido ao tucano com palavras duras, inclusive chamando-o de "demagogo" e "leviano".
O presidente também foi criticado pelo governador do Espírito Santo, por ele ter, segundo ele, incentivado as pessoas a saírem de suas casas, nestes termos: "Temos seguido a OMS (Organização Mundial de Saúde) e na hora que o presidente opina e tira o valor da pandemia, causa uma confusão e uma dúvida nas pessoas, podendo atrapalhar o trabalho dificultando nossa ação. A dúvida e incerteza é a porta do fracasso (sic)".
Ou seja, o resultado da referida conferência não serviu senão à lavagem de roupa suja e perda de tempo, diante das posições políticas antagônicas e da pouquíssima boa vontade para realmente se tratar de importante assunto de interesse da população, mas ela teve a serventia para a uniforme, firme e clara acusação dos governadores no sentido de que o chefe do Executivo federal vem agindo contra os esforços de contenção do novo coronavírus.
Já em outro contexto tratando do mesmo tema, o governador de Goiás disse que "(Quero) que a população saiba que as decisões do presidente no que diz respeito à saúde e coronavírus não alcançam o estado de Goiás. As decisões de Goiás serão tomadas por mim, pela Organização Mundial de Saúde e pelos técnicos do Ministério da Saúde. Não tomamos nenhuma medida que não fosse muito discutida com a comunidade científica, pesquisadores, médicos e profissionais da saúde".
O governador de Santa Catarina se disse "estarrecido" com a abordagem defendida pelo presidente, tendo declarado, verbis: "Venho a público informar à população de Santa Catarina que nesta quarta-feira, 25 de março, iniciamos mais uma quarentena de sete dias por determinação de decreto deste governador, mais sete dias para ficar em casa (...). É o local mais seguro".
O governador do Pará disse que "Estamos fazendo a nossa parte aqui. Nós não vamos nos apegar ao calendário de quem quer que seja, muito menos pedir autorização a quem quer que seja para cumprir com a nossa obrigação que é defender a população paraense".
Os governadores dos Estados da região Nordeste também divulgaram nota conjunta, com críticas às ações recentes do presidente, alegando seu sentimento de frustração diante das posições agressivas dele, sob o argumento de que ele deveria "exercer o seu papel de liderança e coalizão em nome do Brasil".
Há toda clareza de que o Brasil se encontra mergulhado em pleno regime de guerra, onde a existência do Estado, como nação, precisa ter predominância, no sentido da busca da convergência de decisões que tenham por desiderato a imediata solução das causas colocadas sobre a mesa de trabalho das autoridades envolvidas, com embargo da prevalência da autoridade de nenhuma unidade pública, como forma mais inteligente possível para se alcançar a otimização das medidas indispensáveis à solução dos problemas.
Não há a menor dúvida de que, em situação como a do coronavírus, é natural que tenha variada sobreposição de regimes, competências, autonomias que precisam de urgente unificação das decisões para a disposição sobre as políticas em geral a serem aplicadas, além daquele especificamente sobre a saúde pública, exatamente porque se trata de regime de guerra, cujas decisões demoradas podem ter consequência perdas de vidas.
Convém que o presidente da República, líder supremo, governadores e prefeitos se deem as mãos, pondo de lado os objetivos político-partidários, para que, nesse momento crucial, todos os esforços sejam devotados à causa maior do combate ao coronavirús e, para tanto, é preciso que essa questão das competências sejam resolvidas por meio do convencimento de que o bom senso, a racionalidade e a compreensão devam estar presentes em todos os casos, de maneira que as decisões estejam em estreita sintonia com as melhores políticas a serem adotadas, como no caso do isolamento seletivo, que somente deve ser pensado depois do entendimento geral de que ele é realmente plausível e benéfico para o país e a sociedade, de modo a se evitar ou se minimizar o caos socioeconômico.
Nesse sentido, seria preciso que houvesse comissão conjunta, constituída por integrantes de alto nível de representatividade da União, dos Estados e dos municípios, além da participação da sociedade civil organizada, para que as decisões tivessem por finalidade o ajustamento necessário à imediata solução dos graves problemas, com o que se evitaria essa gigantesca confusão que ficou transparente com a briga entre o presidente do país e os governadores, onde sobressai a cristalina ideia de que estes divergem do mandatário do país e têm direito de decidir unilateralmente sobre o seu estado, à vista das declarações firmadas por muitos deles, ficando muito evidente a dissonância de opiniões sobre o mesmo tema, que precisa ser conduzido com o máximo de boa vontade e compreensão.
Sobre isso, não há ignorar que a Constituição Federal estabelece que essas políticas sejam hierarquizadas, mas não exclui a competência de governadores e prefeitos quando ela é do presidente, por se tratar de princípio aplicável em situação de normalidade, o que é bem diferente em situação de verdadeiro comparável ao estado de guerra, onde o bom senso, a razoabilidade e civilidade aconselham que é muito benéfico para a população que imperem medidas nascidas da convergência de entendimentos que precisam funcionar imediatamente para a satisfação do interesse público e do bem comum.
Não tem o menor cabimento que, em momento de muita dificuldade e preocupação com os possíveis contágios do poderoso coronavirus, políticos inescrupulosos pretendam impor posicionamentos em defesa de seus planos políticos, como se o cenário atual pudesse ser utilizado como verdadeiro palanque eleitoral, o que se compreenderia que isso funcionaria em detrimento das causas envolvendo a salvação de vidas humanas, em primeiro plano, porque em segundo vem a questão econômica, que também é fundamental, mas a sua salvação não tem a mesma prioridade a ser dada à vida.
A questão que se debate e se discute com o máximo de prioridade diz respeito à controvérsia sobre a real necessidade do isolamento obsequioso imposto à população brasileira, de maneira generalizada, sob a alegação de se tratar de medida preventiva contra o contágio em potencial do coronavírus, segundo o entendimento recomendado pelos organismos internacionais de saúde, o que se evitaria o estrangulamento da rede pública de saúde, a despeito da já conhecida precariedade de recursos para atendimento à população, até mesmo em situação normal, sem a pandemia que se anuncia como sendo inevitável, em forma de calamidade.
Diante disso, o presidente da República tem posição cristalina no sentido de a aludida medida ser desnecessária, evidentemente apenas como supedâneo em entendimento pessoal e verbal, contando apenas com a força do seu poder presidencial, sem ter apresentado nada que pudesse justificar a sua posição, para servir de suporte científico aceitável pelas autoridades que defendem o contrário, a despeito de que, na prática, o famigerado coronavírus não se trata de apenas “gripezinha”, diante da notória evidência de mais de 16 mil mortes causadas por ele, em todo o mundo, sendo que, só no Brasil, as mortes se aproximam de 100 e mesmo que fosse apenas uma, tudo isso já seria  muitíssimo motivo de preocupação.
Agora, à luz da ciência, é imperioso que se comprove que o isolamento social pleno é a única maneira capaz de se evitar catástrofe no âmbito da população, mas, para tanto, é preciso que se apresente elementos, como resultado de estudos ou experiências, produzido por organismo fidedigno de saúde internacional, que satisfaçam absolutamente as mesmas características, os mesmos climas, as mesmas peculiaridades, enfim, as mesmas situações próprias existentes no Brasil, para que se tenha reais condições de avalição segura sobre a certeza de que vale a pena o gigantesco sacrifício da população pelo isolamento compulsório.
Por seu turno, o mesmo argumento, em forma de comprovação substancial, tem validade para as pretensões do presidente do país, que se manifestou favorável somente ao confinamento seletivo, em que os idosos e os grupos de risco sejam submetidos ao isolamento obrigatório, permitindo que as demais pessoas tenham atividades normais, submetidas, evidentemente, às cautelas que se impõem contra o contágio com o abominável coronavírus.
Ou seja, as medidas adotadas ou cogitadas, em princípio, carecem de estudos apropriados, diante da falta de elementos seguros, confiáveis e apropriados, com comprovada capacidade para se garantir que um ou outro método seja eficaz ou não, exatamente porque a população está endo levada no grito, com base em provável experiência que nem pode servir para o Brasil, cuja população aceita ser cobaia de algo incerto, inseguro e até sem sentido, diante das circunstâncias.
À toda evidência, é aconselhável, por ser necessário, diante de peculiaridades diferentes de outros países, a construção de protocolo próprio e específico brasileiro, para a criação de metodologias científicas de eficiente e confiável combate ao coronavirus, apenas fazendo uso de outros enquanto não seja possível ter o próprio manual aplicável às suas necessidades.
Tem-se plena validade científica se acreditar e se basear piamente nas palavras de cientistas de outros mundos, sem a devida experiência brasileira, seguindo cegamente o que eles dizem e mandam, com o beneplácito da tão competente Organização Mundial de Saúde, porque muitas conclusões sobre experiências e experimentos ocorreram certamente em outros países, em regiões diferentes da nossa, com características estranhas à situação do Brasil?
Convém ainda se compreender que não tem solução fácil para o Brasil, à vista das dificuldades existentes na cambaleada economia, que seria necessária, se ela fosse forte, para a manutenção de empregos, durante o isolamento geral, que ainda tem, nesse contexto, a falta da cultura para se garantir a quarentena por longo tempo.
Concluo no sentido de que o presidente da República poderia constituir comissão de alto nível, composta com autoridades e conhecedores das áreas envolvidas, como saúde, economia, transporte, escolas, comércio, indústria etc., evidentemente com a participação de pessoal da União, dos Estados, dos municípios (Executivo, Legislativo e Judiciário) e da sociedade civil, para estudarem, com a maior urgência possível, as hipóteses em que se poderia ser implantado, com absoluta segurança e certeza, o isolamento seletivo da população, observado o devido rigor com relação aos idosos e as pessoas consideradas em situação de risco, como forma de se possibilitar que o país possa voltar o mais brevemente à normalidade, desde que esse trabalho conclua nesse sentido, diante das evidências tranquilizadoras sobre a proteção de vidas humanas.
Brasília, em 26 de março de 2020

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